Doença de Lesões Mínimas

A doença da lesões mínimas (DLM), também conhecida como nefrose lipoide, é a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças. A designação "lesões mínimas" provém das muito poucas alterações observadas nas biópsias renais sob microscopia de luz. Os achados clínicos característicos incluem edema, proteinúria, hipoalbuminemia e hiperlipidemia. O diagnóstico é baseado na suspeita clínica e nos achados laboratoriais de suporte. A base do tratamento é a administração de corticosteroides, e o prognóstico é bastante favorável.

Última atualização: Jul 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A doença de lesões mínimas (DLM) é uma doença glomerular primária de etiologia pouco clara que causa síndrome nefrótica. O termo “mínimas” refere-se às mínimas alterações estruturais dos glomérulos quando observados sob microscopia de luz.

Epidemiologia

  • A DLM é a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças.
    • É responsável por 90% dos casos de síndrome nefrótica em crianças < 6 anos de idade
    • É responsável por 50% dos casos de síndrome nefrótica em crianças com mais de 10 anos de idade.
  • Incidência: 2 em 100.000 crianças por ano
  • A relação masculino-feminino é de 2:1 nas crianças mais novas.
  • Incidência igual entre os sexos nos adolescentes

Etiologia

  • Primário: 90% dos casos idiopáticos
  • Causas secundárias:
    • AINEs
    • Doença maligna hematológica
    • Infeção
    • Vacinação
    • Reações alérgicas
    • Doenças auto-imunes

Fisiopatologia

  • Os principais sintomas da síndrome nefrótica:
    • Edema
    • Hiperproteinúria
    • Hipoalbuminemia
    • Hiperlipidemia
  • Uma série de processos patológicos conduzem aos sinais e sintomas da DLM:
    • Secreção de citocinas de células T → dano dos podócitos glomerulares → perda de carga aniónica da membrana basal glomerular → ↑ permeabilidade glomerular → proteinúria seletiva → perda de albumina
    • ↓ albumina sérica → ↓ pressão coloide intravascular → perda de líquido intravascular → edema
    • ↓ albumina sérica → ↑ produção hepática de lipoproteínas → ↑ colesterol e triglicéridos
    • Perda urinária de imunoglobulinas → ↑ risco de infeção com bactérias encapsuladas
    • Perda urinária de antitrombina III, proteína C e proteína S → estado de hipercoaguabilidade
Apagamento dos processos de podócitos

Microscópio eletrónico (esquerda) e diagrama (direita) a mostrar o apagamento dos processos dos podócitos

Imagem: “Managing a locally advanced malignant thymoma complicated by nephrotic syndrome: a case report” by Teoh DC, El-Modir A. License: CC BY 2.0, editado por Lecturio.

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Apresentação Clínica

  • História:
    • Início súbito dos sintomas
    • Por vezes precedido por uma infeção do trato respiratório superior
    • Aumento da micção
    • Aumento de peso
  • Exame: edema mole, depressível:
    • Periorbital
    • Periférico
    • Escrotal
    • Labial
    • Ascite
    • Derrame pleural
    • Derrame pericárdico
  • Tipicamente normotenso (90% dos pacientes)
Edema devido à síndrome nefrótica

Síndrome Nefrótica:
A doença é acompanhada por retenção de água e sódio. A imagem mostra tumefação/edema facial. O grau em que o edema ocorre pode variar. Pode haver um ligeiro edema nas pálpebras que diminui durante o dia, edema dos membros inferiores, edema generalizado, ou anasarca completa.

Imagem: “Nephrotic syndrome” por Charles Picavet. Licença: Public Domain

Diagnóstico

  • Urina:
    • Tira-teste da primeira urina da manhã com proteínas 3+ ou 4+
    • Rácio proteínas:creatinina em urina ocasional > 2
    • Proteinúria em urina 24-horas > 40 mg/m2/hora
    • Hematúria microscópica negativa
    • Microscopia com cilindros de gordura
  • Sangue:
    • Albumina < 2.5 g/dL
    • Colesterol total e triglicéridos > 200 mg/dL
    • Creatinina normal a elevada
    • Sódio normal a baixo
    • Hemoconcentração
    • Trombocitopenia
    • Níveis de complemento C3 e C4 normais
  • Biópsia renal:
    • Realiza-se se não houver resposta ao tratamento ou perante apresentação atípica de DLM
    • Microscopia de luz: proliferação mesangial normal a mínima
    • Imunofluorescência: negativa para deposição de complexos de anticorpos
    • Microscopia eletrónica: mostra fusão e apagamento de podócitos

Tratamento

Tratamento

  • Alterações do estilo de vida:
    • Restrição de sódio < 3 g/dia
    • Restrição de fluidos
    • Adequação da ingestão de proteínas na dieta
    • Dieta com baixo teor de colesterol
  • Farmacoterapia:
    • Corticosteroides:
      • Prednisona oral
      • Metilprednisolona IV
      • O objetivo é a remissão da proteinúria.
    • Diuréticos:
      • Utilizados frequentemente em adultos
      • Raramente usado nas crianças, apenas em casos de edema grave

Classificação baseada na resposta aos corticosteroides

  • Responsivo aos corticoides:
    • > 90% dos casos
    • Melhor prognóstico
    • Remissão com curso de corticosteroides
    • Desmame lento para descontinuar os corticoides
    • Possibilidade de recidiva:
      • Sem recidiva em aproximadamente 30%
      • Recidiva infrequente em aproximadamente 30% → repetir curso de corticosteroides
      • Recidiva frequente em aproximadamente 40% → dependente de corticoides
  • Dependente de corticoides: remissão inicial com recidiva durante o curso de corticoides ou dentro de 2 semanas após a conclusão do curso
  • Resistente aos corticoides:
    • Pior prognóstico
    • Falência em conseguir a remissão após 8 semanas de curso de corticosteroides
    • Necessidade de investigar outras causas de síndrome nefrótica que não a DLM:
      • Biópsia
      • Testes genéticos

Complicações

  • Renais:
    • Lesão renal aguda
    • Doença renal crónica (DRC)
  • Eventos tromboembólicos:
    • Tromboembolismo pulmonar (TEP)
    • Trombose da veia renal
    • Prevenção com deambulação e anticoagulantes
  • Infeções:
    • Peritonite bacteriana espontânea
    • Bacteriemia
    • Celulite
    • Pneumonia
    • Proteger com vacinação:
      • Vacina anti-Pneumocócica 23 valente
      • Vacina para a gripe (Influenza)
  • Relacionados com a farmacoterapia:
    • Efeitos da administração prolongada de corticosteroides
    • Progressão para a dependência de corticoides
    • Requer transição para outros imunossupressores:
      • Levamisole
      • Micofenolato
      • Ciclosporina

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome nefrítica: uma forma de doença renal causada por inflamação imuno-mediada e lesão dos glomérulos. A apresentação clínica é caracterizada pela combinação de hematúria, proteinúria, hipertensão arterial e insuficiência renal. Exemplos incluem a glomerulonefrite pós-estreptocócica e a púrpura de Henoch-Schonlein. O tratamento depende da causa específica.
  • Insuficiência hepática: termo geral que se refere ao comprometimento da função hepática por várias causas. A hipoalbuminemia e o edema são achados clínicos comuns. A falta de aumento da excreção de proteínas urinárias diferencia a insuficiência hepática da DLM como causa da síndrome nefrótica.
  • Insuficiência cardíaca: termo geral que se refere ao comprometimento da função cardíaca por várias causas. O edema é uma característica clínica comum. Outros achados clínicos, incluindo sopros, galopes e dispneia, diferenciam a insuficiência cardíaca da DLM como causa da síndrome nefrótica.
  • Desnutrição proteica: kwashiorkor e redução da ingestão de proteínas podem correlacionar-se com uma síntese reduzida de proteínas, redução da albumina sérica e redução dos níveis de proteínas totais.
  • Síndrome nefrótica congénita e infantil: a apresentação precoce desta forma de síndrome nefrótica antes dos 12 meses de idade diferencia-a da DLM. O início precoce deve levantar a suspeita de etiologia genética.

Referências

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  2. Erkan, E. (2020). Nephrotic syndrome. In Kliegman, RM., et al. (Eds.) Nelson textbook of pediatrics. pp. 2752–2760.e3 http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-323-52950-1.00545-9
  3. Feehally, J, Floege, J. (2019). Introduction to glomerular disease: Histologic classification and pathogenesis. In Feehally, J., et al. (Eds.). Comprehensive clinical nephrology. pp. 199–208.e1. http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-323-47909-7.00016-0
  4. International Study of Kidney Disease in Children. (1978). Nephrotic syndrome in children: Prediction of histopathology from clinical and laboratory characteristics at time of diagnosis: A report of the international study of kidney disease in children. Kidney Int. 13(2),159–165. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/713276/
  5. McKinney, PA, et al. (2001). Time trends and ethnic patterns of childhood nephrotic syndrome in Yorkshire, UK. Pediatra Nephrol. 16(12),1040–1044. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11793096/
  6. Gipson, DS, et al. (2009). Management of childhood-onset nephrotic syndrome. Pediatrics. 124(2),747–757. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19651590/
  7. Vivarelli, M, et al. (2017). Glomerular diseases: Update for the clinician, minimal change disease. Clinical Journal of the American Society of Nephrology. 12(2),332–335. https://doi.org/10.2215/CJN.05000516

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