Distrofia Muscular de Duchenne

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética recessiva ligada ao cromossoma X, causada por uma mutação no gene DMD. Esta mutação leva a uma produção anormal de distrofina, o que resulta na destruição e substituição das fibras musculares em tecido adiposo ou fibroso. Os indivíduos afetados apresentam-se com fraqueza muscular proximal progressiva, que pode levar à perda da marcha, assim como contraturas musculares, escoliose, miocardiopatia e insuficiência respiratória. Pode-se ainda registar uma elevação acentuada da creatina cinase (CK). O diagnóstico é confirmado com o recurso a testes genéticos. A abordagem terapêutica consiste em medidas de suporte que visam retardar a progressão da doença e das suas complicações. A Distrofia muscular de Duchenne é fatal, apresentando uma esperança média de vida de cerca de 20 anos.

Última atualização: Jun 30, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Epidemiologia

A Distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a distrofia muscular mais comum e mais grave.

  • Afeta crianças do sexo masculino
  • Incidência: 1 em 3.500 rapazes em todo o mundo
  • Prevalência: 63 casos por milhão

Etiologia

A Distrofia muscular de Duchenne resulta de uma mutação no gene da distrofina (DMD) no braço curto do cromossoma X.

  • O DMD é o maior gene humano conhecido codificador de proteínas, estando associado a um aumento do risco de mutações.
  • É o padrão genético recessivo mais frequentemente herdado.
  • ⅓ das mutações ocorrem a partir de uma mutação de novo em frameshift.

Fisiopatologia

Fisiologia normal:

  • O gene DMD codifica a proteína da distrofina normal, essencial para a estabilidade estrutural das miofibrilas
  • A distrofina forma um grande complexo glicoproteíco (complexo de glicoproteínas associadas à distrofina):
    • Atua como um vínculo mecânico entre o citoesqueleto e a matriz extracelular do músculo
    • Permite a função muscular normal
Fisiologia muscular normal

Fisiologia muscular normal:
A proteína da distrofina ajuda na ligação do complexo proteico associado à distrofina (que se conecta à matriz extracelular) ao citoesqueleto da célula muscular.

Imagem por Lecturio.

Fisiopatologia da DMD:

  • Mutação do gene DMD que codifica a distrofina, levando à produção de proteína da distrofina anormal
  • A distrofina anormal é incapaz de formar um complexo glicoproteico funcional → ligação mecânica defeituosa entre o citoesqueleto e a matriz extracelular do músculo
  • O complexo glicoproteico anormal é degradado por proteases → perda de distrofina
  • Os músculos são mais suscetíveis a dano → tentativas inadequadas de regeneração muscular → substituição do músculo por tecido fibroso e adiposo
Patogénese de duchenne

Patogénese da distrofia muscular de Duchenne:
Sem uma proteína da distrofina funcional, a célula não está adequadamente ancorada à matriz extracelular e ao citoesqueleto celular, tornando-a suscetível a dano e morte.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Apresentação

A distrofia muscular de Duchenne apresenta-se como fraqueza muscular progressiva.

  • Inicialmente, os músculos proximais são afetados.
  • A DMD afeta primeiro as extremidades inferiores e depois progride para o pescoço, ombros e braços.

Linha temporal:

  • A miopatia está presente ao nascimento.
  • Os sintomas clínicos apresentam-se aos 2 – 3 anos.
  • A maioria dos pacientes perde a capacidade da marcha por volta dos 12 anos.
  • Morte por insuficiência cardíaca ou respiratória por volta dos 20 anos

Evolução clínica:

  • Fase de marcha inicial:
    • Atraso na aquisição de capacidades motoras (por exemplo, dificuldade no controlo cefálico, início da marcha tardio)
    • Dificuldade em correr e saltar
    • Marcha em bicos de pé
    • Descoordenação
  • Fase de marcha tardia:
    • Aumento da dificuldade em caminhar
    • Não se consegue levantar do chão
    • Dificuldade em subir escadas
    • Cansaço fácil
  • Fase de perda da marcha inicial:
    • Incapaz de deambular, mas consegue impulsionar a marcha por curtos períodos
    • Consegue manter a postura
    • Início do desenvolvimento de escoliose.
  • Fase de perda da marcha tardia:
    • Incapaz de manter a postura
    • Início do desenvolvimento de contraturas.

Achados do exame objetivo

  • Marcha descoordenada
  • Sinal de Gower:
    • Uso dos braços e mãos como apoio para posicionamento de pé
    • É consequência da fraqueza muscular proximal
    • Patognomónico
  • Pseudo-hipertrofia dos músculos gastrocnémios:
    • Músculos grandes, mas fracos
    • Consequência da substituição do músculo por tecido fibroso e adiposo
  • Hipotonia e perda de massa muscular
  • Escoliose e lordose lombar
  • Hiporreflexia ou arreflexia
  • As contraturas ocorrem frequentemente:
    • Joelhos
    • Ancas
    • Tornozelos
    • Cotovelos

Diagnóstico

Enzimas musculares

  • ↑ CK (creatina cinase):
    • Prévio ao aparecimento de sinais clínicos
    • Aumento frequente de 10-20 vezes o limite superior do normal
    • Níveis atingem o pico aos 2 anos e diminuem gradualmente à medida que o músculo é substituído por tecido fibroso e adiposo.
  • ↑ Aldose
  • ↑ AST ( Aspartato aminotransferase) e ALT (Alanina aminotransferase)

Testes genéticos

  • Amplificação de sondas dependentes de ligações múltiplas (MLPA, pela sigla em inglês):
    • Identificação de anomalias no gene DMD
    • Principal teste de confirmação
  • Sequenciação genética completa:
    • Deteção de pequenas alterações genéticas
    • Utilizada caso o MLPA seja negativo, mas a suspeita clínica seja elevada.
  • Outras técnicas:
    • PCR – reação em cadeia da polimerase
    • FISH – hibridização fluorescente in situ

Biópsia muscular

  • Indicada caso os testes genéticos não confirmem o diagnóstico, mas a suspeita clínica permaneça elevada.
  • Achados:
    • Fibras musculares necróticas de diversos tamanhos
    • Substituição do músculo por gordura e tecido fibroso
    • A técnica de Immunostaining revela a ausência de distrofina.
Histologia da distrofia muscular de duchenne

Imagem histológica da biópsia muscular na distrofia muscular de Duchenne:
Substituição significativa das fibras musculares por células adiposas (zonas a claro).

Imagem: “70” por CDC/Dr. Edwin P. Ewing, Jr. Licença: Public Domain

Eletromiografia (EMG)

  • Raramente usada, mas pode ajudar a diferenciar a DMD de outras formas de fraqueza muscular.
  • Apresenta potenciais polifásicos pequenos

Tratamento

Não existe cura para a DMD. O tratamento é principalmente de suporte e paliativo, muitas vezes orientado pelas preferências individuais.

Tratamento médico

  • É necessário um cuidado multidisciplinar.
  • Fisioterapia e exercício são importantes para a recuperação da força muscular e prevenção de contraturas
  • Prevenção de quedas e assistência na mobilidade
  • Suporte nutricional
  • Rastreio da saúde mental adequado e meios de apoio

Terapêutica médica

  • Corticoides (por exemplo, prednisona, deflazacort):
    • Abranda a progressão da fraqueza muscular
    • Atrasa a perda da marcha
    • Reduz o risco de escoliose
    • Melhora a função pulmonar
    • O uso crónico é muitas vezes limitado por efeitos adversos
    • Evitar a cessação abrupta como prevenção do aparecimento de crise adrenal
  • Creatina:
    • A evidência do seu uso é limitada.
    • Pode apresentar um benefício discreto no atraso da progressão da doença
  • Terapêutica Exon-skipping:
    • Nova abordagem terapêutica genética com benefícios clínicos não comprovados
    • Funciona como “molecular patches” no gene DMD anormal
    • Permite a produção de proteína da distrofina mais funcional (mas não totalmente normal)
    • Opções: eteplirsen, golodirsen e viltolarsen

Intervenções

  • Cirurgia é indicada para alívio de tendões em contraturas
  • Tratamento da escoliose
  • Pode-se considerar o uso de sonda nasogástrica em doentes com disfagia significativa.
  • Pode-se considerar o recurso a traqueostomia para suporte ventilatório em doentes com insuficiência respiratória

Vigilância apertada

  • Avaliação e monitorização da miocardiopatia:
    • ECG (eletrocardiograma)
    • Ecocardiograma ou ressonância magnética cardíaca
  • O tratamento respiratório inclui:
    • Monitorização da capacidade vital pulmonar através de provas da função respiratória
    • Estudo do sono com capnografia

Cuidados paliativos e planeamento atempado

  • Os pacientes e as famílias devem ser informados sobre o prognóstico a longo prazo.
  • Abordar questões de fim de vida.
  • As medidas paliativas podem ser usadas em qualquer fase da doença.

Complicações

  • Cardíacas:
    • A fibrose do músculo cardíaco leva a:
      • Miocardiopatia dilatada
      • Anomalias de condução e arritmias
    • As complicações cardíacas são a causa mais comum de morte.
  • Respiratórias:
    • O comprometimento progressivo da função pulmonar resulta de:
      • Fraqueza dos músculos da parede torácica
      • Má postura do tronco em consequência de escolioses e lordoses
    • A ventilação assistida é eventualmente necessária.
    • Risco aumentado para pneumonia
  • Ortopédicas:
    • Fraturas secundárias a quedas
    • Contraturas
  • Gastrointestinais:
    • Disfagia
    • Obstipação
  • Neurocognitivas:
    • O défice cognitivo é comum.
    • Aumento de associação com:
      • Autismo
      • PHDA – Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção
      • POC – Perturbação Obessivo-Compulsiva
      • Ansiedade

Diagnóstico Diferencial

  • Distrofia muscular de Becker (BMD): 2ª forma mais comum de distrofia muscular. A distrofia muscular de Becker pode resultar de uma mutação recessiva ligada ao cromossoma X no gene DMD. A distrofia muscular de Becker é menos grave que a DMD, resultando num aparecimento mais tardio de sintomas, numa progressão clínica mais lenta e apresenta uma maior esperança média de vida. Os níveis de creatina cinase são menos elevados e o défice cognitivo é incomum na BMD. A confirmação do diagnóstico é feita com testes genéticos. Na biópsia muscular observa-se que as fibras musculares são poupadas. A distrofina pode ser observada através da técnica de immunostaining. O tratamento é de suporte.
  • Distrofia muscular facioscapuloumeral: doença autossómica dominante resultante de mutações nos genes DUX4 ou SMCHD1. Afeta tanto crianças do sexo feminino como masculino. Os pacientes apresentam fraqueza progressiva da face, escápula e músculos do antebraço por volta dos 20 anos. O envolvimento cardíaco é raro. Há uma elevação modesta na CK e o diagnóstico é confirmado por testes genéticos. O tratamento é de suporte.
  • Distrofia muscular de membro-cintura (“Limb-girdle”): grupo de doenças miopáticas resultantes de vários defeitos genéticos. Afeta tanto crianças do sexo feminino como masculino. O início da doença pode variar e caracteriza-se por atrofia e fraqueza lentamente progressiva dos músculos proximais do quadril e ombro. O atingimento cardíaco não é típico. O diagnóstico de distrofia muscular de membro-cintura é confirmado por testes genéticos. O tratamento é de suporte.
  • Distrofia miotónica: grupo de doenças autossómicas dominantes que podem afetar múltiplos sistemas. A distrofia miotónica pode ser congénita ou ter início na idade adulta. Os achados clínicos incluem miotonias, perda de massa muscular distal e facial, cataratas, défice cognitivo e doenças endócrinas. O diagnóstico é baseado em testes genéticos e o tratamento é maioritariamente de suporte.
  • Distrofia Emery-Dreifuss: doença genética com várias formas de transmissão hereditária. A distrofia de Emery-Dreifuss caracteriza-se por fraqueza lentamente progressiva dos braços e pernas, contraturas e anomalias cardíacas na primeira ou segunda década de vida. Pode-se observar uma elevação moderada da CK. O diagnóstico é confirmado através de testes genéticos. O tratamento é de suporte e a maioria dos indivíduos não perde a capacidade de marcha.
  • Atrofia muscular espinhal: grupo de doenças autossómicas recessivas que levam à degeneração das células do corno anterior da medula espinhal e do tronco cerebral. A apresentação clínica da atrofia muscular espinhal é variável. As formas mais graves de atrofia muscular espinhal podem estar presentes desde o nascimento até à infância precoce com evidência de fraqueza progressiva, atrofia muscular, atraso motor grave, atrofia e fasciculações da língua, disfagia e insuficiência respiratória. O diagnóstico é confirmado com base em testes genéticos. O tratamento é de suporte e a esperança média de vida varia conforme o tipo de doença.

Referências

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