Coriorretinite

A coriorretinite é uma inflamação do segmento posterior do olho, que inclui a coróide e a retina. Esta patologia é frequentemente causada por infeções, a mais comum das quais é a toxoplasmose. Algumas destas infeções podem atingir o feto e condicionar anomalias congénitas. Algumas doenças sistémicas, como a sarcoidose, também estão associadas a esta patologia. Características clínicas típicas incluem visão turva e indolor, moscas volantes e escotomas. As manifestações extraoculares estão presentes em doenças sistémicas e congénitas. O diagnóstico é realizado através de fundoscopia e de exame com lâmpada de fenda; exames laboratoriais ou de imagem poderão ser realizados de acordo com os fatores de risco, história médica ou para monitorização do tratamento. O tratamento consiste no controlo da infeção com antibióticos ou antivíricos e na redução da inflamação com glicocorticóides ou imunossupressores.

Última atualização: Mar 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

  • Também conhecida como retinocoroidite
  • Inflamação da coróide, uma parte da úvea posterior, e da retina
  • Um tipo de uveíte posterior

Anatomia

  • Coróide:
    • Estrutura vascular que fornece suporte e nutrição à retina
    • Continua anteriormente com o corpo ciliar
  • Retina:
    • Camada mais interna
    • Contém fotorrecetores que convertem estímulos luminosos em impulsos nervosos
Anatomia do olho

Anatomia do olho humano

Imagem por Lecturio.

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Entre as diferentes formas de uveíte, a uveíte posterior é a menos comum.
  • Coriorretinite: frequentemente de etiologia infeciosa
  • Toxoplasmose: causa mais comum de coriorretinite em todo o mundo

Etiologia

  • Causas infeciosas:
    • Toxoplasmose (Toxoplasma gondii)
    • Sífilis (Treponema pallidum)
    • Tuberculose (TB) (Mycobacterium tuberculosis)
    • Vírus herpes simplex
    • Vírus da coriomeningite linfocítica
    • Vírus da rubéola
    • Vírus varicela
    • Citomegalovírus (CMV)
    • Histoplasmose (Histoplasma capsulatum)
    • Candidíase (Candida albicans)
    • Coccidioidomicose (Coccidioides)
    • Toxocaríase (Toxocara canis, Toxocara cati)
  • Causas não infeciosas:
    • Doenças autoimunes:
      • Sarcoidose
      • Doença de Behçet
      • Lúpus eritematoso sistémico
      • Poliarterite nodosa
      • Granulomatose com poliangeíte
    • Sem associação sistémica:
      • Coroidopatia de Birdshot
      • Coroidite multifocal e panuveíte
      • Coroidopatia serpiginosa
      • Síndrome do ponto branco evanescente múltiplo (MEWDS, pela sigla em inglês)

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Apresentação Clínica

  • Geralmente indolor, mas existe dor na panuveíte
  • Moscas volantes
  • “Flashes” luminosos (fotópsia)
  • Diminuição ou perda da visão
  • Escotomas (pontos cegos)
  • Recém-nascidos: geralmente assintomáticos ao nascimento, com manifestações observadas mais tardiamente
  • Os sintomas extraoculares dependem da doença associada.

Coriorretinite Infeciosa

Toxoplasmose congénita

  • Apenas 10%30% dos pacientes apresentam manifestações ao nascimento e na primeira infância.
  • Os fetos infetados no início da gravidez apresentam maior probabilidade de desenvolver sinais de infeção.
  • Achados in utero: calcificações/densidades intracranianas e hidrocefalia (achados mais comuns)
  • Tríade clássica:
    1. Calcificações intracranianas
    2. Hidrocefalia
    3. Coriorretinite: uma manifestação tardia comum da toxoplasmose congénita
  • Sintomas: geralmente visão turva indolor, escotomas, fotofobia

Toxoplasmose adquirida

Infeção ativa

  • Pacientes de alto risco:
    • Pode ocorrer em todas as faixas etárias
    • Indivíduos da América do Sul e Central (predominantemente genótipo I, que causa doença grave)
  • Sintomas: perda visual unilateral ou moscas volantes

Infeção reativada

  • Pacientes de alto risco:
    • Indivíduos que adquiriram infeção in utero ou pós-natal
    • Início > 40 anos de idade: aumenta o risco de recorrência
  • Sintomas: perda visual bilateral ou moscas volantes com lesão inflamatória coriorretiniana

Retinite congénita por CMV

  • 90% assintomáticos ao nascimento
  • Pacientes de alto risco:
    • Recém-nascidos de mães com infeção por CMV conhecida ou suspeita
    • Recém-nascidos imunocomprometidos (imunodeficiência combinada grave)
  • Achados in utero: restrição de crescimento, calcificações periventriculares, ventriculomegalia, microcefalia
  • Coriorretinite: achado ocular mais comum
  • Sintomas: défice visual, estrabismo
  • Sintomas extraoculares: petéquias, icterícia, hepatoesplenomegalia, perda auditiva, microcefalia e calcificações ventriculares

Retinite adquirida por CMV

  • Pacientes de alto risco:
    • Pacientes gravemente imunocomprometidos: SIDA com contagem de CD4 < 50 células/microL
  • Sintomas:
    • Normalmente unilateral
    • Visão turva ou perda de visão central
    • Escotomas
    • Moscas volantes, fotópsia: preditores sintomáticos de retinite por CMV em pacientes com SIDA
  • Associado a retinite necrotizante, vasculite retiniana e neuropatia ótica

Tuberculose

  • Pacientes de alto risco:
    • Indivíduos que vivem em países endémicos
    • Estado de imunossupressão
  • Resulta de disseminação hematogénica
  • Frequentemente apresenta-se como uveíte posterior com coroidite disseminada
  • Sintomas:
    • Quando a mácula é afetada existe diminuição da acuidade visual
    • Unilateral ou bilateral

Toxocaríase

  • Pacientes de alto risco: jovens com animais de estimação
  • Sintomas: diminuição da visão unilateral, fotofobia, moscas volantes
  • Sinais: leucocoria, hiperemia ocular

Sífilis

  • Pacientes de alto risco: história de doenças sexualmente transmissíveis
  • Normalmente manifesta-se como irite ou iridociclite, mas também pode causar coriorretinite
  • No VIH, desenvolvem-se lesões placóides: coriorretinite placóide
  • Sintomas: visão turva, moscas volantes, sensibilidade à luz

Síndrome da histoplasmose ocular

  • Pacientes de alto risco: em regiões endémicas para Histoplasma
  • Frequentemente assintomático até que ocorra neovascularização coroidal (CNV, pela sigla em inglês)
  • Sintomas: perda da visão central, metamorfópsias (linhas retas distorcidas), escotomas

Coriorretinite não Infeciosa

Sarcoidose

  • Pacientes de alto risco: mulheres afro-americanas
  • Sintomas pulmonares e extrapulmonares
  • Afeta a úvea posterior em um-terço dos casos
  • Sintomas: visão turva, moscas volantes, fotofobia; dor se associada a uveíte anterior

Doença de Behçet

  • Caracterizada por úlceras orais e genitais recorrentes, poliartrite
  • Sintomas:
    • Frequentemente bilateral, episódica
    • Pode apresentar-se como panuveíte (hiperemia, lacrimejo, dor, fotofobia, visão turva)
    • Perda de visão grave com vasculite retiniana e neurite ótica

Retinocoroidopatia de Birdshot

  • Pacientes de alto risco: associação a HLA-A29
  • Sintomas: visão turva, moscas volantes e brilho intenso

MEWDS

  • Raro, mas afeta mulheres jovens saudáveis
  • Sintomas:
    • Perda de visão unilateral aguda sem dor
    • Autolimitada e resolve em 9 semanas

Diagnóstico

Diagnóstico pré-natal

  • Rastreio inclui sífilis
  • A ecografia pode detetar alterações fetais que são sugestivas de CMV e toxoplasmose

Exames laboratoriais e imagiologia

Guiado por:

  • Nível de suspeita elevado em pacientes com infeções perinatais conhecidas ou suspeitas
  • Manifestações presentes ao nascimento e sintomas subsequentes
  • História médica
  • Fatores predisponentes de alto risco (e.g., comportamento sexual, contacto com animais de estimação, residência ou viagens para áreas endémicas)

Exame de fundo de olho e biomicroscopia com lâmpada de fenda

  • Coroidite: manchas amarelas, bordas regulares
  • Retinite: mancha esbranquiçada com bordos mal definidos
  • Inflamação vítrea (leucócitos no humor vítreo)
  • Opacidades vítreas

Achados oftalmológicos na coriorretinite infeciosa

Infeção Achados oftalmológicos
Toxoplasmose
  • Estadio inativo: cicatrizes coriorretinianas atróficas
  • Estadio ativo:
    • Retinite necrotizante focal
    • Retinite focal branca com inflamação vítrea (“farol no nevoeiro”)
Toxoplasmose congénita Lesão macular perfurada ou escavada
Retinite por CMV
  • Lesões retinianas granulares leves, amarelo-esbranquiçadas, hemorragias com aparência “tarte de pizza”
  • Congénito: atrofia ótica, cicatrizes retinianas, coriorretinite
Tuberculose
  • Coroidite disseminada
  • Lesões amarelas discretas (tubérculos coroidais), únicas ou múltiplas, observadas no pólo posterior
Toxocaríase Granuloma esbranquiçado na periferia ou pólo posterior (da localização larval)
Sífilis Grande imitador: apresenta-se como coriorretinite, papiledema, neurite ótica, lesões placóides
Síndrome da histoplasmose ocular Lesões ovais discretas coriorretinianas (manchas histo “perfuradas”)

Achados oftalmológicos na coriorretinite não infeciosa

Doença/condição Achados oftalmológicos
Sarcoidose
  • Granulomas coriorretinianos, exsudados perirretinianos (“pingos de cera de vela”)
  • Lesões placóides
Doença de Behçet
  • Vitrite
  • Retinite necrotizante
  • Vasculite retiniana
Retinocoroidopatia de Birdshot Lesões Birdshot: lesões coroidais de cor creme que irradiam do disco ótico
Síndrome do ponto branco
  • Lesões brancas na retina externa
  • Granularidade na fóvea

Tratamento

Objetivos

  • Preservar a função visual.
  • Suprimir a resposta inflamatória do hospedeiro.
  • Eliminar a infeção (para causas infeciosas).

Coriorretinite infeciosa

  • Toxoplasmose:
    • Doença inativa: sem tratamento se assintomático
    • Doença ativa: trimetoprim-sulfametoxazol ou pirimetamina + sulfadiazina + leucovorina
    • < 14 semanas de gestação com doença ativa: espiramicina
    • > 14 semanas de gestação com doença ativa: pirimetamina-sulfadiazina
    • Lactentes com diagnóstico confirmado: pirimetamina + sulfadiazina + leucovorina
  • Retinite por CMV: a gravidade determina o fármaco e a via
    • Ganciclovir
    • Valganciclovir
    • Foscarnet
    • Cidofovir
  • Tuberculose: tratamento antibacilar
    • Isoniazida
    • Rifampicina
    • Pirazinamida
    • Etambutol
  • Toxocaríase: prednisona e albendazol (para situações em que a inflamação representa uma ameaça à visão)
  • Sífilis: penicilina G EV 24 milhões de unidades/dia por 1014 dias (semelhante à neurossífilis)
  • Histoplasmose:
    • Observação e monitorização para CNV
    • Anti-fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) para CNV

Coriorretinite não infeciosa

A coriorretinite não infeciosa é tratada com corticosteróides e imunossupressores.

Coriorretinite sem resolução

Para a coriorretinite sem resolução, descartar doenças malignas (síndromes mascaradas).

Diagnóstico Diferencial

Os diagnósticos diferenciais de coriorretinite incluem as seguintes condições:

  • Linfoma vitreorretiniano: a doença linfoproliferativa intraocular mais comum. Esta patologia é uma síndrome mascarada que se apresenta como um verdadeiro dilema diagnóstico. Os pacientes apresentam défice visual gradual com moscas volantes. O gold standard de diagnóstico é o exame citopatológico do fluido ocular ou a biópsia coriorretiniana.
  • Melanoma da coróide: uma doença maligna que se apresenta com uveíte (síndrome mascarada). Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar moscas volantes, defeitos de campo visual e “flashes”. O diagnóstico é realizado por fundoscopia que revela um tumor pigmentado em forma de cúpula. Como teste de prognóstico molecular é realizada biópsia por agulha fina.
  • Retinoblastoma: a doença maligna intraocular mais comum na infância, geralmente diagnosticada antes dos 5 anos de idade. O retinoblastoma apresenta-se frequentemente como um reflexo branco anormal da retina, denominado leucocoria. Outras características incluem olho vermelho, estrabismo e nistagmo. A oftalmoscopia revela uma massa na retina. Outros estudos de imagem adicionais, como a ecografia ocular, podem ser utilizados para o diagnóstico.

Referências

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  2. Garweg, J., Petersen, E., Durand, M., Mitty, J. (2020) Toxoplasmosis: Ocular disease.UpToDate. Retrieved September 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/toxoplasmosis-ocular-disease
  3. Geetha, R., Tripathy, K. (2020). Chorioretinitis. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK551705/
  4. Harbour, J., Shih, H., Atkins, M, Berman, R. (2018). Initial management of uveal and conjunctival melanomas. UpToDate. Retrieved September 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/initial-management-of-uveal-and-conjunctival-melanomas
  5. Jacobson,M., Bartlett, J., Mitty, J. (2020) Pathogenesis, clinical manifestations and diagnosis of AIDS-related cytomegalovirus. UpToDate. Retrieved September 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-clinical-manifestations-and-diagnosis-of-aids-related-cytomegalovirus-retinitis
  6. Petersen, E.m Mandelbrot, L.,Simpson, L.,Weller, P., Barss, V., Mitty, J. (2020). Toxoplasmosis and pregnancy. UpToDate. Retrieved September 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/toxoplasmosis-and-pregnancy
  7. Rathinam, S., Bernardo, J., Gardiner, M., Baron, E. (2019). Tuberculosis and the eye. UpToDate. Retrieved September 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/tuberculosis-and-the-eye?search=tuberculosis
  8. Roque, M., Steele, R., Schleiss, M, Windle, M. (2016). Chorioretinitis. Medscape. Retrieved September 22, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/962761-overview
  9. Sudharshan, S., Ganesh, S., Biswas, J. (2010) Current approach in the diagnosis and management of posterior uveitis. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2841371/

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