Comunicação Interventricular

A comunicação interventricular (CIV) é uma malformação cardíaca congénitas que se caracteriza por uma comunicação anormal entre os ventrículos direito e esquerdo. Apresentando-se tanto isoladamente como como parte de uma doença mais complexa, a CIV é o defeito cardíaco congénito mais frequente. Enquanto o grau de gravidade depende do tamanho do defeito, as CIV são classificadas com base na localização anatómica do defeito. Os pacientes podem ser assintomáticos se tiverem defeitos menores, enquanto defeitos maiores podem apresentar-se com insuficiência respiratória ou cardíaca durante a infância ou pré-adolescência. Um sinal clínico comum é um sopro holosistólico audível no bordo esternal esquerdo. O diagnóstico, tanto pré como pós-natal, é confirmado por ecocardiograma. A maioria das CIV pequenas encerra espontaneamente, mas aquelas que são maiores e sintomáticas requerem estabilização médica seguida de reparação cirúrgica.

Última atualização: Jul 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Uma comunicação interventricular (CIV) é uma malformação do septo interventricular (SIV) que resulta numa comunicação anormal entre o ventrículo esquerdo (VE) e o ventrículo direito (VD). Este defeito pode apresentar-se isoladamente ou fazer parte de outra anomalia, como por exemplo a tetralogia de Fallot.

Classificação

Existem 4 subtipos principais de CIV com base na localização ao longo do SIV:

  1. Membranosa (75% dos casos):
    • Também chamada perimembranosa ou conoventricular
    • Subtipo mais comum
    • Situada no septo conal distal (apenas inferior à válvula aórtica)
    • Próximo do feixe de His
  2. Muscular (20%):
    • Localizada ao longo do septo muscular trabeculado
    • Classificada como anterior, médio-muscular, apical ou posterior
    • Comum em bebés prematuros
    • Pode ser múltiplo
    • O mais provável é encerrar espontaneamente.
  3. Obstrução da entrada (5%):
    • Também chamada defeito do canal AV
    • Localizada em redor do anel tricúspide (entrada)
    • Acompanha sempre outros defeitos da almofada do endocárdio
    • Não encerra espontaneamente
  4. Supracristal (5%):
    • Também chamado defeito de obstrução da saída
    • Localizada inferiormente à válvula pulmonar no trato de saída do ventrículo direito.
    • Mais comum na população asiática
    • Não encerra espontaneamente

Epidemiologia

  • A cardiopatia congénita (CC) mais comum: 25% de todas as CC
  • Incidência: 5-50/1.000 nados vivos
  • Aumento do risco:
    • História familiar: aumento de 3x
    • Fatores maternos:
      • Obesidade
      • Diabetes
      • Uso de álcool → CIV muscular

Etiologia

O mecanismo exacto é desconhecido. Sindromes genéticas:

  • Síndrome de Down (trissomia do cromossoma 21)
  • Síndrome de Patau (trissomia do cromossoma 13)
  • Síndrome de Edwards (trissomia do cromossoma 18)
Ventricular septal defect

Imagem que mostra dos diferentes tipos de defeito do septo ventricular

Imagem por Lecturio.

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

As alterações fisiológicas ocorrem com base no tamanho do defeito e na resistência através da qual o sangue tem de fluir.

  • CIV pequena:
    • < 4 mm
    • Shunt esquerda-direita mínimo devido à alta resistência dentro do defeito
    • Mantém a pressão do VD normal
    • Raramente causa insuficiência cardíaca
  • CIV moderada:
    • 4-6 mm
    • Shunt esquerda-direita
    • Maior resistência (defeito menor) → pressão da artéria pulmonar < 50% da pressão sistémica → menor quantidade de alteração dentro dos ventrículos e da circulação pulmonar
    • Menor resistência (defeito maior) → pressão da artéria pulmonar é > 50% da pressão sistémica → congestão pulmonar e remodelação do VE
  • CIV grande:
    • > 6 mm
    • Muito pouca resistência ao fluxo através do defeito
    • O shunt esquerda-direita iguala a pressão entre o VD e o VE
    • Após o nascimento, como a resistência vascular pulmonar (RVP) fetal diminui → aumento do fluxo sanguíneo pulmonar → hipertensão pulmonar → hipertrofia do VD
    • Pode ocorrer a síndrome de Eisenmenger quando a pressão do VD é mais alta → shunt direita-esquerda e cianose

Apresentação Clínica

A idade de apresentação é geralmente à volta dos 2 meses, a menos que esteja presente um defeito maior e que se torne sintomático em semanas após o nascimento.

  • CIV pequena:
    • Frequentemente assintomática
    • Sopro acidental
  • CIV moderada/grande:
    • Dificuldade na alimentação (suor ou fadiga)
    • Diminuição do ganho ponderal
    • Dispneia
    • Infeções pulmonares recorrentes
    • Endocardite infeciosa

Diagnóstico

Exame físico

  • Aparência geral:
    • Palidez
    • Má progressão estaturo-ponderal
  • Exame precordial:
    • Ápice deslocado
    • Sopro sistólico
    • Sopro:
      • CIV pequena:
        • Holosistólico áspero
        • Grau 2 ou 3
        • Bordo esternal inferior esquerdo
      • CIV grande:
        • Sopro sistólico com rodado diastólico (ápice)
        • Sem sopro, se severo.
  • Sinais de insuficiência respiratória:
    • Taquipneia
    • Grunhido
    • Adejo nasal
    • Tiragem
    • Hipóxia
  • Sinais de insuficiência cardíaca:
    • Hepatomegalia
    • Taquicardia
    • Presença de S3 e S4
Sopros cardíacos após correção

Fonocardiograma de sons cardíacos anormais provocados pelos seguintes defeitos cardíacos:
Regurgitação aórtica, prolapso da valva mitral, estenose mitral (MS), estenose aórtica (AS), regurgitação tricúspide, miocardiopatia hipertrófica obstrutiva (MCHO), comunicação interauricular (ASD), comunicação interventricular (VSD) e persistência do ducto arterial (PCA)

Imagem por Lecturio.

Imagiologia

  • Ecocardiograma com doppler colorido:
    • Confirmatório (pode ser feito no período pré-natal)
    • Avalia:
      • Tipo e localização
      • Tamanho do defeito
      • Extensão do shunt esquerda-direita
      • Pressão na artéria pulmonar
  • Radiografia do tórax:
    • Aumento da vascularização pulmonar
    • Cardiomegalia
  • ECG:
    • Normal em defeitos menores
    • Defeitos moderados a grandes podem mostrar hipertrofia do VE e do VD
Civ detetada por ecocardiograma fetal

A seta branca indica uma CIV grande detetada pelo ecocardiograma fetal.

Imagem: “Prediction of spontaneous closure of isolated ventricular septal defects in utero and postnatal life” por BMC Pediatrics. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

Tratamento

O tratamento de uma CIV baseia-se no tamanho do defeito e nos sintomas clínicos do paciente.

  • CIV pequena/bebé assintomático:
    • Reavaliar a cada 2 anos, se houver sopro.
    • Acompanhamento anual para avaliar o desenvolvimento de sintomas.
    • A maioria encerra espontaneamente.
  • CIV moderada a grande, assintomática:
    • Acompanhamento regular com ecocardiograma para avaliar a estabilidade hemodinâmica.
    • Reparação cirurgica assim que ocorrer dilatação do VE.
  • Paciente sintomático:
    • Ligeiro:
      • Crescimento adequado com taquipneia leve
      • Tratamento médico
    • Moderado:
      • Sinais de má progressão estaturo-ponderal
      • Tratamento médico com ingestão calórica
      • Ponte para a reparação cirúrgica
    • Grave:
      • Sintomas de insuficiência cardíaca e/ou respiratória
      • Estabilização médica hospitalar seguida de reparação cirúrgica imediata
  • Tratamento médico:
    • Suporte nutricional
    • Insuficiência cardíaca → diuréticos
    • Vacinas actualizadas
  • O tratamento cirúrgico envolve a reparação do defeito com adesivo, geralmente antes do 1 ano de idade.

Prognóstico

  • Excelente sobrevida a longo prazo
  • A maioria das CID moderadas pequenas e assintomáticas encerram espontaneamente.
  • As complicações após a reparação cirúrgica são raras

Relevância Clínica

As seguintes situações estão associadas à CIV e podem causar ou modificar a doença:

  • Insuficiência cardíaca: uma CIV grande pode resultar num shunt esquerda-direita grave causando redução do volume do VE, além de um maior débito cardíaco do VD. Isto leva à congestão pulmonar e eventualmente à insuficiência cardíaca do lado direito.
  • Má progressão estaturo-ponderal: ganho de peso e crescimento subótimos em crianças. Tal como acontece com a maioria das CC, a 1ª apresentação da CIV pode ser uma dificuldade do bebé ou da criança em satisfazer as necessidades calóricas necessárias para o crescimento, devido ao aumento excessivo da necessidade do trabalho cardíaco.
  • Endocardite: crescimento de vegetações infeciosas sobre o endotélio do coração. Os pacientes com CIV correm um risco maior de as desenvolver.
  • Insuficiência aórtica: incapacidade da válvula aórtica (VAo) permanecer fechada durante a diástole, causando a inversão do fluxo para o VE. Devido à zona de baixa pressão criada no VE através da CIV, a VAo prolapsa e torna-se insuficiente.

Referências

  1. Kliegman, R. M. et al. (2020). Acyanotic congenital heart disease: Left-to-right shunt lesions. In R. M. Kliegman MD et al. (Eds.), Nelson textbook of pediatrics (pp. 237-2384.e1). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501004533.
  2. Madan-Khetarpal, S., & Arnold, G. (2018). Genetic disorders and dysmorphic conditions. In B. J. Zitelli MD, S. C. McIntire MD & Nowalk, Andrew J., MD, Ph.D. (Eds.), Zitelli and Davis’ atlas of pediatric physical diagnosis (pp. 1-43). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323393034000013.
  3. Tweddell, J. S., Pelech, A. N., & Frommelt, P. C. (2006). Ventricular septal defect and aortic valve regurgitation: pathophysiology and indications for surgery. Seminars in thoracic and cardiovascular surgery. Pediatric cardiac surgery annual, 147–152. https://doi.org/10.1053/j.pcsu.2006.02.020.

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