Colelitíase

Colelitíase (cálculos biliares) é a presença de cálculos na vesícula biliar. A maioria dos cálculos biliares são cálculos de colesterol, enquanto os restantes são compostos por bilirrubina (pedras de pigmento) e outros componentes mistos. Os pacientes geralmente são assintomáticos, mas podem apresentar cólica biliar (dor intermitente no quadrante superior direito). O diagnóstico é estabelecido por ultrassonografia. As opções de tratamento incluem cuidados de suporte para prevenir e controlar os sintomas associados. Quando indicada, a colecistectomia é o tratamento definitivo. Os cálculos biliares podem levar a complicações como coledocolitíase (um cálculo preso no ducto biliar comum), colecistite (inflamação da vesícula biliar) ou colangite (sépsis biliar). Essas condições requerem avaliação médica urgente.

Última atualização: Jan 2, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A colelitíase é a presença de cálculos biliares na vesícula biliar.

Epidemiologia

  • Prevalência nos Estados Unidos: 6% dos homens e 9% das mulheres
  • Mulheres > homens (3:1), mas essa proporção diminui com a idade
  • Mais comummente visto em > 40 anos de idade
  • Maior prevalência em nativos americanos e mexicanos-americanos
Cálculos biliares

Vesícula biliar aberta com cálculos biliares

Imagem: “Opened gall bladder containing numerous gallstones” por Emmanuelm. Licença: CC BY 3.0

Etiologia

Cálculos de colesterol (80%)

  • Precipitados principalmente de colesterol com sais biliares, cálcio e mucina
  • Fatores de risco:
    • Obesidade
    • Perda de peso rápida (geralmente após uma cirurgia bariátrica)
    • Diabetes
    • Dislipidemia
    • Predisposição genética
    • Gravidez (limitação do esvaziamento da vesícula biliar, causado pela progesterona)
    • Fármacos (terapêutica hormonal, contracetivos orais, ceftriaxone, fibratos, análogos da somatostatina)
    • Jejum prolongado
    • Nutrição parentérica
    • Lesão da medula espinhal

Cálculos de pigmento (10%)

  • Causados pelo excesso de bilirrubina
  • Os cálculos pretos consistem principalmente em bilirrubinato de cálcio.
  • Fatores de risco:
    • Cirrose
    • Doença de Crohn/resseção ileal
    • Anemias hemolíticas (esferocitose hereditária, talassemias, anemia de células falciformes)
    • Idade avançada

Cálculos castanhos (“mistos”; 10%)

  • Infeção bacteriana ou infestação parasitária
  • Formam-se frequentemente nos ductos biliares
  • Mais comum em populações asiáticas
Gallstones

Os cálculos biliares formam-se na vesícula biliar. A obstrução do trato biliar por um cálculo pode levar a sintomas.

Imagem por Lecturio.

Mnemónica

Fatores de risco para os cálculos de colesterol: 4 Fs

  1. Fat (gordura, excesso de peso)
  2. Female (sexo feminino)
  3. Forties (idade > 40 anos)
  4. Fertile (fertilidade, idade reprodutiva)

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Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • Cálculos de colesterol (sobrepõem-se 3 mecanismos):
    • Superssaturação de colesterol da bile
      • Hiperssecreção de colesterol (80% de origem alimentar)
      • Concentração diminuída de fosfolipídos e sais biliares (que solubilizam o colesterol) → precipitação do colesterol
    • Hipomotilidade da vesícula biliar (estase)
      • Associado a certas condições: diabetes, gravidez, nutrição parentérica
      • Os microcristais de colesterol não são eliminados de forma eficaz → lama da vesícula biliar
    • Nucleação
      • A mucina (secretada pelo epitélio biliar) promove a cristalização do colesterol na lama.
      • Os cálculos biliares formam-se e crescem, ainda mais promovidos pela estase da vesícula biliar.
  • Cálculos de pigmento preto:
    • Superprodução de bilirrubina (a hemólise aumenta a bilirrubina não conjugada)
    • Diminuição do ciclo hepático da bilirrubina (cirrose)
  • Cálculos de pigmento misto/castanho:
    • Relacionado com infeções (bacteriana ou infestação parasitária, por exemplo, clonorquíase)
    • Formam-se frequentemente nos ductos biliares
    • Enzimas líticas de bactérias/parasitas hidrolisam a lecitina biliar → ácidos gordos, que se ligam ao cálcio
    • Sais de cálcio + bilirrubina + colesterol → cálculos castanhos
  • Patologia variante: vesícula biliar de “porcelana”
    • Não é um cálculo biliar, mas frequentemente encontrada em conjunto com cálculos biliares
    • Calcificações na parede da vesícula biliar, com um mecanismo que parece ser o mesmo dos cálculos biliares
    • Aumento do risco de cancro da vesícula biliar
Colelitíase

Mecanismos sobrepostos que produzem cálculos biliares: superssaturação de colesterol, hipomotilidade da vesícula biliar e nucleação acelerada

Imagem por Lecturio.

Apresentação clínica

  • Assintomática (80%): Os cálculos biliares são encontrados incidentalmente em exames de imagem.
  • Cólica biliar:
    • O cálculo biliar move-se e obstrui transitoriamente o ducto cístico.
    • Dor constante e em moedeira no quadrante superior direito (QSD):
      • Duração < 6 horas
      • Pós-prandial ou noturna
      • Pode irradiar para o epigastro, ombro direito e costas
    • Náuseas, vómitos
    • Sem sinais peritoneais

Diagnóstico

  • História clínica:
    • Dor no QSD
      • Pós-prandial
      • Noturna
    • Náuseas, vómitos, distensão abdominal, saciedade precoce
    • Fatores de risco
  • Exame objetivo:
    • Pode não ter achados significativos
    • Sensibilidade leve do quadrante superior direito, sem sinais peritoneais
  • Estudos laboratoriais: hemograma completo e testes de função hepática (LFTs, pela sigla em inglês) geralmente estão normais.
  • Imagiologia:
    • Ecografia QSD
      • Primeiro teste a ser realizado para a dor no QSD
      • 95% de especificidade para detetar cálculos
      • Mostra cálculos biliares com sombra acústica posterior, possível lama
    • Ecoendoscopia
      • Se a ecografia regular for ambígua ou se houver suspeita de cálculo concomitante no ducto biliar comum (DBC)
      • Pode detetar pedras muito pequenas
    • Colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM)
      • Se a ecografia é ambígua
      • Se também houver suspeita de cálculo no DBC

Tratamento

Tratamento médico

  • Terapêutica de prevenção (para prevenir sintomas e mais formação de cálculos):
    • Modificação da dieta (↓ ingestão de gordura saturada; ↑ ácidos gordos insaturados, proteína vegetal, vitamina C)
    • Perda de peso
    • Atividade física
  • Tratamento médico:
    • Gerir com expectativa; encaminhamento cirúrgico quando se desenvolvem sintomas
    • Litólise oral com ácidos biliares (ácido ursodesoxicólico); a eficácia é limitada, precisa de um longo período de tempo (> 6 meses)
    • Anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), anti-espasmódicos, medicamentos anti-náusea (alívio dos sintomas)

Tratamento cirúrgico

  • Colecistectomia:
    • Tratamento definitivo, quando indicado
    • A laparoscopia é o gold standard
    • Cirurgia aberta para casos difíceis e contraindicações à laparoscopia
  • Indicações gerais para cirurgia:
    • Pacientes sintomáticos (cólica biliar)
    • Pacientes assintomáticos com risco de cancro da vesícula biliar
      • Vesícula biliar de porcelana
      • Cálculos biliares > 3 cm
      • Adenomas da vesícula biliar
      • Drenagem ductal pancreática anómala
    • Pacientes assintomáticos com distúrbios hemolíticos
    • Os seguintes pacientes assintomáticos podem beneficiar da cirurgia:
      • Pacientes diabéticos devido ao alto risco de complicações
      • Pacientes submetidos a cirurgia bariátrica para perda de peso
  • Complicações/riscos da cirurgia:
    • Lesão do DBC
    • Fuga de conteúdo biliar
    • Lesão de órgãos adjacentes
    • Infeção/abcesso
    • Síndrome pós-colecistectomia (inchaço, dispepsia)

Complicações

Condição Patologia Apresentação clínica Exames laboratoriais Diagnóstico por imagem Tratamento
Colecistite Obstrução do ducto cístico com inflamação Dor constante no quadrante superior direito (> 6 horas), sinal de Murphy ↑ leucócitos Ecografia Colecistectomia urgente
Coledocolitíase Cálculo biliar no DBC a causar obstrução
  • Primária: formado no ducto biliar
  • Secundária: migração de cálculos biliares
Dor em cólica pós-prandial no quadrante superior direito > 6 horas; outros: icterícia, fezes acólicas, urina escura, prurido ↑ Bilirrubina, FA Ecografia, CPRM CPRE para remoção de cálculos → colecistectomia para prevenir recorrência
Colangite aguda Coledocolitíase com infeção; com sépsis biliar ( E. coli, Klebsiella, Pseudomonas, Enterococcus )
  • Tríade de Charcot: dor QSD + febre + icterícia
  • Pentade de Reynold: tríade de Charcot + choque/hipotensão + estado mental alterado
↑ leucócitos, ↑ bilirrubina, FA Ecografia, CPRM CPRE → colecistectomia emergente
Pancreatite por cálculos biliares Pequenos cálculos que obstruem transitoriamente o ducto pancreático Dor epigástrica, náuseas/vómitos ↑ leucócitos, ↑ amilase/lipase, ↑ bilirrubina, FA CPRM/Tomografia computorizada Colecistectomia tardia
Íleo biliar Cálculo grande (> 2,5 cm) que passa para o intestino delgado através de uma fístula colecistoduodenal → obstrução Obstrução do intestino delgado (dor abdominal difusa, náuseas/vómitos) ↑ leucócitos Tomografia computorizada Cirurgia para extrair o cálculo (colecistectomia não realizada no mesmo momento)
FA: fosfatase alcalina, DBC: ducto biliar comum, TC: tomografia computorizada, CPRE: colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, CPRM: colangiopancreatografia por ressonância magnética, QSD: quadrante superior direito

Diagnóstico Diferencial

  • Úlcera péptica: ulceração da mucosa gástrica ou duodenal. Apresenta-se com dor epigástrica e náuseas/vómitos. A dor às vezes é aliviada com a alimentação, ao contrário da cólica biliar. Pode estar associada a hematemeses/melenas. O diagnóstico é feito por endoscopia digestiva alta.
  • Gastroenterite: infeção viral aguda do trato gastrointestinal. Apresenta-se comummente com dor abdominal difusa, náuseas/vómitos e diarreia. A doença geralmente é autolimitada e resolve-se com tratamento de suporte.
  • Apendicite aguda: uma infeção do apêndice. Apresenta-se com dor no quadrante inferior direito (QID). Associada frequentemente a peritonite local (sensibilidade e defesa no QID). Em alguns casos (gravidez, apêndice retrocecal), a apendicite também pode apresentar dor no quadrante superior direito.
  • Pancreatite: inflamação do pâncreas. Pode apresentar-se com dor epigástrica/QSD severa de início súbito que é tipicamente aguda, irradia para as costas, e é aliviada com a inclinação para a frente. Mais comummente associada a cálculos biliares ou abuso de álcool.
  • Nefrolitíase: também conhecida como cálculos nos rins. Apresenta-se com um início súbito de dor intensa no flanco direito ou esquerdo. A dor é de natureza cólica e está associada a sintomas urinários, como hematúria/disúria. A imagem mostra cálculos no trato urinário.

Referências

  1. Carey M C (1992). Pathogenesis of gallstones. Retrieved 14 Nov 2020 from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1529152/#
  2. Marschall H.U., Einarsson C. (2007). Gallstone disease. Retrieved 14 Nov 2020 from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2796.2007.01783
  3. Zakko, S. (2020). Overview of gallstone disease in adults. In Chopra, S. and Grover, S. (Eds). UpToDate. Retrieved 14 Nov 2020 from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-gallstone-disease-in-adults?search=Cholelithiasis&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1#H58360586

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