Colecistite

A colecistite é a inflamação da vesícula biliar (VB) geralmente causada pela obstrução do ducto cístico (colecistite aguda). A irritação mecânica por cálculos biliares também pode produzir inflamação crónica da VB. A colecistite é uma das complicações mais comuns da colelitíase (colecistite calculosa), mas a inflamação sem cálculos biliares (colecistite acalculosa) pode ocorrer numa minoria de pacientes. Na forma aguda, o paciente geralmente apresenta-se com dor no quadrante superior direito (QSD), febre e leucocitose. O diagnóstico é clínico e confirmado por ecografia. O tratamento definitivo é a colecistectomia, preferencialmente realizada até às 72 horas. Esta condição pode apresentar-se como uma doença ligeira ou como uma doença grave (com complicações como gangrena da VB, perfuração, empiema) que requerem intervenção emergente.

Última atualização: Oct 1, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A colecistite é a inflamação da vesícula biliar (VB).
Etiologias:

  • Colecistite calculosa: inflamação da VB como complicação de cálculos biliares ou de colelitíase
    • Aguda: obstrução do ducto cístico/inflamação da VB de início súbito, associado a dor intensa
    • Crónica: inflamação crónica e fibrose da VB, associada a:
      • Menor intensidade de dor
      • Irritação mecânica por cálculos biliares
      • Crises recorrentes de colecistite aguda
  • Colecistite acalculosa: inflamação devido à estase e isquemia da VB
    • Os cálculos biliares estão ausentes.
    • Geralmente em pacientes criticamente doentes e/ou imunocomprometidos

Epidemiologia

  • Mulheres > homens
  • Pico de incidência: 40–50 anos
  • Desenvolve-se em 6%–11% dos pacientes com cálculos biliares sintomáticos
  • Fatores de risco:
    • Gravidez ou terapêutica hormonal
    • Idade avançada
    • Americano nativo ou hispânico
    • Obesidade; ganho/perda de peso rápido
    • Diabetes

Etiologia e fisiopatologia

  • Etiologia: mais comumente devido a cálculos biliares obstrutivos na VB, causando sintomas
  • Fisiopatologia:
    • O cálculo biliar migra para o ducto cístico → obstrução
    • A obstrução leva à distensão e inflamação da vesícula biliar.
    • Outros fatores que contribuem para a inflamação da VB:
      • Prostaglandinas (↑ contração VB)
      • Lisolecitina, um mediador inflamatório que normalmente está ausente, mas é produzido em casos de trauma da parede da VB
      • Pode ou não estar associado a infeção bacteriana (Escherichia coli, Enterococcus, Klebsiella, Enterobacter)
Anatomia da árvore biliar

Anatomia da árvore biliar: vesícula biliar em relação a outros órgãos

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

História clínica

  • Dor no quadrante superior direito (QSD)
    • Prolongada (> 6 horas)
    • Depois de uma refeição gordurosa
    • Irradiação para a omoplata direita (sinal de Boas)
  • Febre
  • Anorexia, náuseas, vómitos
Zona de pressão típica na colelitíase

O sinal de Boas é a hiperestesia abaixo da escápula direita (observada na colecistite aguda).

Imagem por Lecturio.

Exame objetivo

  • Sinal de Murphy positivo:
    • O examinador palpa a área da VB enquanto o paciente inspira profundamente.
    • A VB inflamada desce e entra em contacto com a mão do examinador, causando dor/desconforto e paragem abrupta da respiração.
  • Defesa abdominal: inflamação peritoneal local
Sinal de murphy

Sinal de Murphy: o examinador coloca a mão na área da vesícula biliar (área subcostal direita). O paciente é instruído a respirar fundo. Na inspiração, a vesícula biliar inflamada desce, entrando em contato com a mão do examinador e causando dor.

Imagem por Lecturio.

Diagnóstico

  • Exame objetivo:
    • Dor à palpação no QSD/área epigástrica
    • Sinal de Murphy presente
    • Febre, taquicardia
  • Exames laboratoriais:
    • Testes de função hepática:
      • Elevação de bilirrubina e fosfatase alcalina (mas pode ser normal em casos não complicados)
      • Elevação ligeira de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST)
    • Hemograma: leucocitose (com desvio à esquerda)
  • Imagiologia:
    • Ecografia abdominal: exame de eleição
      • VB com espessamento da parede > 4 mm
      • Edema da parede da VB (sinal de parede dupla)
      • Sinal de Murphy ecográfico (desencadeado com pressão da sonda do ecógrafo no abdómen)
      • Líquido pericolecístico
      • Presença de cálculos biliares
    • Exame de ácido iminodiacético hepatobiliar (HIDA, pela sigla em inglês):
      • Realizado se resultado da ecografia duvidoso.
      • Injeção intravenosa de marcador radioativo que é excretado na bílis
      • Se o ducto cístico não estiver obstruído, o marcador será visto na vesícula biliar.
      • Anormal se a vesícula biliar não for visualizada dentro de 30 a 60 minutos
    • Tomografia computorizada (TC):
      • Não é um teste de primeira linha para suspeita de colecistite, pois a maioria dos cálculos biliares não são visualizados na TC
      • Mostrará inflamação da VB
      • Usado se o paciente apresentar peritonite, obstrução intestinal ou sépsis
    • Colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM): utilizada se houver suspeita de coledocolitíase

Tratamento

Considerações gerais

  • Terapêutica de suporte:
    • Analgesia: anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) (preferencialmente), opioides
    • Hidratação com fluidos intravenosos + correção eletrolítica
    • Antieméticos
  • Antibióticos intravenosos:
    • Terapêutica adjuvante
    • Pode ser usado como tratamento primário se a cirurgia for contraindicada (em pacientes de alto risco)
    • Regime de agente único:
      • Infeção abdominal de baixo risco: piperacilina-tazobactam ou ertapenem
      • Infeção abdominal de alto risco: imipenem, meropenem, piperacilina-tazobactam
    • Regime de terapêutica dupla:
      • Infeção abdominal de baixo risco: cefazolina/ceftriaxona/ciprofloxacina/levofloxacina + metronidazol
      • Infeção abdominal de alto risco: cefepima/ceftazidima + metronidazol

Tratamento cirúrgico

  • Colecistectomia:
    • Tratamento definitivo
    • Abordagem:
      • A laparoscopia é o procedimento standard (menor risco de infeção, menor tempo de internamento).
      • Cirurgia aberta – laparotomia: reservada para casos complicados
    • Tempo:
      • Cirurgia realizada precocemente (dentro de 72 horas após apresentação): melhores resultados
      • Cirurgia de emergência: pode ser necessária para vesícula biliar enfisematosa, perfuração/gangrena da vesícula biliar, peritonite generalizada
    • Complicações da cirurgia:
      • Lesão do ducto biliar
      • Vazamento biliar
      • Lesões em estruturas próximas
      • Síndrome pós-colecistectomia
  • Colecistostomia percutânea:
    • A VB é drenada/descomprimida com um tubo colocado percutaneamente sob orientação radiológica.
    • Para pacientes com:
      • Contraindicações para cirurgia
      • Colecistite que não resolve com antibióticos/tratamento de suporte
      • Colecistite acalculosa (especialmente os gravemente doentes)
  • Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) antes da cirurgia se a ecografis mostrou a existência de cálculos no ducto biliar comum.

Complicações

  • Colecistite gangrenosa
    • Complicação mais comum
    • A inflamação grave leva à necrose da parede da VB
    • Geralmente afeta pacientes com diabetes, pacientes idosos ou com diagnóstico tardio
  • Colecistite enfisematosa
    • Infeção por bactérias formadoras de gás (Clostridium)
    • Gás na parede da VB (pode manifestar-se como crepitação da parede abdominal ao exame físico)
    • Geralmente em pacientes diabéticos
  • Hidropsia
    • Também chamado mucocelo da VB
    • A VB encontra-se muito distendida, cheia de líquido mucoide incolor (bílis branca)
    • Impactação prolongada de um cálculo biliar no ducto cístico → absorção de bilirrubina na VB
  • Íleo biliar
    • A fístula forma-se entre a VB inflamada e o duodeno (fístula colecistoentérica).
    • O cálculo biliar viaja para o intestino delgado → obstrução do intestino delgado
    • Tríade de Rigler: pneumobilia (ar na árvore biliar), obstrução intestinal e cálculo biliar ectópico
  • Perfuração da vesícula biliar
    • 10% das colecistites agudas
    • Leva a um abcesso pericolecístico ou peritonite generalizada
  • Síndrome de Mirizzi
    • Compressão extrínseca do ducto hepático comum pelo cálculo alojado no ducto cístico
    • Apresenta-se com icterícia, febre e dor abdominal
    • Associado ao cancro de vesícula biliar

Diagnóstico Diferencial

Outras condições biliares/hepáticas

  • Cólica biliar: dor/náusea pós-prandial causada por uma obstrução breve e intermitente do ducto cístico. Associado a exames de sangue normais, cálculos biliares (sem sinais de inflamação) na ecografia.
  • Discinesia biliar: motilidade disfuncional da vesícula biliar (sem cálculos). O quadro clínico é semelhante à cólica biliar/colecistite. Diagnosticado pelo exame HIDA com injeção de colecistocinina (CCK, pela sigla em inglês), onde os resultados mostram baixa fração de ejeção da VB.
  • Coledocolitíase/colangite: cálculos biliares no ducto biliar comum causam obstrução (coledocolitíase), que pode levar à infeção (colangite). Esta condição apresenta aumento da bilirrubina (> 2.0) e da fosfatase alcalina, com elevação precoce das transaminases.
  • Pancreatite por cálculos biliares: a obstrução intermitente da junção do ducto biliar comum e do ducto pancreático por um cálculo biliar em migração leva à pancreatite. A investigação mostra elevação da amilase/lipase com inflamação pancreática na ecografia/TC.
  • Hepatite: inflamação do parênquima hepático devido a etiologia infeciosa ou outras causas. Geralmente associada a transaminases muito altas e bilirrubina elevada. A ecografia não mostraria nenhum cálculo biliar.

Condições não biliares

  • Úlcera péptica: ulceração da mucosa gástrica ou duodenal. Apresenta-se com dor epigástrica, náuseas/vómitos. Ao contrário da colecistite, a dor é geralmente aliviada pela alimentação. O diagnóstico é por endoscopia digestiva alta (EDA).
  • Gastroenterite aguda: infeção vírica, geralmente autolimitada, do trato gastrointestinal. As manifestações incluem dor abdominal, náuseas/vómitos e diarreia. Os sintomas desaparecem com tratamento de suporte.
  • Apendicite aguda: uma infeção/inflamação do apêndice. A apresentação habitual inclui náuseas/vómitos, anorexia com dor no quadrante inferior direito (QID). Em certos casos (gravidez, posição retrocecal do apêndice), também pode apresentar dor no quadrante superior direito.
  • Pancreatite: inflamação do pâncreas. A dor epigástrica/QSD é de início súbito e tipicamente aguda, irradiando para as costas, aliviada com a inclinação para a frente. As etiologias consistem em cálculos biliares e consumo de álcool elevado.
  • Nefrolitíase: também conhecida como cálculos renais. Apresenta-se com início súbito de dor intensa no flanco direito ou esquerdo. A dor é de natureza cólica e associada a sintomas urinários (disúria, hematúria). O diagnóstico é feito por tomografia computadorizada sem contraste (às vezes, radiografia simples), que mostra cálculos no trato urinário.

Referências

  1. Steel, P. (2017) What are the risk factors for biliary colic and cholecystitis? In Brenner, B. Medscape. Retrieved 12 Nov 2020, from https://www.medscape.com/answers/1950020-67786/what-are-risk-factors-for-biliary-colic-and-cholecystitis
  2. Vollmer, C., Zakko, S., Afdhal, N. (2019) Treatment of acute calculous cholecystitis. In Ashley, S., Chen, W. (Eds.) UpToDate. Retrieved 11 Nov 2020, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-acute-calculous-cholecystitis
  3. Zakko, S. (2018). Acute calculous cholecystitis: Clinical features and diagnosis. In Chopra, S and Grover, S (Eds). UpToDate. Retrieved 11 Nov 2020, from https://www.uptodate.com/contents/acute-calculous-cholecystitis-clinical-features-and-diagnosis

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