Carcinoma Anal

O carcinoma anal é responsável por 2,7% de todos os tumores do trato gastrointestinal. O carcinoma de células escamosas é o tipo mais comum de carcinoma anal. O doente pode apresentar hemorragia retal (mais comum), alteração dos hábitos intestinais, massa pruriginosa perianal ou ulceração dolorosa perianal. O diagnóstico é confirmado por biópsia. O estadiamento é feito através de estudos imagiológicos. Dependendo do estadio, as opções de tratamento incluem quimiorradioterapia e/ou cirurgia. Se tratado precocemente, o carcinoma anal tem um prognóstico favorável.

Última atualização: Jul 4, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Os carcinomas anais são tumores que surgem no canal anal ou na margem anal.

Anatomia:

  • Canal anal:
    • 2,5–3,5 cm de comprimento
    • Do sling puborretal (1-2 cm acima da linha pectínea) até a junção mucocutânea (onde começa a pele perianal)
  • Margem anal (bordo):
    • Onde o canal anal se conecta à pele
    • Pele na margem anal: pele perianal

Histologia:

  • Tipos de mucosa (da área proximal à distal):
    • Glandular
    • Transitória
    • Escamosa não queratinizada (desprovida de apêndices epidérmicos; acima da linha pectínea)
    • Escamosa queratinizante: no canal anal abaixo da linha pectínea e na pele perianal
  • Linha pectínea: área de transição da mucosa glandular para escamosa
  • Significado clínico:
    • Tumores originados da área glandular: adenocarcinoma
    • Tumores da mucosa de transição e escamosa: carcinoma de células escamosas (SCC, pela sigla em inglês)
    • Tumores que surgem da área escamosa queratinizada e da pele: carcinoma da pele perianal, muitas vezes SCC (mesma abordagem de tratamento que os carcinomas do canal anal)
Esquema do reto e do canal anal

Anatomia do canal anal

Imagem por Lecturio.

Epidemiologia

  • 2,7% de todos os carcinomas do trato digestivo
  • Incidência: 8.500 casos por ano nos Estados Unidos
  • Incidência crescente em homens jovens negros e mulheres mais velhas (> 60 anos)
  • Mais comum em mulheres

Etiologia

Fatores de risco para carcinoma anal:

  • Idade avançada: >50 anos
  • Múltiplos parceiros sexuais
  • Relações anais recetivas
  • História de carcinoma vulvar, vaginal ou cervical em mulheres
  • Papilomavírus humano (HPV): infeção subclínica ou condilomas
  • Infeção pelo vírus herpes simples (HSV)
  • Clamídia em mulheres
  • Gonorreia em homens
  • Infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH)
  • Imunossupressão (doença ou medicamentos)
  • Tabagismo

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Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • Carcinogénese do SCC anal:
    • A resposta inflamatória do epitélio anal desenvolve-se mais comummente como resposta à infeção pelo HPV.
    • A inflamação progride para o desenvolvimento de neoplasia intraepitelial anal (AIN. pela sigla em inglês):
      • AIN 1: corresponde a lesão epitelial escamosa de baixo grau (LSIL, pela sigla em inglês)
      • AIN 2 e 3: SIL de alto grau (HSIL, pela sigla em inglês); pré-maligno
      • HSIL pode progredir para SCC invasivo.
  • A progressão para carcinoma invasivo é promovida pela presença de HIV/imunossupressão e outros fatores de risco (vários tipos de HPV, comportamento sexual de alto risco).

Tipos histológicos

  • Canal anal: localizado acima do bordo anal
    • SCC (carcinoma de células escamosas):
      • Tumor mais comum do canal anal (75%)
      • SCC não queratinizado: acima da linha pectínea
      • SCC queratinizado: abaixo da linha pectínea
    • Adenocarcinoma:
      • Raro
      • Origina-se de elementos glandulares no canal anal
      • História natural e tratamento semelhante aos adenocarcinomas retais
    • Melanoma da mucosa:
      • É o 3.º local mais comum para melanoma maligno primário depois da pele e dos olhos
      • Surge a partir de melanócitos encontrados na zona de transição do canal anal
      • Agressivo: metástases à distância comuns no momento do diagnóstico
  • Margem anal: abaixo da margem anal (carcinoma da pele perianal)
    • Carcinoma de células escamosas
    • Doença de Bowen: SCC in situ (pré-maligna)
    • Doença de Paget do ânus (adenocarcinoma intraepitelial):
      • Primário: morfologia das glândulas sudoríparas
      • Secundário: extensão do adenocarcinoma do reto ou das glândulas perianais
    • Melanoma maligno da margem anal: semelhante a outros melanomas cutâneos

Drenagem linfática do carcinoma anal

  • Acima da linha pectínea: gânglios mesorretais e ilíacos internos
  • Abaixo da linha pectínea: gânglios inguinais
Squamous cell carcinoma of the anal canal
Carcinoma de células escamosas do canal anal: biópsia aspirativa por agulha fina ecoendoscópica revela um carcinoma de células escamosas pouco diferenciadas do canal anal. São visíveis células periféricas com núcleos em paliçada. (coloração de H&E, 40x)
Imagem: “f4-cmo-2009-059” de Leblanc J, Kongkam P. Licença: CC BY 3.0

Apresentação clínica

  • Assintomático (25%)
  • Hemorragia retal (apresentação inicial mais comum)
  • Uma massa em torno do ânus que pode invadir tecidos mais profundos
  • Ulceração perianal e prurido
  • Sensibilidade na região anal
  • Incontinência fecal/flatulência
  • Obstipação
  • Hemorróides trombosadas (uma possível manifestação de melanoma anal)

Diagnóstico e Estadiamento

Achados clínicos

  • História clínica:
    • Apresentação clínica típica
    • História de doenças sexualmente transmissíveis e outros fatores de risco
  • Exame objetivo:
    • Tumores grandes ou tumores da margem anal podem ser visualizados diretamente.
    • Toque retal: pode sentir-se um nódulo duro, imóvel e indolor
    • Anuscopia: pode realizar-se biópsia se for vista uma massa
    • Linfadenopatia inguinal
    • O exame ginecológico deve ser realizado em mulheres (para procurar lesões genitais/condilomas concomitantes).

Métodos complementares de diagnóstico

  • Biópsia:
    • Diagnóstico definitivo
    • A massa anal pode ser excisada se for pequena o suficiente ou se uma amostra puder ser obtida.
    • A aspiração por agulha fina (AAF) também pode fornecer diagnóstico tecidual.
  • Avaliação laboratorial:
    • O hemograma completo pode mostrar anemia.
    • O teste de HIV, HPV e HSV deve ser considerado a depender da história individual.
  • Imagem para diagnóstico e avaliação do estadiamento:
    • Fatores avaliados:
      • Tamanho do tumor
      • Invasão local
      • Envolvimento de gânglios linfáticos
      • Metástases à distância
    • Os seguintes são utilizados para determinar o estadio da doença:
      • Ecografia endoscópica
      • Tomografia computadorizada (TC)
      • Ressonância magnética (RMN)
      • PET

Estadiamento

Tabela: Estadiamento TNM do carcinoma anal
Tumor primário (T) Nódulos linfáticos(N) Metástases à distância (M)
Tx: tumor primário não avaliado Nx: nódulos regionais não podem ser avaliados M0: sem metástases à distância
T0: sem evidência de tumor primário N0: sem metastização em nódulos regionais M1: metástases à distância
Tis: lesão intraepitelial escamosa de alto grau N1: metástases em gânglios inguinais, mesorretais, ilíacos internos ou ilíacos externos
  • N1a: metástases em gânglios inguinais, mesorretais ou ilíacos internos
  • N1b: metástases em gânglios ilíacos externos
  • N1c: metástases em gânglios externos com qualquer nódulo N1a
T1: tumor ≤2 cm
T2: tumor >2 cm, mas ≤5 cm
T3: tumor >5 cm
T4: tumor de qualquer tamanho que invade órgãos adjacentes, como a vagina, uretra ou bexiga
Fonte: American Joint Commitee on Cancer (AJCC), 8ª edição
Tabela: Estadios do carcinoma anal
Estadio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0
IIA T2 N0 M0
IIB T3 N0 M0
IIIA T1–2 N1 M0
IIIB T4 N0 M0
IIIC T3–4 N1 M0
IV Qualquer T Qualquer N M1

Tratamento

Tratamento do SCC

  • Localizado (estadio I III):
    • Quimiorradioterapia:
      • Preferida; proporciona cura e preserva o esfíncter anal
      • Fluorouracil + mitomicina + radioterapia
    • Excisão local:
      • Para tumores superficiais pequenos (< 1 cm)
      • < 3 mm de invasão da membrana basal
      • < 7 mm de extensão horizontal
    • Linfadenectomia inguinal:
      • Para doença ganglionar inguinal persistente/recorrente após quimiorradioterapia
      • Deve ser considerada radiação adicional para a região inguinal
  • Estadio IV (doenças metastáticas):
    • Quimioterapia sistémica
    • Imunoterapia (pembrolizumab, nivolumab)
    • A resseção hepática pode desempenhar um papel em doentes com metástases hepáticas localizadas.
  • Doença recorrente/persistente após quimiorradioterapia:
    • Necessita de ser confirmada com biópsia
    • Cirurgia (ressecção abdominoperineal (APR, pela sigla em inglês)): os doentes acabam com uma colostomia permanente.
    • A quimiorradioterapia de resgate pode ser considerada para evitar a colostomia.
  • Vigilância:
    • Toque retal, anuscopia e palpação de gânglios inguinais:
      • Iniciar dentro de 8–12 semanas após a terapêutica
      • A cada 3 – 6 meses durante 5 anos
      • Pode levar até 26 semanas após o tratamento para ocorrer uma resposta completa.
    • TC ou RMN de tórax/abdómen/pelve: considerar realizar anualmente durante 3 anos.

Tratamento de outros tipos de tumores

  • Adenocarcinoma:
    • Abordagem semelhante aos adenocarcinomas retais
    • APR ou excisão local para tumores pequenos/iniciais
    • Quimioterapia sistémica para doença metastática
  • Melanoma:
    • Excisão local com radiação adjuvante
    • APR para doença mais avançada
    • Quimioterapia sistémica para doença metastática

Prognóstico e Complicações

Prognóstico

  • Sobrevida aos 5 anos do SCC:
    • T1: 86%
    • T2: 86%
    • T3: 60%
    • T4: 45%
    • N0: 76%
    • Gânglios positivos: 54%
    • Para todos os estadios com resposta completa à quimioterapia/radiação (70–80% dos doentes): 65%
  • Sobrevida aos 5 anos do adenocarcinoma: 55% quando tratado cirurgicamente, sem metástases à distância
  • Sobrevida aos 5 anos do melanoma:
    • Doença local: 43%
    • Disseminação para gânglios regionais: 12,5%

Complicações

  • Geralmente relacionadas com o tratamento
  • Quimioterapia:
    • Disfunção intestinal
    • Náuseas/vómitos
  • Radiação:
    • Proctite rádica (dor, hemorragia retal, diarreia)
    • Disfunção sexual (homens e mulheres)
  • Cirurgia:
    • Estenoses
    • Fístulas perianais
  • Infeções de feridas

Diagnóstico Diferencial

  • Cancróide: é uma infecção bacteriana que causa feridas abertas em torno dos genitais. Causada por Haemophilus ducreyi. O cancróide é uma doença sexualmente transmissível que também pode transmitir-se através do contacto pele a pele com uma pessoa infetada.
  • Fissura anal ou fístula: uma fissura é um pequeno rasgão na mucosa anal. O sintoma de apresentação mais comum é a dor anal. Uma fístula é uma conexão anormal entre a mucosa anal/retal e a pele perianal. A doença é geralmente consequência de infeção recorrente/crónica e uma das manifestações da doença de Crohn.
  • Hemorroidas: são veias ingurgitadas/varicosas do canal anal e reto inferior. Pode apresentar-se como uma massa anal azulada. As hemorroidas podem ser dolorosas (se se originarem abaixo da linha pectínea) ou indolores (acima da linha pectínea).
  • Condiloma acuminado: também referidas como verrugas anogenitais; causado pela infeção por HPV. Geralmente apresentam-se como lesões carnudas, macias e da cor da pele em torno do ânus e genitais.
  • Psoríase: apresenta-se geralmente como lesões pruriginosas vermelhas ou roxas, tipicamente não descamativas. Pode ser confundida com infeção parasitária ou fúngica. Pode também causar hemorragia retal e dor com a defecação.

Referências

  1. Babiker, H.M, Kashyap S, Mehta S.R. et al. (2020). Anal Cancer. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441891/
  2. Parra R.S., Ribeiro de Almeida A.L, Badiale, G.B. et al. (2010). Melanoma of the anal canal. Retrieved November 18 2020, from DOI: 10.1590/s1807-59322010001000026
  3. Ryan D.P., Willett C.G. (2020). Classification and epidemiology of anal cancer. Retrieved 21 November 2020, from https://www.uptodate.com/contents/classification-and-epidemiology-of-anal-cancer?search=anal%20cancer&source=search_result&selectedTitle=3~124&usage_type=default&display_rank=3
  4. Ryan D.P., Willett C.G. (2020). Treatment of anal cancer. Retrieved 21 November 2020, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-anal-cancer?search=anal%20cancer&source=search_result&selectedTitle=1~124&usage_type=default&display_rank=1
  5. Ryan D.P., Willett C.G. (2020). Clinical features and staging of anal cancer. Retrieved 21 November 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-features-and-staging-of-anal-cancer?search=anal%20cancer&source=search_result&selectedTitle=2~124&usage_type=default&display_rank=2
  6. Wegner R.E., White R.J, Hasan S. et al. (2019). Anal Adenocarcinoma: Treatment outcomes and trends in a rare disease entity. onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/cam4.2076

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