Brucella/Brucelose

A brucelose (também conhecida como febre ondulante, febre mediterrânica ou febre de Malta) é uma infeção zoonótica que se transmite predominantemente através da ingestão de produtos lácteos não pasteurizados ou do contacto direto com produtos animais infetados. As manifestações clínicas incluem febre, artralgias, mal-estar, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia. O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, história de exposição, serologia e cultura. O tratamento envolve uma combinação de antibióticos, incluindo a doxiciclina, rifampicina e aminoglicosídeos. As medidas preventivas incluem a evição de produtos lácteos não pasteurizados, vacinação do gado e ter cuidado junto de animais.

Última atualização: Jun 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais de Brucella

Características gerais

  • Cocobacilos gram-negativos
  • Intracelular facultativo
  • Aeróbio
  • Requer dióxido de carbono (CO2)
  • Não-móvel
  • Não encapsulado
  • Não forma esporos
  • Oxidase e urease positivas
  • Requer meios enriquecidos para o crescimento em culturas (meio de Thayer-Martin)
    • Aumenta o crescimento em meio com sangue ou plasma
    • Temperatura ótima: 35-37°C (95-98,6°F)
Brucella spp

Brucelas são cocobacilos gram-negativos que coram mal. São observados, na sua maioria, como pequenas células individuais que parecem “areia fina”.

Imagem: “Brucella spp” por CDC. Licença: Public Domain

Espécies clinicamente relevantes

  • B. melitensis
  • B. abortus
  • B. suis
  • B. canis

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Epidemiologia e Fatores de Risco

Epidemiologia

  • É a infeção zoonótica mais comum em todo o mundo e um problema de saúde pública significativo em muitos países em desenvolvimento:
    • Áreas endémicas:
      • Mediterrâneo
      • Médio Oriente
      • Ásia Central
      • China
      • México
      • América Central e do Sul
    • Raro nos Estados Unidos, visto maioritariamente:
      • Califórnia
      • Flórida
      • Texas
      • Virgínia
  • Prevalência:
    • Em todo o mundo: aproximadamente 500.000 casos por ano
    • Estados Unidos: 100-200 casos anualmente
    • Tem aumento devido ao turismo internacional e migração
  • Afeta todas as faixas etárias

Profissões de alto risco

  • Veterinários
  • Produtores de leite
  • Pastores
  • Trabalhadores de matadouros
  • Profissões com trabalho em laboratório

Patogénese

Reservatórios

  • Ovinos, caprinos, camelos → B. melitensis
  • Gado → B. abortus
  • Suino → B. suis
  • Cães → B. canis

Transmissão

  • Ingestão de produtos animais não pasteurizados (a via de transmissão mais comum)
  • Contacto da pele com mucosas de tecidos ou fluidos animais infetados
  • Inalação de partículas aerossolizadas (mais comum em trabalhadores de laboratórios)
  • Raramente, transmissão de humano para humano

Fatores de virulência

  • Lipopolissacarídeo (LPS)
    • Inibe:
      • Fusão pelos fagócitos e destruição pelos lisossomas → permite a sobrevivência intracelular
      • Deposição do complemento
    • “Não-clássico”
      • Menor toxicidade do que outras espécies de bactérias
      • Indutor fraco do sistema imunitário
  • Superóxido dismutase e catalase: fornece defesa contra a rutura oxidativa → permite a sobrevivência intracelular
  • Sistema de secreção tipo IV
    • Complexo multiproteico
    • Permite que Brucella alcance e se replique no retículo endoplasmático da célula.

Fisiopatologia

  • As bactérias deslocam-se através do epitélio da mucosa.
  • São fagocitadas por macrófagos
    • Aproximadamente 10% das bactérias sobrevivem.
    • A replicação ocorre no retículo endoplasmático.
  • Transportadas para o sistema linfático → disseminação por todo o corpo
  • As hemolisinas permitem a libertação das bactérias do interior do macrófago → apoptose celular → desencadeia uma resposta imunitária
  • Os antigénios são apresentados aos linfócitos T → produção de citocinas
    • Ativação de macrófagos → ↑ efeito bactericida
    • Atração de células imunitárias → formação de granuloma
  • Os anticorpos e as células “natural killer” desempenham um papel menor na resposta imunológica.
Patogénese da brucelose

Patogénese da brucelose devido à Brucella

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Sinais e sintomas gerais

  • O período médio de incubação é de 2-4 semanas.
  • Sintomas:
    • “Febre ondulante”
      • Vem “em ondas”
      • A apresentação pode variar
      • Persiste durante 1-5 semanas
    • Suores noturnos: associados a um odor forte a mofo.
    • Mal-estar
    • Atralgias
    • Cefaleias
    • Anorexia
    • Perda ponderal
    • Os sintomas podem desaparecer e regressar após semanas a meses.
  • Exame físico (inespecífico):
    • Hepatomegalia
    • Esplenomegalia
    • Linfadenopatia dolorosa

Complicações

  • Osteoarticulares (70% dos pacientes):
    • Artrite
    • Sacroileíte
    • Espondilite
    • Osteomielite
  • Genitourinárias:
    • Orquite
    • Epididimite
    • Cistite
    • Nefrite intersticial e glomerulonefrite
    • ↑ Risco de aborto espontâneo na gravidez
  • Neurobrucelose:
    • Meningite
    • Encefalite
    • Nevrite
    • Abcesso cerebral
  • Cardiovasculares:
    • Endocardite (a principal causa de morte)
    • Miocardite
    • Pericardite
  • Pulmonares:
    • Bronquite
    • Pneumonite intersticial
    • Pneumonia
    • Derrame pleural
  • Abdominais:
    • Colecistite
    • Abcesso hepático
    • Abcesso esplénico
    • Pancreatite
    • Ileíte e colite
  • Ocular: uveíte
  • Cutânea: erupção cutânea (com apresentação variável)

A recidiva pode ocorrer em 4%–24% dos pacientes, geralmente no primeiro ano.

Diagnóstico

Algoritmo de diagnóstico

Algoritmo de diagnóstico de brucelose

Como este diagrama ilustra, os testes que fornecem um diagnóstico definitivo geralmente requerem algum tempo. Enquanto se espera pelos resultados dos testes definitivos, podem usar-se outros testes para obter um diagnóstico presuntivo.
LCR: líquido cefalorraquidiano
PCR: reacção em cadeia da polimerase

Imagem por Lecturio.

Testes de diagnóstico

  • Cultura
    • Definitivo
    • São geralmente obtidas hemoculturas em todos os pacientes.
    • A cultura de medula óssea é considerada o exame de eleição – “gold standard” (é o teste mais sensível).
    • Requer técnicas especiais de cultura
  • Teste de aglutinação de plasma
    • Doseia anticorpos contra um antigénio de Brucella (lipopolissacarídeo liso)
    • Titulação na evolução da doença (existe quadruplicação do título entre o plasma de doença aguda e o plasma convalescente, obtido ≥ com 2 semanas de intervalo)
      • Fornece um diagnóstico definitivo
      • O tempo necessário para obter resultados é uma limitação deste teste
    • Títulos positivos que fornecem um diagnóstico presuntivo:
      • > 1:160 fora de regiões endémicas
      • > 1:320 em regiões endémicas
    • Não pode ser usado para B. canis
  • Teste de imunoabsorção enzimática (ELISA, pela sigla em inglês)
    • Tem sensibilidade e especificidade comparáveis às do teste de aglutinação de plasma
    • Testes de pesquisa de imunoglobulinas contra proteínas citoplasmáticas
  • Teste de aglutinação Rosa Bengala
    • Pode ser usado como rastreio
    • Rápido
  • Reação em cadeia da polimerase (PCR)
    • Deteta DNA de Brucella
    • Pode fornecer um diagnóstico presuntivo

Investigação adicional

Os testes realizados são guiados pela apresentação clínica e pela preocupação com possíveis complicações.

  • Testes laboratoriais (inespecíficos)
    • Hemograma completo:
      • Anemia
      • Leucopenia com ↑ linfócitos
      • Trombocitopenia
    • ↑ Testes de função hepática
    • Líquido sinovial:
      • Pode ser testado em pacientes com artrite.
      • Contagem de leucócitos ≤ 15.000 células/µL
      • Na cultura aparecerá Brucella
    • LCR:
      • Pode ser testado em pacientes com envolvimento neurológico
      • Contagem de leucócitos de 10-200, com predominância de células mononucleares
      • ↑ Proteínas
      • Podem ser realizados testes de anticorpos ou de aglutinação.
    • Análise sumária de urina
      • ↑ contagem de leucócitos
      • A Brucella pode crescer em cultura.
  • Imagiologia
    • Radiografias
      • Artrite
      • Pneumonite intersticial, derrame pleural ou pneumonia
    • Tomografia computorizada (TC)
      • Abcesso
    • Ressonância magnética (RM)
      • Espondilite
      • Osteomielite
    • Ecocardiograma
      • Endocardite
      • Miocardite

Tratamento e Prevenção

Tratamento

  • Antibioterapia
    • Adultos: doxiciclina associada a um aminoglicosídeo ou rifampicina
    • Crianças < 8 anos: trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) associada a rifampicina
    • Neurobrucelose: ceftriaxona associada a rifampicina e doxiciclina durante 12 semanas
    • Endocardite: aminoglicosídeo associado a rifampicina e doxiciclina durante 12 semanas
  • 5%–15% dos pacientes recidivam.
    • Todos os pacientes devem ter um acompanhamento clínico rigoroso.
    • Os estudos serológicos devem ser repetidos durante 1 ano.
    • O tratamento das recidivas baseia-se na repetição da antibioterapia.
  • A imunidade dura apenas 2 anos após a doença.

Prevenção

  • A brucelose é uma doença de notificação obrigatória.
  • Profilaxia pós-exposição em pacientes de alto risco: doxiciclina associada a rifampicina
  • Evição de produtos lácteos não pasteurizados.
  • Usar luvas, batas e óculos de proteção ao manipular animais e carcaças.
  • Vacinação do gado (não administrar a humanos, porque levar a infeção)

Comparação de Cocobacilos Gram-negativos

Tabela: Comparação de cocobacilos gram-negativos semelhantes
Microorganismo Brucella Haemophilus Bordetella
Espécies clinicamente relevantes
  • B. melitensis
  • B. abortus
  • B. suis
  • B. canis
  • H. influenzae
  • H. ducreyi
  • B. pertussis
  • B. parapertussis
  • B. bronchiseptica
Características microbiológicas
  • Intracelular facultativo
  • Aeróbio
  • Requer CO2
  • Não-móvel
  • Não encapsulado
  • Não forma esporos
  • Aneróbio Facultativo
  • Não-móvel
  • Encapsulado e não encapsulado
  • Não forma esporos
  • Isolado em ágar de chocolate
  • Aeróbio obrigatório
  • Não-móvel
  • Encapsulado
  • Não forma esporos
Fatores de virulência
  • LPS
  • Superóxido dismutase e catalase
  • Protease IgA
  • Polissacarídeos capsulares
  • Cápsula
  • Beta-lactamase
  • FHA
  • Toxina pertussis
Reservatório
  • Animais de quinta
  • Cães
Humanos Humanos
Transmissão Contacto com produtos de origem animal
  • Gotículas respiratórias
  • Contacto sexual
Gotículas respiratórias
Apresentação clínica
  • Febre ondulante
  • Neurobrucelose
  • Endocardite
  • Meningite
  • Otite média
  • Epiglotite
  • Pneumonia
  • Cancróide
Tosse convulsa
Diagnóstico
  • Cultura
  • SAT
  • ELISA
Cultura
  • Cultura
  • PCR
Tratamento
  • Doxiciclina
  • Aminoglicosídeos
  • Rifampicina
  • Ceftriaxone
  • Amoxicilina
  • Azitromicina
  • Azitromicina
  • TMP-SMX

ELISA: Teste de imunoabsorção enzimática

FHA: hemaglutinina filamentosa (pela sigla em inglês)

IgA: imunoglobulina A

LPS: lipopolissacarídeo

PCR: reação em cadeia da polimerase

SAT: teste de aglutinação do plasma (pela sigla em inglês)

TMP-SMX: trimetoprim-sulfametoxazol (cotrimoxazol)

Diagnóstico Diferencial

  • Malária: uma infeção por Plasmodium. Os pacientes podem apresentar febre periódica semelhante à brucelose. Outros sintomas incluem calafrios, suores noturnos, diarreia, dores abdominais, convulsões, anemia hemolítica e esplenomegalia. O diagnóstico é confirmado pela visualização de Plasmodium no esfregaço periférico e pelo teste rápido de antigénios do Plasmodium. O tratamento com antimaláricos depende da espécie.
  • Tuberculose: uma infeção micobacteriana, que afeta mais frequentemente os pulmões. Os sintomas incluem febre, suores noturnos, perda de peso, mal-estar e tosse. O diagnóstico é feito pela deteção de bacilos ácido-resistentes no esfregaço e cultura da expetoração. O tratamento envolve terapêutica combinada com isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol.
  • Endocardite: uma patologia inflamatória do endocárdio, geralmente de origem infeciosa. Existem geralmente acometimento das válvulas cardíacas. Os pacientes apresentam-se com febre e sopro cardíaco de novo. A endocardite é diagnosticada por hemocultura e ecocardiografia. Nas causas infeciosas é necessária antiobioterapia prolongada, e pode ser necessária intervenção cirúrgica.
  • Febre tifoide: uma doença sistémica causada por Salmonella enterica do serotipo Typhi. Os pacientes podem apresentar febres altas, dor abdominal e erupções cutâneas rosadas no corpo. Ao contrário da brucelose, a febre tifoide manifesta-se predominantemente com sintomas gastrointestinais. O diagnóstico é baseado na apresentação clínica e confirmado por culturas. Os antibióticos usados no tratamento incluem ceftriaxone, fluoroquinolonas e azitromicina.
  • Febre reumática: uma complicação inflamatória e não supurativa da faringite estreptocócica. É uma patologia rara nos países desenvolvidos. Os pacientes apresentam febres altas, artrite, pancardite e eritema marginatum. Em muitos casos existe histórico de odinofagia ou infeção cutânea. O diagnóstico é baseado na apresentação clínica, critérios Jones modificados e testes laboratoriais. O tratamento inclui aspirina, corticosteroides e antibioterapia.

Referências

  1. Bosilkovski, M. (2020). Brucellosis: Epidemiology, microbiology, clinical manifestations, and diagnosis. In Baron, E.L. (Ed.), UpToDate. Retrieved December 8, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/brucellosis-epidemiology-microbiology-clinical-manifestations-and-diagnosis
  2. Bosilkovski, M. (2019). Brucellosis: Treatment and prevention. In Baron, E.L. (Ed.), Retrieved December 8, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/brucellosis-treatment-and-prevention
  3. Al-Nassir, W., Lisgaris, M.V., Salata, R.A, and Bennett, N.J. (2018). Brucellosis. In Bronze, M.S. (Ed.), Medscape. Retrieved December 8, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/213430-overview
  4. Bush, L.M., and Vazquez-Pertejo, M.T. (2020). Brucellosis. [online] MSD Manual Professional Version. Retrieved December 8, 2020, from https://www.msdmanuals.com/professional/infectious-diseases/gram-negative-bacilli/brucellosis

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