Blefarite

A blefarite é uma condição ocular caracterizada por inflamação das pálpebras. A blefarite anterior envolve a pele da pálpebra e os cílios, enquanto a blefarite posterior afeta as glândulas meibomianas. Muitas vezes, estas condições sobrepõem-se. A apresentação típica da blefarite inclui edema palpebral com prurido e hiperemia, crostas e escamas à volta dos cílios e sensação de corpo estranho. O diagnóstico é clínico, através de um exame com lâmpada de fenda que fornece detalhes das alterações estruturais que afetam o olho. A base do tratamento é a higiene das pálpebras com compressas mornas e esfoliação palpebral. Em casos moderados a graves, são utilizados antibióticos tópicos e orais. Os glucocorticóides tópicos também ajudam a melhorar os sintomas, mas requerem uma avaliação oftalmológica adequada devido aos potenciais efeitos adversos.

Última atualização: Jun 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

  • Inflamação da margem palpebral
  • A irritação crónica recorrente pode levar a fibrose e cicatrizes nas pálpebras e afetar as estruturas circundantes (córnea e conjuntiva).

Anatomia

  • As pálpebras protegem os olhos de lesões e da luz.
  • Camadas da pálpebra (de superficial para mais profundo):
    • Pele
    • Tecido celular subcutâneo laxo
    • Músculo orbicular do olho:
      • Fecha as pálpebras
      • Auxilia na drenagem lacrimal
    • Placa tarsal:
      • Tecido conjuntivo que confere rigidez estrutural à pálpebra
      • Contém as glândulas meibomianas
      • O músculo elevador da pálpebra superior é inserido na placa tarsal superior.
    • Conjuntiva palpebral: cobre a superfície interna das pálpebras
  • Glândulas da pálpebra:
    • Glândulas de Meibomius
      • Glândulas sebáceas modificadas com orifícios atrás dos cílios
      • Meibum (secreção rica em lipídios): previne a evaporação das lágrimas e uniformiza o filme lacrimal sobre a superfície do olho
    • Glândula de Moll
      • Glândulas sudoríparas modificadas
      • Orifício entre cílios adjacentes
    • Glândula de Zeiss
      • Glândula sebácea
      • Orifício no folículo dos cílios
  • Cílios:
    • Protegem os olhos de partículas ou detritos, que podem causar infeção ou lesão
    • Dispostos em fileiras duplas ou triplas na junção mucocutânea

Tipos

  • Categorizadas com base na localização anatómica, mas muitas vezes sobrepõem-se
  • Blefarite posterior:
    • Mais comum
    • Causada principalmente por disfunção/bloqueio das glândulas meibomianas
    • Envolve as glândulas meibomianas, placa tarsal e junção blefaro-conjuntival
  • Blefarite anterior:
    • Inflamação da pele da pálpebra, base dos cílios e folículos dos cílios
    • Variantes:
      • Blefarite estafilocócica: crostas à volta dos cílios causadas por Staphylococcus aureus e Staphylococcus coagulase-negativo
      • Blefarite seborreica: escamas e crostas gordurosas sobre a base das pálpebras com alterações escamosas na pele
Corte sagital da pálpebra superior

Corte sagital da pálpebra superior apresentando as suas estruturas internas

Image by Lecturio.

Fisiopatologia e Etiologia

Fisiopatologia

  • Blefarite posterior:
    • Anomalia funcional das glândulas meibomianas → composição alterada do meibum
    • As secreções tipo cera podem bloquear os orifícios glandulares.
    • Material estagnado e composição lipídica alterada → promove o crescimento bacteriano → inflamação
    • A inflamação crónica danifica a estrutura da pálpebra e facilita ainda mais a disfunção da glândula.
  • Blefarite anterior: mecanismo não totalmente compreendido, mas as vias incluem
    • Infeção direta a partir da colonização palpebral por Staphylococcus
    • Irritação provocada pelas toxinas bacterianas e inflamação mediada por células em resposta aos antigénios
    • Envolvimento de infestação parasitária (ácaro Demodex): o tratamento do Demodex melhora os casos de blefarite refratária mas o seu papel exato é ainda desconhecido.

Etiologia

  • Doenças de pele
    • Dermatite seborreica
      • Geralmente causa blefarite anterior
      • Crostas cor de mel ao longo dos bordos palpebrais e em redor dos cílios
    • Rosácea
      • Geralmente causa blefarite posterior
      • Distúrbio inflamatório que resulta em rubor e eritema facial
    • Dermatite atópica
      • Caracterizada por escamas ao longo da linha dos cílios, edema e hiperemia
    • Psoríase
      • Manifesta-se com pálpebras edemaciadas e descamação dos cílios
      • Associada a placas bem definidas e descamativas nos cotovelos e joelhos
  • Infeções
    • Infeção bacteriana
      • Dermatite estafilocócica (mais comum)
      • Tipicamente associada à blefarite anterior
    • Infeção vírica
      • Molusco contagioso
      • Dermatite Varicela Zoster
      • Dermatite por herpes simples
    • Infestação parasitária
      • Demodex folliculorum (nos folículos palpebrais): causa blefarite anterior
      • Demodex brevis (nas glândulas meibomianas): causa blefarite posterior
      • Nem todos com infestação desenvolvem blefarite
  • Outros
    • Irritantes e alergénios
      • Pálpebras eritematosas, edemaciadas e com prurido
      • Melhora com a remoção do agente agressor
    • Medicamentos: retinóides
      • Causa blefarite posterior
      • Melhora com a descontinuação do fármaco

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Tipicamente bilateral
  • Pálpebras vermelhas, edemaciadas e com prurido, de uma forma crónica e episódica
  • Sensação de areias ou de ardência ocular
  • Lacrimejo
  • Crostas na pele e descamação na margem palpebral e cílios
  • Secreções pela manhã que encerram os cílios
  • Visão turva transitória
  • Vesículas e ulcerações encontradas em infeções por herpes ou varicela

Sinais

  • Exame com lâmpada de fenda da blefarite posterior:
    • Orifícios das glândulas meibomianas aumentados
    • Glândulas obstruídas com secreções espessas, cerosas, brancas ou amarelas
  • Exame com lâmpada de fenda da blefarite anterior:
    • Eritema e edema da margem palpebral
    • Telangiectasias na pálpebra externa
    • Colarette: crosta em forma de anel à volta dos cílios (Staphylococcus)
    • Manga: caspa cilíndrica (infestação Demodex)
    • Flocos gordurosos (tipo seborreico)
    • Madarose: perda de cílios
    • Poliose: branqueamento dos cílios
    • Triquíase: direção errada dos cílios
    • Entrópio: pálpebra virada para dentro
    • Ectrópio: pálpebra virada para fora
  • Outros achados:
    • Hiperemia conjuntival
    • Estabilidade do filme lacrimal: tempo de rutura da lágrima < 10 segundos é considerado anormal
    • Córnea:
      • Erosões: provocadas pelas margens palpebrais inflamadas
      • Infiltrados e flicténulas (nódulos da córnea): reação de hipersensibilidade a antigénios estafilocócicos
      • Úlceras
      • Cicatrizes de irritação crónica

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Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Clínico, com base nos sinais e sintomas
  • Em casos refratários: o exame microscópico dos cílios para verificar a presença de ácaros Demodex pode ajudar nos casos de apresentação típica (mangas nos cílios)

Tratamento

  • Higiene das pálpebras
    • Tratamento básico e mais importante na blefarite
    • Compressas mornas (10 minutos, 4 vezes/dia) para amolecer crostas/escamas e aquecer as secreções
    • Massagem da pálpebra para expressar secreções
    • Lavagem da pálpebra para remover detritos
    • Lágrima artificial para aliviar o olho seco
  • Eliminar fatores despoletantes ou agentes agressores
  • Doença associada ao Demodex
    • Esfoliantes palpebrais e champô com óleos: mostraram ser eficazes
    • Ivermectina oral
  • Antibióticos tópicos
    • Se as medidas sintomáticas iniciais falharem
    • Erradicam bactérias nos cílios e conjuntiva
    • Opções: bacitracina, eritromicina, azitromicina
  • Antibióticos orais
    • Para blefarite crónica moderada a grave
    • Para blefarite que não responde a medicamentos tópicos
    • Opções: doxiciclina, minociclina, zithromax
  • Glucocorticóides tópicos
    • Prescritos apenas após avaliação por um oftalmologista
    • Podem aumentar a pressão intraocular, por isso é necessário acompanhamento e reavaliação
  • Ciclosporina tópica
    • Para blefarite resistente aos tratamentos standard

Diagnóstico Diferencial

  • Conjuntivite: inflamação da conjuntiva, o revestimento externo do olho. A etiologia pode ser infeciosa ou não infeciosa. Os pacientes apresentam-se com hiperemia e secreção ocular de um ou ambos os olhos. A conjuntivite bacteriana geralmente apresenta secreções purulentas, enquanto as causas víricas apresentam secreções aquosas.
  • Dacriocistite : inflamação do saco nasolacrimal frequentemente causada por obstrução do ducto. Esta condição apresenta-se como eritema e edema na área do ducto lacrimal. A estase lacrimal facilita o sobrecrescimento bacteriano permitindo assim a ocorrência de infeção, que se manifesta com secreção mucopurulenta. Para o tratamento, são aplicadas compressas quentes e antibióticos, se indicado. Nos casos de obstrução persistente, são opções de tratamento a intubação do ducto nasolacrimal ou outras intervenções cirúrgicas.
  • Hordéolo (terçolho): abcesso que afeta o folículo dos cílios ou as glândulas da pálpebra. Esta condição manifesta-se na maioria dos casos por uma margem palpebral localmente dolorosa, eritematosa e edemaciada. A maioria das lesões resolve espontaneamente, sendo que é possível facilitar a sua drenagem com a aplicação de compressas mornas suaves. Se o abcesso não resolver, é realizada incisão e drenagem por um oftalmologista.
  • Chalázio: massa firme e indolor na pálpebra, que resulta da obstrução das glândulas Zeiss ou meibomianas (glândulas sebáceas). Esta condição é geralmente tratada de forma conservadora com compressas mornas. A persistência da lesão requer incisão e curetagem ou injeção de glucocorticóide por um oftalmologista.

Referências

  1. Denniston, A., Murray, P. (2014) Oxford Handbook of Ophthalmology, Third edition.Oxford University Press.
  2. Eberhardt, M., Rammohan, G. (2020). Blepharitis. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459305/
  3. Lowery, R., Law, S., Dahl, A.(2019). Adult Blepharitis. Retrieved September 23, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/1211763-overview
  4. Putnam,C. (2016) Diagnosis and management of blepharitis. Clin Optom (Auckl), 8: 71–78. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6095371/
  5. Schtein, R.,Jacobs, D., Givens, J. (2020). Blepharitis. UpToDate. Retrieved September 23, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/blepharitis?search=blepharitis&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1

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