Babesia/Babesiose

A babesiose é uma infeção causada por um protozoário pertencente ao género Babesia. A Babesia mais comum observada nos Estados Unidos é a B. microti, transmitida pela carraça Ixodes. Os protozoários prosperam e replicam-se dentro dos eritrócitos do hospedeiro. A lise dos eritrócitos e a resposta imune do corpo resulta em sintomas clínicos. Os doentes geralmente apresentam uma doença semelhante à gripe e icterícia. Em casos graves, podem ocorrer danos nos órgãos. O diagnóstico é confirmado pela presença visual de parasitas dentro das hemácias, que são frequentemente observadas em configuração de “Cruz de Malta”. Os testes serológicos e PCR também são usados no diagnóstico. A azitromicina e atovaquona são frequentemente usadas no tratamento. A coinfecção com Borrelia e Anaplasma é comum.

Última atualização: Jul 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais da Babesia

Características básicas da Babesia

  • Parasita protozoário
  • Intraeritrocitário
  • Morfologia oval ou em forma de pêra (muitas vezes chamada piroplasma)
  • Identificado na coloração Giemsa
  • > 100 espécies identificadas

Espécies clinicamente relevantes

  • B. microti (espécie mais comum na América do Norte)
  • B. duncani (América do Norte)
  • B. divergens (Europa)

Epidemiologia e Fatores de Risco

Epidemiologia

  • 94% dos casos de babesiose nos Estados Unidos ocorrem nas seguintes regiões:
    • Nordeste
    • “Upper Midwest”
  • Aumento da incidência devido a:
    • Aumento da população de veados
    • Desflorestação
    • Mais humanos a viver em áreas arborizadas
  • 75% dos casos são diagnosticados entre junho e agosto.

Fatores de risco

Para babesiose:

  • Viajar para uma área endémica (nos últimos 6 meses)
  • Transfusão de sangue

Para doença grave:

  • Idade:
    • Recém-nascidos
    • > 50 anos
  • Asplenia
  • Imunossupressão:
    • VIH/ SIDA
    • Malignidade
    • Doentes em terapia imunossupressora

Patogénese

Reservatórios

  • Rato de patas brancas (B. microti)
  • Gado (B. divergens)

Transmissão

  • O principal vetor de transmissão para humanos é a carraça Ixodes.
  • A transmissão de humano para humano raramente pode ocorrer através de:
    • Transfusão de sangue
    • Transplante de órgão sólido
    • Transplacentar

Ciclo de vida e fisiopatologia

Fora de um hospedeiro humano:

  • Carraça carrega esporozoítos → liga-se a um rato→ transfere esporozoítos
  • Os esporozoítos entram nas hemácias.
  • Uma vez dentro da hemácia, os esporozoítos diferenciam-se em trofozoítos.
  • Trofozoítos sofrem replicação assexuada (fissão binária) → merozoítos
  • Os merozoítos produzem gametócitos.
  • Carraça faz uma “refeição de sangue” → gâmetas são transferidos para a carraça
  • Os gâmetas são fertilizados no intestino da carraça→ replicação sexual
  • Invasão na glândula salivar da carraça→ desenvolvimento em esporozoítos

Dentro de um hospedeiro humano:

  • Carraça carrega esporozoítos → liga-se a um hospedeiro → transfere esporozoítos para a derme (tipicamente no 2º ou 3º dia de fixação)
  • Os esporozoítos entram nas hemácias → diferenciam-se em trofozoítos (aparecem como múltiplos anéis delicados)
  • Trofozoítos sofrem fissão binária → merozoítos (aparecem como estruturas quaternárias ou “Cruz de Malta”)
  • Os merozoítos escapam → rompem as hemácias (hemólise) → invasão de outras hemácias próximas → repetições do ciclo
  • Hemácias infetadas são reconhecidas como anormais no baço → alvo para destruição por macrófagos
  • Hemólise e resposta imune do hospedeiro → manifestações clínicas
O ciclo de vida e transmissão de babesia

Ciclo de vida e transmissão da Babesia

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Sintomas

O período de incubação da babesiose é de 1 a 4 semanas.

Doença ligeira a moderada:

  • Sintomas como os da gripe:
    • Fadiga
    • Febre
    • Arrepios
    • Diaforese
    • Mal-estar
    • Mialgias
    • Artralgia
    • Cefaleia
  • Evidência de hemólise:
    • Pele amarela
    • Urina escura
  • Sintomas menos comuns:
    • Anorexia
    • Náuseas
    • Odinofagia
    • Tosse seca
    • Injeção conjuntival

Doença grave:

  • Os indivíduos infetados tendem a ter sintomas mais intensos.
  • Além disso, os indivíduos infetados podem experienciar:
    • Alteração do estado de consciência
    • Dor abdominal
    • Vómitos
    • Diarreia
    • Dispneia
    • Rigidez do pescoço
    • Fotofobia
    • Hiperestesia
  • Complicações:
    • ARDS
    • Anemia grave
    • Insuficiência cardíaca
    • Rutura esplénica
    • Hepatite
    • Insuficiência renal
    • Coagulação intravascular disseminada
    • Coma
    • Choque
    • Morte

Exame objetivo:

  • Aparência geral:
    • Febre
    • Icterícia
  • Olhos, ouvidos, nariz e garganta:
    • Icterícia escleral
    • Eritema faríngeo
    • Retinopatia com hemorragias em “splinter”
  • Exame abdominal:
    • Esplenomegalia
    • Hepatomegalia
  • Pele:
    • Podem estar presentes petéquias.
    • Um rash cutâneo pode representar uma infeção concomitante da doença de Lyme.

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Opções de teste de diagnóstico:
    • Esfregaço de sangue
      • “Cruz de Malta” nas hemácias
      • Também podem estar presentes formas em anel nas hemácias.
    • Teste de anticorpos fluorescentes indiretos (IFA, pela sigla em inglês) para anticorpos de Babesia
    • PCR para DNA de Babesia
  • Avaliação adicional:
    • Hemograma:
      • Anemia hemolítica (↓ hemoglobina, ↑ LDH, ↓ haptoglobina)
      • Neutropenia
      • Trombocitopenia
    • Testes de função hepática:
      • ↑ ALT e AST
      • ↑ Bilirrubina total e indireta
    • Bioquímica:
      • ↑ BUN
      • ↑ Creatinina
  • Considere avaliar para coinfeções:
    • Borrelia burgdorferi (doença de Lyme)
    • Anaplasma phagocytophilum (anaplasmose)

Tratamento

A base do tratamento são os antibióticos e a educação dos indivíduos acerca de métodos preventivos para evitar picadas de carraças.

  • Terapia antimicrobiana:
    • Tratamento de 1ª linha: azitromicina e atovaquona
    • Alternativa: quinina e clindamicina
  • A exsanguineotransfusão é indicada se:
    • Hemólise grave (hemoglobina < 10 g/dL)
    • Presença de lesão de órgão-alvo (compromisso renal, hepático ou pulmonar)
    • Parasitemia de alto grau (> 10%)

Prevenção

Devem ser tomadas precauções em áreas endémicas, particularmente em indivíduos com risco de doença grave e complicações.

  • Prevenção de carraças:
    • Roupa de proteção
    • Uso de repelentes de carraças
    • Verificação e remoção carraças.
  • Rastreio de sangue e órgãos doados
  • Não há terapia profilática ou vacinação.

Comparação de Parasitas Intra-eritrocitários

A tabela abaixo resume as características dos parasitas que infetam as hemácias.

Tabela: Comparação de parasitas intra-eritrocitários
Organismo Babesia Plasmodium
Doença Babesiose Malária
Aparência microscópica
  • Esporozoários
  • Em forma de pêra
  • Esporozoários
  • Fino, alongado
Reservatório Rato de patas brancas
  • Macacos
  • Humanos
Transmissão Carraça Ixodes Mosquito Anopheles
Regiões comuns
  • América do Norte
  • Europa
  • África
  • Ásia
  • América Central e do Sul
Clínica
  • Sintomas como os da gripe
  • Sintomas abdominais
  • Hepatoesplenomegalia
  • Anemia hemolítica
  • Insuficiência renal
  • ARDS
  • IC
  • CID
  • Sintomas como os da gripe
  • Sintomas abdominais
  • Hepatoesplenomegalia
  • Anemia hemolítica (mais grave)
  • Insuficiência renal
  • ARDS
  • CID
  • Hipoglicemia
Diagnóstico
  • Esfregaço de sangue (preferido)
  • PCR (preferido)
  • IFA
  • Esfregaço de sangue
  • Teste de antigénio
  • PCR (não amplamente disponível)
Tratamento
  • Azitromicina e atovaquona
  • Clindamicina e quinina
Depende da espécie, gravidade e padrões de resistência, mas pode incluir uma combinação de:
  • Atovaquona
  • Proguanil
  • Quinina
  • Tetraciclinas
  • Mefloquina
  • Cloroquina
IC: insuficiência cardíaca
CID: coagulação intravascular disseminada
IFA: anticorpo fluorescente indireto

Diagnóstico Diferencial

  • Malária: doença infecciosa transmitida por mosquitos, causada por espécies de Plasmodium. A malária geralmente apresenta-se com febre, calafrios, sudorese, icterícia, dor abdominal, anemia hemolítica, hepatoesplenomegalia e insuficiência renal. Um esfregaço de sangue na malária mostra um único anel pleomórfico. A descoberta da “Cruz de Malta” não é vista. Também podem ser realizados testes rápidos para antigénios de Plasmodium. O tratamento requer um curso prolongado de vários fármacos antimaláricos.
  • Doença de Lyme: infeção transmitida por carraças, causada pela espiroqueta gram-negativa, Borrelia burgdorferi. A doença de Lyme também é transmitida pelo carrapato Ixod es. A apresentação da doença de Lyme pode variar dependendo do estadio da doença e pode incluir o rash cutâneo característico conhecido como eritema migratório (não presente na babesiose). Manifestações neurológicas, cardíacas, oculares e articulares também são comuns em estadios mais avançados. O diagnóstico da doença de Lyme baseia-se em achados clínicos e exposição à carraça, e é apoiado por testes serológicos. O tratamento é com antibioterapia.
  • Hepatite viral: inflamação do fígado devido à infeção pelo vírus da hepatite. Os doentes apresentam uma doença prodrômica semelhante à gripe, seguida de icterícia, hepatoesplenomegalia e transaminases elevadas. As serologias para hepatite são utilizadas no diagnóstico e ajudam a diferenciar a hepatite da babesiose. O tratamento da hepatite aguda é de suporte.
  • Febre maculosa das Montanhas Rochosas: doença causada por Rickettsia rickettsii que se apresenta com febre, fadiga, dor de cabeça e rash cutâneo após uma picada de carraça. No entanto, a febre maculosa das Montanhas Rochosas está associada à carraça Dermacentor. O diagnóstico é feito com base nas características clínicas, biópsia do rash cutâneo e testes serológicos. O tratamento é feito com antibióticos, incluindo doxiciclina.
  • Erliquiose e anaplasmose: infeções transmitidas por carraças causadas por Ehrlichia chaffeensis e Anaplasmosis phagocytophilum, respectivamente. Os sintomas de erliquiose e anaplasmose incluem febre, dor de cabeça e mal-estar. Coagulação intravascular disseminada, falência de múltiplos órgãos e coma também podem ocorrer com doença grave. O diagnóstico é feito por PCR. O tratamento de ambas as doenças é com doxiciclina.

Referências

  1. Krause, P., Vannier, E. (2019). Babesiosis: Microbiology, epidemiology, and pathogenesis. Retrieved on March 09, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/babesiosis-microbiology-epidemiology-and-pathogenesis
  2. Krause, P., Vannier, E. (2019). Babesiosis: Clinical manifestations and diagnosis. Retrieved on March 09, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/babesiosis-clinical-manifestations-and-diagnosis
  3. Krause, P., Vannier, E. (2021). Babesiosis: Treatment and prevention. Retrieved on March 09, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/babesiosis-treatment-and-prevention

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