Azóis

Os azólicos são uma classe amplamente utilizada de medicamentos antifúngicos que inibem a produção de ergosterol, um componente crítico na membrana celular fúngica. As 2 subclasses primárias de azóis são os imidazóis, agentes mais antigos normalmente usados apenas para aplicações tópicas, e os triazóis, agentes mais novos com um amplo espectro de usos. Vários membros da classe são indicados no tratamento e profilaxia de candidíase, aspergilose, meningite por criptococo, infecções fúngicas dimórficas (por exemplo, blastomicose) e mucormicose. Efeitos adversos significativos são possíveis e incluem hepatotoxicidade, desconforto GI, problemas cardíacos e neurotoxicidade. Os azóis interagem com o sistema CYP450 causando interações medicamentosas significativas com muitos outros medicamentos, limitando potencialmente a utilidade em indivíduos medicamente complexos.

Última atualização: May 23, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Classificação

Os azóis são um grupo de fármacos antifúngicos amplamente utilizados, que podem ser classificados em 2 subgrupos:

  • Imidazóis:
    • Cetoconazol (raramente utilizado de forma sistémica devido à maior toxicidade/menor eficácia do que os triazóis)
    • Miconazol (somente tópico)
    • Clotrimazol (somente tópico)
  • Triazóis:
    • Fluconazol
    • Itraconazol
    • Voriconazol
    • Posaconazol
    • Isavuconazol

Estrutura Química e Farmacodinâmica

Estrutura química

  • Todos os azóis contêm um anel azólico de 5 elementos com nitrogénio.
  • Os imidazóis têm 2 átomos de nitrogénio no anel azol.
  • Os triazóis têm 3 átomos de nitrogénio no anel azol.

Mecanismo de ação

Os azóis provocam a deterioração da membrana da célula fúngica, inibindo a produção de ergosterol.

  • Ergosterol:
    • É um componente fundamental das membranas das células fúngicas (equivalente ao colesterol nas membranas das células humanas)
    • É sintetizado pela lanosterol 14-α-desmetilase, uma enzima fúngica CYP450 que converte lanosterol em ergosterol:
      • Os azóis têm uma afinidade maior por enzimas fúngicas do que por enzimas humanas.
      • Os triazóis têm uma melhor afinidade seletiva para enzimas fúngicas do que os imidazóis.
  • Os azóis inibem a lanosterol 14-α-desmetilase → inibe a produção de ergosterol
  • Sem nova produção de ergosterol:
    • Os fungos são incapazes de manter a membrana celular ou criar novas membranas.
    • ↑ Permeabilidade da membrana celular fúngica → lise celular
  • Os azóis são habitualmente considerados fungistáticos.
Agentes antifúngicos e mecanismos de ação

Agentes antifúngicos e mecanismos de ação

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Farmacocinética

Os azóis apresentam farmacocinéticas distintas (e, por vezes, complexas).

Absorção

  • Boa absorção oral:
    • Fluconazol
    • Voriconazol
    • Posaconazol
  • Absorção variável:
    • Itraconazol
    • Cetoconazol

Distribuição

  • Grandes volumes de distribuição → os fármacos acumulam-se nos tecidos por todo o corpo
  • São todos amplamente distribuídos nos tecidos (exceto no LCR e urina).
  • Fármacos excretados na urina e no LCR:
    • Urina: fluconazol (devido à excreção significativa como fármaco inalterado)
    • LCR: fluconazol, voriconazol
  • Os azóis são teratogénicos para o feto em desenvolvimento e os azóis sistémicos estão contraindicados na gravidez.
Tabela: Farmacocinética dos azóis
Fármacos Ligação proteica Metabolismo e excreção Semi-vida Inibição enzimática
Imidazóis
Cetoconazol 99% Metabolismo hepático parcial por CYP3A4 Bifásico:
  • Inicial: 2 horas
  • Terminal: 8 horas
Inibição significativamente maior do CYP450 de mamíferos do que os triazóis
Triazóis
Fluconazol Aproximadamente 10%
  • Renal (como fármaco inalterado): 80%
  • Hepático: 10%
25 horas
  • CYP2C19 (forte)
  • CYP2C9 (moderada)
  • CYP3A4 (moderada, sobretudo em altas doses)
Itraconazol 99%
  • Metabolismo hepático extenso pelo CYP3A4 em metabolitos ativos
  • Eliminação dependente da dose
24-48 horas
  • CYP3A4 (forte)
  • Efluxo de P-gp
Voriconazol Aproximadamente 60% Metabolismo hepático extenso por CYP2C19 (maior), 2C9 e 3A4 (menor) 6 horas
  • CYP3A4 (forte)
  • CYP2C19 (moderada)
Posaconazol 98%
  • Metabolismo hepático mínimo
  • Excreção fecal (principalmente como fármaco inalterado): aproximadamente 70%
25-35 horas CYP3A4 (moderado)
Isavuconazol 99% Hepático por CYP3A4 e glucuronidação 130 horas
  • CYP3A4 (moderado)
  • Efluxo de P-gp (fraco)
P-gp: P-glicoproteína

Indicações

Os azóis apresentam uma grande variedade de utilizações e indicações específicas para cada fármaco.

Imidazóis

  • Clotrimazol (Lotrimin ®) (apenas uso tópico):
    • Candidíase (incluindo candidíase vaginal) por Candida albicans
    • Tinea pedis (pé de atleta)
    • Tinea cruris (“jock itch”): afeta habitualmente a virilha
    • Tinea corporis (micose): em qualquer parte do corpo
  • Miconazol (Monistat ®) (somente uso tópico): candidíase vaginal
  • Cetoconazol:
    • Usar apenas quando ambos:
      • Não se encontra disponível outra terapêutica antifúngica eficaz/tolerada.
      • Os benefícios da sua utilização superam os riscos.
    • Uso potencial em infeções fúngicas sistémicas:
      • Blastomicose
      • Histoplasmose
      • Coccidioidomicose

Triazóis

Para além das indicações específicas referidas abaixo, a maioria dos triazóis também pode ser utilizada como profilaxia contra infeções fúngicas em indivíduos imunodeprimidos.

  • Fluconazol: boa atividade contra leveduras (por exemplo, Candida), nenhuma atividade significativa contra fungos (por exemplo, Aspergillus):
    • Candidíase de microorganismos suscetíveis, como C. albicans (C. krusei e C. glabrata são tipicamente resistentes ao fluconazol):
      • Infeções mucocutâneas (agente de 1ª linha): esofágica, orofaríngea e vaginal
      • Peritoneal
      • Infeções do trato urinário
      • Pneumonia
      • Infeções sistémicas (por exemplo, candidemia)
    • Infeções por Cryptococcus:
      • Meningite
      • Pneumonia
    • Coccidioidomicose
  • Itraconazol: boa atividade contra fungos dimórficos (fungo existente como bolor e levedura):
    • Blastomicose:
      • Agente de 1ª linha nos casos ligeiros a moderados
      • Utilizado em casos graves como descalada terapêutica após um esquema com anfotericina B
    • Histoplasmose (agente de 1ª linha nos casos ligeiros a moderados)
    • Infeções por esporotrix
    • Onicomicose
    • Candidíase
  • Voriconazol: eficácia semelhante ao itraconazol contra fungos dimórficos:
    • Aspergilose (agente de 1ª linha)
    • Infeções por Candida (incluindo infeções devido a espécies resistentes ao fluconazol):
      • Candidíase mucocutânea
      • Candidemia
      • Infeções disseminadas no coração, abdómen, rim, bexiga e feridas
    • Infeções graves causadas por:
      • Scedosporium spp.
      • Fusarium spp.
  • Posaconazol e isavuconazol: espectro mais amplo de azóis:
    • Candidíase (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol)
    • Aspergilose (agente de 2ª linha)
    • Mucormicose

Efeitos Adversos e Contraindicações

Efeitos adversos

  • Desconforto GI: náuseas, vómitos e/ou diarreia
  • Sintomas dermatológicos:
    • Fotossensibilidade
    • Rash
    • Alopecia
  • Hepatotoxicidade:
    • Possível com todos os azóis
    • Varia de um ligeiro ↑ das transaminases (aproximadamente 5-10% dos indivíduos) a hepatite/insuficiência hepática fulminante
  • Cetoconazol:
    • Insuficiência adrenal: hipertensão, hipocaliemia e alcalose
    • O mais hepatotóxico e com mais impacto nos sintomas gastrointestinais
  • Itraconazol:
    • Hipocaliemia
    • Insuficiência cardíaca
  • Voriconazol:
    • Alterações da visão:
      • Pode incluir alguma perda de visão, flashes de luz, fotofobia e/ou discromatopsia
      • Normalmente acontece cerca de 30 minutos após a administração e dura entre 30 a 60 minutos
      • Observadas em 20%–30% dos pacientes
    • Neurotoxicidade:
      • Alucinações visuais
      • Confusão e/ou agitação
      • Mioclonias
      • Neuropatia desmielinizante nas extremidades inferiores (extremamente rara, afeta frequentemente pacientes que também estão medicados com tacrolimus)
    • Prolongamento do intervalo QT
    • Fotossensibilidade
    • Periostite (inflamação do periósteo (tecido conjuntivo que rodeia o osso))
  • Posaconazol e isavuconazol: apresentam menos efeitos colaterais e são mais bem tolerados que o voriconazol

Contraindicações

  • Hipersensibilidade aos azóis
  • Doença hepática
  • Coadministração de fármacos que afetam enzimas CYP relevantes:
    • Como existem inúmeras interações medicamentosas para os azóis, os fármacos devem ser avaliados cuidadosamente para evitar a toxicidade ou subdosagem.
    • É uma realidade comum nos indivíduos imunodeprimidos (frequentemente polimedicados e sob maior risco de infeções fúngicas)
  • Insuficiência cardíaca (itraconazol)
  • Arritmias (voriconazol e cetoconazol)
  • Insuficiência adrenal (voriconazol e cetoconazol)
  • Gravidez

Monitorização

  • As concentrações séricas de azóis devem ser monitorizadas com frequência (recomendada para o itraconazol, voriconazol e posaconazol)
  • Monitorização das transaminases (sobretudo com voriconazol e cetoconazol)
  • Monitorização da função adrenal

Mecanismos de Resistência

Os mecanismos mais comuns que contribuem para a resistência antifúngica incluem:

  • Mutação do local alvo do fármaco → ↓ afinidade do fármaco para lanosterol 14-α-desmetilase → ↓ inibição
  • ↑ Bombas de efluxo → menos fármaco dentro da célula fúngica
  • Captação reduzida do fármaco → menos fármaco dentro da célula fúngica
  • A enzima alvo é superproduzida.

Comparação de Antifúngicos

Tabela: Comparação de antifúngicos
Classe de fármacos (exemplos) Mecanismo de ação Relevância clínica
Azóis (Fluconazol, Voriconazol) Inibe a produção de ergosterol (um componente essencial da membrana celular fúngica) que bloqueia a enzima lanosterol 14-α-desmetilase
  • Antifúngicos com um espectro de atividade relativamente amplo
  • Muitas interações medicamentosas devido a efeitos no sistema CYP450
  • Hepatotoxicidade
  • Globalmente menos tóxico que a anfotericina B
Polienos (Anfotericina B, Nistatina) Ligam-se ao ergosterol na membrana da célula fúngica criando poros artificiais na membrana → resulta na expulsão de componentes celulares e leva à lise celular (morte) Anfotericina B:
  • Indicada no tratamento de infeções fúngicas com risco de vida
  • Espectro de atividade amplo
  • Toxicidade relativamente ↑ (sobretudo nefrotoxicidade)
  • Globalmente menos tóxico que a anfotericina B

Nistatina:
  • Apenas uso tópico: pele, membranas mucosas, lúmen GI
Equinocandinas (Caspofungina, Micafungina, Anidulafungina) Inibem a β-glucano sintetase (enzima que sintetiza β-glucano e que constitui um componente estrutural importante da parede celular fúngica) → parede celular frágil → lise celular
  • Trata infeções por Candida e Aspergillus em pacientes criticamente doentes e neutropénicos
  • Toxicidade mínima
  • Interações medicamentosas mínimas
Griseofulvina
  • Liga-se à queratina na pele recém-formada, tornando as células humanas resistentes à invasão → ao longo do tempo, as novas estruturas de cabelo/pele/unha não infetadas substituem as estruturas antigas e infetadas
  • Inibe a organização de microtúbulos em dermatófitos → inibe a replicação de células fúngicas
  • Trata dermatofitoses do cabelo, pele e unhas
  • Apenas disponível em via oral (via tópica não ativa)
  • Afeta o sistema CYP450 (mais interações medicamentosas)
  • Substituída por agentes mais novos (por exemplo, terbinafina)
Terbinafina Inibe a enzima esqualeno epoxidase → bloqueia a produção de epóxido de esqualeno, um precursor do ergosterol e um componente essencial da membrana celular
  • Trata dermatofitoses do cabelo, pele e unhas
  • Agente de primeira linha na onicomicose
  • Toxicidade relativamente baixa
Flucitosina Um análogo de pirimidina com metabolitos:
  • Compete com o uracilo e interrompe a síntese de RNA
  • Inibe irreversivelmente a timidilato sintetase → o fungo é incapaz de sintetizar ou corrigir o DNA
  • Utilizado sempre em combinação com outros agentes devido a:
    • Efeitos sinérgicos positivos
    • ↑ Resistência com monoterapia
  • Principais indicações:
    • Meningite criptocócica
    • Cromoblastomicose
  • Toxicidade: mielossupressão

Vídeos recomendados

Referências

  1. Sheppard, D., Lampiris, H.W. (2012). Antifungal Agents. In Katzung, B.G., Masters, S.B., and Trevor, A.J. (Eds.), Basic and Clinical Pharmacology (12th Ed., pp. 853‒855).
  2. Dodds Ashley, E., Perfect, J.R. (2020). Pharmacology of azoles. In Bogorodskaya, M. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pharmacology-of-azoles 
  3. Kauffman, C.A. (2021). Management of candidemia and invasive candidiasis in adults. In Baron, E.L. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/management-of-candidemia-and-invasive-candidiasis-in-adults 
  4. Cox, G.M., Perfect, J.R. (2020). Cryptococcus neoformans: Treatment of meningoencephalitis and disseminated infection in HIV seronegative patients. In Bogorodskaya, M. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/cryptococcus-neoformans-treatment-of-meningoencephalitis-and-disseminated-infection-in-hiv-seronegative-patients 
  5. Cox, G.M. (2021). Mucormycosis (zygomycosis). In Bond, S. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/mucormycosis-zygomycosis 
  6. Patterson, T.F. (2021). Treatment and prevention of invasive aspergillosis. In Bond, S. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-invasive-aspergillosis 
  7. Kauffman, C.A. (2020). Diagnosis and treatment of pulmonary histoplasmosis. In Bogorodskaya, M. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/diagnosis-and-treatment-of-pulmonary-histoplasmosis 
  8. Bradsher, R.W. (2020). Treatment of blastomycosis. In Bogorodskaya. M. (Ed.), UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-blastomycosis 
  9. Hidalgo, J.A. (2020). Which medications in the drug class Azole antifungals are used in the treatment of candidiasis? In Medscape. Retrieved July 21, 2021, from https://www.medscape.com/answers/213853-30150/which-medications-in-the-drug-class-azole-antifungals-are-used-in-the-treatment-of-candidiasis 
  10. Nivoix, Y., Ledoux, M., and Herbrecht, R. (2020). Antifungal therapy: new and evolving therapies. Semin Respir Crit Care Med. 2020;41(1):158-174. Retrieved July 21, 2021, from https://www.medscape.com/viewarticle/924712_4 
  11. Lexicomp Drug Information Sheets. (2021). In UpToDate. Retrieved July 21, 2021, from:

Aprende mais com a Lecturio:

Complementa o teu estudo da faculdade com o companheiro de estudo tudo-em-um da Lecturio, através de métodos de ensino baseados em evidência.

Estuda onde quiseres

A Lecturio Medical complementa o teu estudo através de métodos de ensino baseados em evidência, vídeos de palestras, perguntas e muito mais – tudo combinado num só lugar e fácil de usar.

User Reviews

Details