Atrofia Muscular Espinhal (AME)

Atrofia muscular espinhal (AME) é um espectro de síndromes autossómicas recessivas caracterizadas por fraqueza e atrofia muscular proximal progressiva, possivelmente devido à degeneração das células do corno anterior na medula espinhal e núcleos motores na parte inferior do tronco cerebral. Existem 5 tipos clínicos de AME, cada um com uma apresentação clínica distinta, sendo a fraqueza motora a característica comum. As apresentações mais precoces estão associadas a fraqueza motora mais grave, afetando a capacidade da criança de atingir os marcos de desenvolvimento de sentar ou de andar. Nos tipos mais graves, respirar e engolir também podem tornar-se difíceis à medida que a doença progride. O prognóstico da AME é reservado. Nos tipos menos graves, os adultos têm uma esperança de vida normal. O diagnóstico inicial é clínico e é confirmado por testes genéticos. O tratamento é sobretudo de suporte, embora estejam a ser desenvolvidas novas terapêuticas. O prognóstico depende do tipo clínico.

Última atualização: Jun 30, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A atrofia muscular espinhal (AME) é um espectro de síndromes autossómicas recessivas caracterizadas por fraqueza e atrofia muscular proximal progressiva, possivelmente devido à degeneração das células do corno anterior na medula espinhal e núcleos motores na parte inferior do tronco cerebral.

Classificação

  • Tipo 0: AME de início pré-natal
    • Presença de apenas 1 cópia do gene do neurónio motor de sobrevivência 2 (SMN2, pela sigla em inglês)
    • Diminuição dos movimentos fetais no final da gravidez
    • Manifesta-se com paralisia flácida severa
  • Tipo 1: AME infantil, também chamado de doença de Werdnig-Hoffman
    • Início antes dos 6 meses de idade
    • Nunca será capaz de se sentar sozinho
  • Tipo 2: forma intermediária, também chamada de doença de Dubowitz
    • 20% dos casos
    • Início entre os 3 e os 15 meses de idade
    • Incapaz de ficar de pé ou andar sozinho
  • Tipo 3: forma juvenil, também chamada de doença de Kugelberg-Welander
    • 30% dos casos
    • Início entre os 18 meses e os 18 anos de idade
    • Esperança de vida normal
  • Tipo 4: AME adulto (forma mais leve)
    • <5% dos casos
    • Presença de 4-8 cópias de SMN2
    • Capaz de manter a deambulação ao longo da vida
    • Esperança de vida normal

Epidemiologia

  • 2º Distúrbio autossómico recessivo mais comum (após a fibrose cística), causando uma morbilidade e mortalidade significativas
  • Incidência: calculada como 1 em 11 000, nos EUA, entre todas as etnias
  • Frequência de portadores: 1 em 47 caucasianos e 1 em 72 indivíduos afroamericanos

Fisiopatologia

  • Deleção homozigótica do gene do neurónio motor de sobrevivência 1 (SMN1, pela sigla em inglês)→ perda da síntese da proteína do neurónio motor de sobrevivência
  • As cópias extras de SMN2 determinam a expressão fenotípica/gravidade clínica.
  • Proteína SMN disfuncional → as células do corno anterior na medula espinhal e os núcleos motores na parte inferior do tronco cerebral sofrem degeneração → fraqueza muscular progressiva
  • Os mecanismos pelos quais a falta da proteína SMN normal causa a patologia da AME não são claros.
  • A fisiopatologia num modelo de murganho (2014) mostra dano no músculo esquelético a preceder o dano ao neurónio motor.

Apresentação Clínica

A atrofia muscular espinhal apresenta-se como uma síndrome de lesão do neurónio motor inferior com fraqueza muscular, que é mais grave nos tipos 0, 1 e 2.

Tipo 0: diminuição do movimento fetal no final da gravidez

  • Polidrâmnios documentado, restrição de crescimento fetal e hipoplasia pulmonar
  • Após o nascimento:
    • Hipotonia grave e fraqueza
    • Arreflexia
    • Diplegia facial (paralisia de ambos os lados)
    • Artrogripose (múltiplas contraturas articulares)
    • Cardiopatias congénitas
    • Nenhum marco motor é alcançado.

Tipo 1: apresenta-se antes dos 6 meses de idade

  • Paralisia flácida severa e simétrica
  • Os bebés não conseguem sentar-se sem apoio.
  • Postura semelhante à de um sapo, com as ancas abduzidas
  • Fraqueza bulbar:
    • Choro fraco
    • Reflexos de sucção e deglutição fracos
    • Acumulação de secreções
    • Fasciculações da língua
    • Aumento do risco de aspiração e perturbações do desenvolvimento
  • Insuficiência respiratória progressiva
  • Peito em forma de sino
  • Os nervos cranianos são poupados:
    • Movimentos oculares preservados
    • Expressão/músculos faciais normais

Tipo 2: presente aos 3–15 meses de idade

  • Fraqueza proximal progressiva nas pernas > braços:
    • A capacidade de se sentar sozinho é diferida no tempo e depois perdida na adolescência.
    • Incapacidade de ficar de pé ou de andar
  • Poupa os músculos do rosto e olhos
  • Fasciculações da língua
  • Arreflexia
  • Fraqueza muscular → escoliose progressiva
  • Movimentos semelhantes a tremores mioclónicos de pequena amplitude das mãos (poliminimioclonia)
  • Anquilose da mandíbula
  • Contraturas articulares
  • Fraqueza muscular respiratória e escoliose por fraqueza muscular progressiva → doença pulmonar restritiva

Tipo 3: presente dos 18 meses de idade ao final da adolescência

  • Atinge a deambulação independente → mais tarde apresenta-se com fraqueza muscular proximal progressiva nas pernas > braços
    • Quedas
    • Dificuldade em subir escadas
  • Pode desenvolver deformidades nos pés
  • A maioria dos indivíduos não desenvolve escoliose ou fraqueza dos músculos respiratórios.
  • Muitos indivíduos ficam confinados a cadeira de rodas à medida que a doença progride.

Tipo 4 (fenótipo mais leve): apresenta-se na idade adulta

  • Leve fraqueza muscular proximal (extremidades inferiores)
  • A deambulação, geralmente, é mantida.

Diagnóstico

Deve suspeitar-se de atrofia muscular espinhal em qualquer bebé com fraqueza inexplicada ou hipotonia. O diagnóstico definitivo requer teste genético.

Testes genéticos

  • Teste de escolha
  • Análise direcionada à mutação para confirmar a deleção de SMN1
  • Para os pais de uma criança afetada: hereditariedade autossómica recessiva →
    • 25% de probabilidade de nascer uma criança afetada
    • 50% de probabilidade de nascer uma criança portadora
    • 25% de probabilidade de nascer uma criança não afetada
  • Pequeno desvio da AME:
    • 2% dos indivíduos afetados têm uma variante SMN1 de novo com apenas 1 dos pais a ser portador dessa variante →
    • Os irmãos não apresentam risco aumentado de AME.
  • O teste de portador está indicado em familiares em risco.
  • O teste pré-natal é indicado em mulheres com um membro da família com diagnóstico confirmado de AME (por teste genético).
  • O rastreio neonatal foi incluído no Painel de Rastreio Uniforme Recomendado (RUSP, pela sigla em inglês) em 2018, e o rastreio da AME está a ser realizado em muitos estados.
    • O RUSP consiste numa lista de patologias que se recomenda que sejam rastreadas na avaliação do recém-nascido, pelo US Department of Health and Human Services.
    • Apenas testa para AME por deleção homozigótica do exão 7 no SMN1

Eletromiografia (EMG) e biópsia muscular

  • Anteriormente era um componente padrão de avaliação diagnóstica
  • Atualmente, raramente usados devido à disponibilidade de testes genéticos moleculares

Tratamento

O tratamento atual é sobretudo de suporte e multidisciplinar (incluindo cuidados paliativos).

Tratamento de suporte

  • Suporte respiratório:
    • Não invasivo: BiPAP
    • Invasivo:
      • Traqueostomia/ventilação
      • Considerado quando a ventilação não invasiva é insuficiente
    • Fisioterapia torácica para mobilização e depuração de secreções
    • Rastreio da capacidade vital forçada
  • Suporte nutricional:
    • Gastrostomia precoce se subcrescimento nos tipos 1 e 2
    • A suplementação nutricional reduz a probabilidade de aspiração.
  • Suporte ortopédico:
    • Fisioterapia
    • Ortótese espinhal se escoliose

Terapêutica modificadora de prognóstico

Terapêutica genética: já estão disponíveis 3 agentes nos EUA.

  • Nusinersen (Spinraza): oligonucleotídeo antisense que aumenta a síntese de proteínas SMN
    • Administrado por injeção intratecal
    • Comparações diretas com outros agentes ainda não estão disponíveis.
  • Onasemnogene abeparvovec (Zolgensma):
    • Infusão IV única em crianças <2 anos de idade
    • Vetor viral recombinante que contém ADN complementar que codifica a proteína SMN humana normal
  • Risdiplam (Evrysdi):
    • Medicação oral para todos os tipos de AME em indivíduos > 2 meses
    • Corrige erros de splicing do SMN2 e aumenta a concentração de proteína SMN

Complicações

  • Perturbações do crescimento (FTT, pela sigla em inglês) em bebés:
    • A disfunção bulbar afeta a deglutição.
    • → Falha do crescimento por ingestão calórica inadequada
  • Complicações respiratórias:
    • Aspiração
    • Obstrução por muco
    • Infeções recorrentes
    • Doença pulmonar restritiva
  • Complicações GI:
    • Obstipação
    • Atraso do esvaziamento gástrico
    • Refluxo gastroesofágico com potencial aspiração
  • Complicações musculoesqueléticas:
    • Escoliose
    • Contraturas articulares
    • Subluxação da anca
    • Suscetibilidade a fraturas
  • Perturbações do sono

Prognóstico

  • Tipos 0, 1 e 2: morte devido a doença respiratória restritiva e insuficiência respiratória
    • Tipo 0: morte ao nascimento ou no primeiro mês de vida
    • Tipo 1: morte com <2 anos de idade
    • Tipo 2: a esperança média de vida é variável e ⅔ dos indivíduos vivem até aos 25 anos.
  • Tipo 3: agravamento lento e progressivo da fraqueza motora, mas os indivíduos têm uma expectativa de vida normal
  • Tipo 4: esperança média de vida normal

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome de Prader-Willi: condição associada à perda da região 15q11-13 do cromossoma paterno, que se manifesta com deficiência intelectual, baixa estatura, subdesenvolvimento dos órgãos sexuais e obesidade em recém-nascidos. Ao nascer, a síndrome de Prader-Willi apresenta-se com hipotonia e letargia, além de dificuldades de alimentação e respiração semelhantes às da AME. O diagnóstico é feito com base no teste de metilação do ADN para detetar impressões específicas dos pais em regiões específicas do cromossoma 15. O tratamento é de suporte.
  • Distrofia muscular de Duchenne: doença genética, recessiva ligada ao X, em crianças causada por uma mutação no gene DMD, levando à destruição das fibras musculares e substituição por tecido adiposo ou fibroso. Os meninos afetados apresentam fraqueza muscular proximal progressiva que eventualmente leva à perda da capacidade de deambulação e contraturas, escoliose, cardiomiopatia e insuficiência respiratória. O diagnóstico é baseado em testes laboratoriais e genéticos. A abordagem terapêutica consiste em medidas de suporte que visam atrasar a progressão da doença e das suas complicações.
  • ELA(doença de Lou Gehrig): doença neurodegenerativa, esporádica ou hereditária, em adultos que afeta os neurónios motores superiores (UMNs, pela sigla em inglês) e os neurónios motores inferiores (LMNs, pela sigla em inglês). A esclerose lateral amiotrófica é caracterizada por sintomas que indicam que tanto os UMNs como os LMNs são afetados simultaneamente. O diagnóstico é clínico. O tratamento é de suporte e sintomático, progredindo para cuidados no final da vida.

Referências

  1. Burr, P., Reddivari, A.K.R. (2021). Spinal Muscle Atrophy. StatPearls. Retrieved August 9, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560687/
  2. Bodamer, O.A. (2021). Spinal muscular atrophy. UpToDate. Retrieved August 9, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/spinal-muscular-atrophy
  3. Kolb, S.J., Kissel, J.T. (2015). Spinal muscular atrophy. Neurologic Clinics, 33, 831–846. https://doi.org/10.1016/j.ncl.2015.07.004
  4. Prior, T.W., et al. (2020). Spinal Muscular Atrophy. GeneReviews. Accessed August 19, 2021, from PubMed, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1352/
  5. Fayzullina, S., Martin, L.J. (2014). Skeletal muscle DNA damage precedes spinal motor neuron DNA damage in a mouse model of spinal muscular atrophy (SMA). PloS One, 9(3), e93329. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24667816/

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