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Arterite de Células Gigantes

A arterite de células gigantes (ACG), também conhecida como arterite temporal, é um tipo de vasculite de grandes vasos que afeta predominantemente a aorta e os seus ramos principais, com maior afeção pelos ramos da carótida (incluindo a artéria temporal). A arterite de células gigantes é caracterizada por leucócitos inflamatórios nas paredes dos vasos, levando a danos reativos, isquemia e necrose. A arterite das células gigantes manifesta-se com cefaleia, hiperestesia do couro cabeludo, claudicação mandibular, manifestações oculares que podem resultar em perda visual irreversível. O diagnóstico é estabelecido com biópsia da artéria temporal. O tratamento precoce com glucocorticoides é essencial para alívio sintomático e evitar a perda de visão.

Última atualização: Jun 29, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Epidemiologia

  • Vasculite sistémica idiopática mais comum
  • A idade é o maior fator de risco:
    • Afeta geralmente indivíduos com mais de 50 anos de idade
    • Aumento da incidência nas 8ª e 9ª décadas de vida
  • 3 vezes mais comum nas mulheres
  • Ancestrais do Norte da Europa e Escandinávia
  • Um índice de massa corporal (IMC) baixo está associado a um risco aumentado.

Etiologia

  • A etiologia exata é desconhecida.
  • Fatores genéticos que podem aumentar a suscetibilidade:
    • Variantes genéticas no complexo principal de histocompatibilidade (MHC)
    • Subtipos do sistema antigénio leucocitário humano (HLA)
    • Genes envolvidos nas células T
  • 45%–50% apresentam polimialgia reumática concomitante.

Fisiopatologia

A arterite de células gigantes (ACG) é resultado de uma cascata de inflamação e dano vascular e reparação disfuncional:

  • Não estão identificados eventos desencadeantes.
  • Envolve artérias de grande e médio calibre:
    • Afeta frequentemente a aorta e os seus ramos principais
    • Envolvimento comum dos ramos das artérias carótidas e vertebrais
  • Envolve principalmente a artéria temporal superficial (ATS; ramo da artéria carótida externa)
  • Mecanismo:
    1. Um antigénio é detetado por células detríticas na túnica adventícia → recruta mais células dendríticas, linfócitos e macrófagos.
    2. As células dendríticas apresentam os antigénios → agregado de células T4 diferenciadas e ativadas (CD4+).
    3. As células T CD4+ proliferam → inflamação vascular através da ativação de macrófagos.
    4. A camada média é invadida por células inflamatórias → os macrófagos sofrem organização granulomatosa (células gigantes) → produção de fatores de crescimento e metaloproteinases → perda de células musculares lisas vasculares e destruição da lâmina elástica interna.
    5. As células musculares lisas lesadas respondem ao dano → os miofibroblastos diferenciam-se, migram em direção à camada íntima e produzem proteínas de matriz extracelular → hiperplasia da íntima e oclusão arterial → complicações isquémicas da doença.
Artéria temporal superficial

Ramos da ATS, que podem estar envolvidos na ACG

Imagem por BioDigital, editado por Lecturio.

Apresentação Clínica

Manifestações clínicas

  • Constitucionais:
    • Febre
    • Fadiga
    • Mal-estar
    • Perda de peso
    • Anorexia
  • Cabeça e pescoço:
    • Cefaleia:
      • Ocorre em ⅔ dos pacientes
      • Gravidade e qualidade variáveis
      • Localizada na região temporal e por ser despertada pela palpação
      • Hiperestesia do couro cabeludo associada
    • Claudicação mandibular:
      • Ocorre em cerca de ½ dos pacientes
      • Dor mandibular ou fadiga muscular durante a mastigação, aliviada com o repouso
  • Oftalmológicas:
    • Perda transitória da visão (amaurose fugaz):
      • Resultante da perda de fluxo sanguíneo no olho
      • Tipicamente monocular
      • Indolor, transitória e intermitente
      • Visão turva, diplopia, ou perda de visão
    • Perda de visão permanente:
      • A complicação mais preocupante
      • Devido a neuropatia isquémica ótica anterior ou posterior, oclusão da artéria central da retina ou isquemia cerebral 
      • Perda de visão parcial ou completa que é súbita e indolor
      • Pode afetar um ou ambos os olhos
      • Raramente reversível
  • Musculoesqueléticas:
    • Polimialgia reumática:
      • Dor e rigidez matinal dos músculos e articulações proximais
      • Ombros, ancas, região cervical e tronco afetados

Exame objetivo

  • Cardiovasculares:
    • Pulsos diminuídos
    • Dor e dilatação da artéria temporal
    • Medidas diferentes de pressão arterial entre os membros superiores → envolvimento da artéria subclávia
    • Sopros
    • Sopro cardíaco de regurgitação aórtica → suspeita de um aneurisma da aorta ascendente
  • Fundoscopia:
    • Pode ser normal com sintomas transitórios
    • Isquemia da retina → manchas algodonosas na retina
    • Neuropatia isquémica anterior (perda do fluxo sanguíneo da porção anterior do nervo ótico) → disco ótico pálido e edemaciado e margens da retina distorcidas
  • Musculoesquelético:
    • Limitação dos movimentos dos ombros, região cervical e anca
    • Sinovite do punho e metacarpofalângicas
Oclusão aguda da artéria retiniana central

Fundoscopia do olho direito a demonstrar as manchas algodonosas ao longo das arteríolas supraemporais e infratemporais (setas). As manchas algodonosas indicam obstrução das arteríolas da retina, levando à isquemia da retina.

Imagem: “Cotton-wool spots” por James Paget University Hospital NHS Foundation Trust, Lowestoft Road, Gorleston, Great Yarmouth NR31 6LA, Norfolk, UK. Licença: CC BY 2.0.

Diagnóstico

Algoritmo de diagnóstico

Algoritmo de diagnóstico da arterite temporal

O supracitado é um algoritmo simples para ajudar a estabelecer o diagnóstico da ACG. Este determina as etapas básicas no diagnóstico da doença e quando esta deve ser considerada.

Imagem por Lecturio.

Métodos de diagnóstico

  • 1º, verificar estudos laboratoriais:
    • VS e PCR:
      • Quase sempre elevados
      • Não específicos
    • Hemograma completo:
      • Anemia normocrómica
      • Trombocitose reativa
      • Leucócitos normais ou minimamente elevados
    • Perfil hepático:
      • Fosfatase alcalina elevada
      • Diminuição da albumina
  • Etapas seguintes:
    • Biópsia da artéria temporal (“gold standard”):
      • Deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de ACG
      • As lesões são segmentares, portanto o diagnóstico requer uma biópsia de um segmento longo de vaso.
      • Achados histopatológicos:
        • Panarterite
        • Células gigantes
        • Lâmina elástica interna fragmentada
      • Se negativa, deve ser considerada a biópsia da artéria temporal contralateral.
    • Eco-Doppler:
      • Alternativa não invasiva a biópsia da artéria temporal, mas dependente do operador
      • Deve avaliar os vasos da cabeça, pescoço e membros superiores
      • O “sinal do halo” (área escurecida que envolve a luz vascular do edema mural) apresenta uma elevada especificidade.
  • Se a investigação acima não estabelecer o diagnóstico, deve ser considera a avaliação do envolvimento de vasos de grande calibre:
    • Eco-Doppler das artérias axilares e subclávias
    • Tomografia computorizada com angiografia (Angio-TAC)
    • Ressonância magnética (RM) ou angiografia por ressonância magnética (Angio-RM)
    • Tomografia por emissão de positrões (PET)
Arterite temporal

Biópsia da artéria temporal a demonstrar infiltrados celulares inflamatórios mistos transmurais com espessamento da íntima, fragmentação e distorção da lâmina elástica interna.

Imagem: “Biopsy of temporal artery” por the Department of Pathology and Laboratory Medicine, University of Florida, College of Medicine, Jacksonville, FL, USA. Licença: CC BY 2.0.

Tratamento

Opções de tratamento

  • Glucocorticoides sistémicos de alta dose:
    • Objetivo principal do tratamento, devendo ser iniciado precocemente, na suspeita de ACG
    • Sem perda de visão: prednisolona
    • Com perda de visão: metilprednisolona
    • Desmame progressivo durante 612 meses
  • Tratamento adjuvante:
    • Quando a terapêutica com glucocorticóides não é tolerada
    • Tocilizumab
    • Metotrexato

Medidas gerais

  • Consulta de reumatologia
  • Seguimento mensal:
    • Monitorização dos sintomas e realização de exames.
    • Reavaliar VS e PCR
  • Rastreio da tuberculose
  • Vacinação para o vírus influenza e pneumonia pneumocócica
  • Terapêutica antiplaquetária em pacientes com aterosclerose: deve ser considerado um inibidor da bomba de protões, dado que o uso de aspirina, glucocorticóides e a idade aumentam o risco de hemorragia gastrointestinal.
  • Prevenção da osteoporose com cálcio e vitamina D
  • Monitorizar a densidade óssea.

Diagnósticos Diferenciais

  • AVC: doença que condiciona uma falha no fluxo sanguíneo para o cérebro, resultando em morte celular. Existem 2 tipos: AVC isquémico por insuficiência de fluxo sanguíneo e AVC hemorrágico devido a hemorragia. Os sintomas incluem fraqueza muscular focal, parestesias, perda de visão, disartria e cefaleia. A TAC e a RM cerebrais são utilizadas para o diagnóstico e permitem diferenciar o AVC da ACG.
  • Enxaqueca: caracterizada por cefaleia pulsátil recorrente, de intensidade moderada a severa, que afeta habitualmente ½ da cabeça. Os sintomas associados incluem náuseas, vómitos e sensibilidade à luz, som ou cheiro. O diagnóstico é clínico, com base na história clínica e no exame objetivo. Os exames laboratoriais e de imagem são inocentes. A história clínica, o exame objetivo e os marcadores inflamatórios baixos ajudam a diferenciar a enxaqueca da ACG.
  • Glaucoma: Aumento da pressão intraocular, com afeção do nervo ótico e que pode levar à perda de visão irreversível. Os sintomas de glaucoma de ângulo fechado incluem visão turva, halos ao redor da luz, dor ocular severa, cefaleia, náuseas e vómitos. O diagnóstico é obtido através de um exame oftalmológico e medição da pressão intraocular, o que permite diferenciar o glaucoma da ACG.
  • Arterite de Takayasu: vasculite granulomatosa de grandes vasos, que afeta principalmente a aorta e os seus ramos principais. Os pacientes são frequentemente mulheres jovens ou de meia-idade. Os sinais e sintomas incluem dor ao toque da artéria carótida, claudicação dos membros e pulsos débeis ou ausentes. Marcadores inflamatórios elevados e angio-TAC da aorta podem auxiliar no diagnóstico. O tratamento inclui glucocorticoides e fármacos poupadores de glucocorticoides. A área demográfica, a história clínica e os achados dos exames do paciente permitem diferenciar a arterite de Takayasu da ACG.
  • Neuropatia ótica isquémica anterior não arterial: lesão idiopática e isquémica do nervo ótico. Os pacientes apresentam perda de visão súbita, indolor e monocular. A fundoscopia releva edema do disco ótico. A arterite de células gigantes deve ser considerada nestes indivíduos e pode ser descartada com marcadores inflamatórios normais. Não existe um tratamento eficaz conhecido, mas os pacientes são geralmente medicados com aspirina.

Referências

  1. Docken, W.P., & Rosenbaum, J.T. (2019). Clinical manifestations of giant cell arteritis. In Ramirez Curtis, M. (Ed.), Uptodate. Retrieved October 25, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-of-giant-cell-arteritis
  2. Cid, M.C. (2020). Pathogenesis of giant cell arteritis. In Ramirez Curtis, M. (Ed.), Uptodate. Retrieved October 26, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-of-giant-cell-arteritis
  3. Docken, W.P. (2019). Diagnosis of giant cell arteritis. In Ramirez Curtis, M. (Ed.), Uptodate. Retrieved October 27, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/diagnosis-of-giant-cell-arteritis
  4. Docken, W.P. (2020). Treatment of giant cell arteritis. In Ramirez Curtis, M. (Ed.), Uptodate. Retrieved October 27, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-giant-cell-arteritis
  5. Seetharaman, M., Albertini, J.G., & Paget, S.A. (2020). Giant cell arteritis (temporal arteritis). In Diamond, H.S. (Ed.), Medscape. Retrieved October 26, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/332483-overview
  6. Kasper, D.L., Fauci, A.S., Longo, D.L., Bruanwald, E., Hauser, S.L., & Jameson, J.L. (2007). Harrison’s principles of internal medicine (16th edition.). New York: McGraw Hill Education.
  7. Al-Mousawi, A.Z., Gurney, S.P., Lorenzi, A.R. et al. (2019). Reviewing the pathophysiology behind the advances in the management of giant cell arteritis. Ophthalmology and Therapy 8, 177-193. Retrieved October 27, 2020 from https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs40123-019-0171-0

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