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Acidose Metabólica

O sistema renal é responsável pela eliminação da carga diária de ácidos não voláteis, que é de aproximadamente 70 milimoles por dia. Esta carga diária provém principalmente do metabolismo anaeróbio, da absorção de ácidos e da excreção de bases do sistema GI. A acidose metabólica ocorre quando há um aumento dos níveis de ácidos não voláteis (por exemplo, ácido lático), perda renal de HCO3-, ou ingestão de álcoois tóxicos. A compensação respiratória ocorre muito rapidamente (em minutos) e atenua as alterações no pH. No período agudo, os distúrbios metabólicos podem causar sintomas graves. O tratamento tem como objetivo corrigir a etiologia subjacente.

Última atualização: Nov 23, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

Acidose metabólica é o processo que resulta no ganho de iões de hidrogénio (H+) ou na perda de HCO3. Na acidose metabólica primária, a gasimetria arterial vai revelar:

  • pH < 7,4
  • HCO3 < 24 mEq/L
  • Pressão parcial de CO2 arterial (PCO2) < 40 mm Hg

Etiologia

  • Cetoacidose
  • Acidose lática
  • Diarreia
  • Doença renal crónica (DRC)
  • Acidose tubular renal
  • Álcoois tóxicos: metanol, etilenoglicol
  • Fármacos:
    • Intoxicação por aspirina
    • Uso crónico de paracetamol
    • Inibidores da anidrase carbónica
  • Acidose dilucional

Revisão de Ácido-base

Os distúrbios ácido-base são classificadas de acordo com o distúrbio primário (respiratório ou metabólico) e a presença ou ausência de compensação.

Identificar o distúrbio primário

Considerar o pH, a PCO2, e o HCO3 para determinar o distúrbio primário.

  • Valores normais:
    • pH: 7,35-7,45
    • PCO2: 35-45 mm Hg
    • HCO3: 22-28 mEq/L
  • Diferença entre “-emia” e “-ose”:
    • O sufixo “-emia” refere-se a “no sangue”:
      • Acidemia: mais H+ no sangue = pH < 7,35
      • Alcalemia: mais iões hidróxido (OH) no sangue = pH > 7,45
    • O sufixo “-ose” refere-se a um processo:
      • Acidose e alcalose referem-se aos processos que causam acidemia e alcalemia, respetivamente.
      • O pH do sangue pode ser normal na acidose e na alcalose.
  • Distúrbios respiratórios primários (não compensados):
    • Distúrbios causados por alterações na PCO2
    • Tanto o pH como a PCO2 são anormais, em direções opostas
    • Acidose respiratória primária : pH < 7,35 e PCO2 > 45
    • Alcalose respiratória primária : pH > 7,45 e PCO2 < 35
  • Distúrbios metabólicos primários (não compensados):
    • Distúrbios causados por alterações no HCO3
    • Tanto o pH como a PCO2 são anormais, na mesma direção
    • Acidose metabólica primária não compensada:
      • pH < 7,35 e PCO2 < 40
      • Pense: “Então a acidose não se deve ao ↑ CO2; deve dever-se à ↓ HCO3sérico” → acidose metabólica
      • Confirme olhando para o HCO3: será baixo (< 22 mEq/L)
    • Alcalose metabólica primária não compensada:
      • pH > 7,45 e PCO2 > 40
      • Pense: “Então a alcalose não se deve à ↓ CO2; deve dever-se ao ↑ HCO3 sérico” → alcalose metabólica
      • Confirme olhando para o HCO3: será alto (> 28 mEq/L)
  • Distúrbios simples:
    • Presença de qualquer um dos distúrbios acima com compensação apropriada
    • Os distúrbios respiratórios são compensados por mecanismos renais.
    • Os distúrbios metabólicos são compensados por mecanismos respiratórios.
  • Distúrbios mistos: presença de 2 distúrbios primários

Compensação

Quando um paciente desenvolve acidose ou alcalose, o corpo tentará compensar. Muitas vezes, a compensação resultará num pH normal.

  • Nos distúrbios ácido-base metabólicos primários, os pulmões podem tentar compensar, numa tentativa de normalizar o pH.
    • Os pulmões respondem à acidose metabólica com ↑ ventilação
    • Os pulmões respondem à alcalose metabólica com ↓ ventilação
  • Interpretação dos níveis de HCO3séricos:
    • Valores normais: 22-28 mEq/L
    • ↑ HCO3 deve-se a qualquer um de:
      • Alcalose metabólica, ou
      • Acidose respiratória crónica compensada
    • ↓ HCO3 deve-se a qualquer um de:
      • Acidose metabólica, ou
      • Alcalose respiratória crónica compensada

Fisiopatologia

Fisiopatologia

A acidose metabólica é causada por 1 de 3 processos primários, nomeadamente, um aumento da produção de ácido, uma perda de bases, ou uma excreção ácida deficiente.

  • ↑ Produção de ácido:
    • Acidose lática:
      • A hipoxia tecidual causa uma alteração do metabolismo aeróbio para o anaeróbio → produção de ácido lático a partir da glicólise
      • Normalmente devido a choque ou a sépsis
    • Cetoacidose:
      • Metabolismo anormal da glicose → dependência da cetose para obtenção de energia
      • Devido a diabetes descompensada, abuso de álcool e/ou fome
    • Álcoois tóxicos:
      • Metanol (encontrado no álcool mal produzido, bebidas contrabandeadas) → convertido em ácido fórmico no corpo (leva à cegueira)
      • Etilenoglicol (um componente de antifreeze) → convertido em ácidos glicólico e oxálico no corpo (leva a LRA)
    • Fármacos:
      • Overdose de aspirina
      • Uso crónico de paracetamol
  • Excreção de H+ deficiente:
    • Acidose tubular renal tipo 1
    • Acidose tubular renal tipo 4
    • Insuficiência renal/ ↓ filtração glomerular: leva a uma acumulação de múltiplos ácidos
  • Perda de HCO3:
    • Diarreia:
      • Perda direta de HCO3 nas fezes
      • Perda direta de HCO3 potencial (por exemplo, propionato, butirato) nas fezes
    • Exposição da urina à mucosa gastrointestinal:
      • Exemplos: conexão cirúrgica entre ureteres e trato gastrointestinal, criação de uma bexiga de substituição usando mucosa gastrointestinal.
      • O H+ na urina é reabsorvido pela mucosa gastrointestinal.
      • O HCO3 não é reabsorvido pela mucosa gastrointestinal → perdido nas fezes
    • Acidose tubular renal tipo 2:
      • Reabsorção de HCO3 no túbulo proximal deficiente → perda de HCO3 na urina
      • Também conhecida como acidose tubular renal proximal
    • Inibidores de anidrase carbónica:
      • Défice de reabsorção de HCO3 no túbulo proximal → perda de HCO3 na urina
      • Exemplos: acetazolamida, topiramato
  • Acidose dilucional:
    • Devido à administração excessiva de NaCl a 0,9%
    • NaCl a 0,9% tem um pH de 5,5, concentração de Cl de 154 mmol/L, e não contém HCO3.
    • Não ocorre com cristaloides equilibrados (por exemplo, solução de lactato de Ringer ou Plasma-Lyte)
Relação entre ph plasmático e hco3- plasmático na acidose metabólica não compensada

Relação entre pH plasmático e HCO3 plasmático na acidose metabólica não compensada (1):
Observe como a diminuição do HCO3 reduz a PCO2.

Imagem por Lecturio.

Compensação respiratória

Ocorre alcalose respiratória compensatória em resposta à acidose metabólica.

  • Hiperventilação → ↑ ventilação alveolar → ↓ PCO2 → ↑ pH
  • O processo é relativamente rápido:
    • Começa dentro de minutos.
    • O efeito total é visto em 24 horas.
    • Devido à velocidade de compensação, o grau de compensação não é utilizado para diferenciar a acidose metabólica aguda da crónica.
  • A variação na PaCO2 pode ser estimada por:
    • PCO2 = HCO3 sérico + 15
    • PCO2 = porção decimal do pH (por exemplo, pH 7,3 prediz um PCO2 de 30)
    • O PCO2 mais baixo possível resultante da compensação respiratória é de 8-12 mm Hg.
Compensação respiratória da acidose metabólica

Compensação respiratória da acidose metabólica:
À medida que a PCO2 diminui, a curva desloca-se para baixo e para a direita ao longo da “linha do tampão de sangue” (2). À medida que a curva se desloca, o pH aumenta em direção ao normal.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

A apresentação clínica depende da etiologia subjacente. Os sintomas podem incluir:

  • Respiração de Kussmaul (respiração lenta e profunda)
  • Diarreia
  • Cetoacidose:
    • Poliúria
    • Polidipsia
    • Dor epigástrica
    • Vómitos
  • Lesão renal:
    • Nocturia
    • Poliúria
    • Prurido
  • Envenenamento por metanol: sintomas visuais (fotofobia, escotomas, cegueira)
  • Overdose de salicilatos:
    • Acufenos
    • Visão turva
    • Vertigens

Diagnóstico e Tratamento

A acidose metabólica tem uma longa lista de potenciais etiologias, muitas das quais podem estar presentes em simultâneo. Os conceitos de anion gap (AG) e osmolal gap são úteis quando o diagnóstico não é evidente apenas pela história.

Anion gap

O AG pode ser usado para reduzir a lista de diagnósticos diferenciais.

  • Em condições normais no sangue: total de catiões = total de aniões
    • Catiões principais: Na+ e K+ (outros são insignificantes)
    • Aniões principais: Cl e HCO3; no entanto:
      • Outros aniões também são significativos (principalmente albumina).
      • Estes “aniões não medidos” são o valor do AG.
  • AG = (Na++ K+) – (HCO3+ Cl)
    • Algumas fontes irão omitir o K+ (ou seja, AG = Na+ – (HCO3 + Cl)).
    • AG normal: 8-16 mEq/L
      • O intervalo normal é de 4-12 mEq/L, se o K+ não estiver incluído.
      • Ambos podem diferir ligeiramente, dependendo do intervalo de referência do laboratório.
  • Níveis de Cl: diferem entre acidose com aumento do AG e acidose sem aumento do AG
    • Nenhuma alteração na acidose com aumento do AG
    • Aumento compensatório de Cl na acidose sem aumento do AG
      • ↑ Cl mantém o AG dentro do intervalo normal
      • Também conhecida como “acidose metabólica hiperclorémica“.
  • O AG é útil para categorizar (e auxiliar no diagnóstico de) etiologias comuns.
Componentes do anion gap

Componentes do anion gap

Imagem por Lecturio.
Tabela: Diagnóstico diferencial da acidose metabólica de acordo com o anion gap
Anion gap aumentado
  • Cetoacidose:
    • Diabetes mellitus
    • Fome
  • Acidose lática
  • DRC severa (TFG <15-20 mL/min)
  • Álcoois tóxicos (metanol, etilenoglicol)
  • Intoxicação por aspirina
  • Uso crónico de paracetamol
Anion gap normal (hipercloremia)
  • Diarreia
  • Acidose tubular renal (todos os tipos)
  • DRC moderada (TFG 20-50 mL/min)
  • Doença de Addison (insuficiência adrenal)
  • Acidose dilucional
  • Inibidores da anidrase carbónica

Gap osmolal

  • Usado para determinar se a acidose com aumento do AG é devida a álcoois tóxicos:
    • Só é necessário calcular se o AG estiver aumentado
    • Os álcoois tóxicos aumentam significativamente a osmolalidade plasmática.
  • Gap osmolal = osmolalidade de plasma calculada – osmolalidade de plasma medida:
    • Osmolalidade plasmática = 2(Na+) + (BUN/2.8) + (glucose/18) + (etanol/4.6)
    • O etanol é incluído frequentemente devido à intoxicação concomitante comum.
  • O gap osmolal normal é ≤ 10.
  • Gap osmolal> 25 é muito específico de envenenamento por álcoois tóxicos.

Tratamento

  • Orientado para corrigir a etiologia subjacente (por exemplo, dar insulina e corrigir anomalias de fluidos e eletrólitos na cetoacidose).
  • Considerar dar HCO3 se:
    • A acidose é grave (por exemplo, < 7,1).
    • O paciente tem lesão renal grave.

Relevância Clínica

  • Cetoacidose diabética (CAD): uma complicação da diabetes mellitus descompensada, que segue um padrão característico de acidose metabólica. Inicialmente, o AG aumenta à medida que os cetoácidos se acumulam. Os cetoácidos são uma fonte de potencial HCO3 e na CAD são perdidos na urina. O tratamento com insulina resulta na conversão dos cetoácidos restantes em HCO3. O AG normaliza à medida que os cetoácidos deixam de estar presentes; no entanto, existe um défice total de HCO3 devido à cetonúria anterior. Por rotina, são administrados grandes volumes de NaCl 0,9% durante o tratamento da CAD, o que também contribui para a acidose metabólica sem aumento do AG.
  • Doença renal crónica: a acidose metabólica é uma característica da DRC. A acidose metabólica sem aumento do AG ocorre quando a TFG é < 50 mL/min, e muda para acidose com aumento do AG quando a TFG é < 20 mL/min. Os mecanismos subjacentes são incompletamente compreendidos; contudo, o aumento do AG na DRC grave deve-se em parte à acumulação de ácidos tituláveis (por exemplo, fosfato, urato).
  • Toxicidade da aspirina: um envenenamento relativamente comum com um distúrbio ácido-base misto característico, incluindo alcalose respiratória e acidose metabólica. A aspirina provoca a estimulação direta do impulso respiratório, o que resulta em alcalose respiratória primária. O ácido salicílico causa a acumulação de ácido lático e um aumento primário da acidose metabólica com aumento do AG.
  • Acidose tubular renal: um tipo de acidose metabólica sem aumento de AG causada pela incapacidade dos túbulos renais de excretar H+ devido à diminuição da secreção ácida nos túbulos distais (tipo I), diminuição da reabsorção de HCO3 nos túbulos proximais (tipo II), ou diminuição da libertação ou da resposta da aldosterona (tipo IV).

Referências

  1. Boyer, E.W., Weibrecht, K.W. (2020). Salicylate (aspirin) poisoning in adults. UpToDate. Retrieved April 2, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/salicylate-aspirin-poisoning-in-adults
  2. Emmett, M., Palmer, B.F. (2020). Acid-base and electrolyte abnormalities with diarrhea. UpToDate. Retrieved April 2, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/acid-base-and-electrolyte-abnormalities-with-diarrhea
  3. Emmett, M., Szerlip, H. (2020). Approach to the adult with metabolic acidosis. UpToDate. Retrieved April 2, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-adult-with-metabolic-acidosis
  4. Sivilotti, M.L.A. (2020). Methanol and ethylene glycol poisoning: Pharmacology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate. Retrieved April 2, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/methanol-and-ethylene-glycol-poisoning-pharmacology-clinical-manifestations-and-diagnosis

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