Urticária

A urticária é caracterizada por áreas elevadas e bem circunscritas (pápulas) de edema e eritema (vermelhidão) com prurido associado que atingem a derme e a epiderme. A urticária não é uma doença única, mas sim um padrão de reação representativo da desgranulação cutânea dos mastócitos, que provoca a libertação de histamina e outras substâncias vasoativas dos mastócitos e basófilos, resultando no extravasamento de plasma para a derme. A urticária pode ser causada por diversos eventos incitantes, incluindo reações alérgicas, infeções, exposições e outros. O diagnóstico é clínico. Os antagonistas H1 são utilizados como tratamento de 1.ª linha.

Última atualização: Jun 30, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A urticária é uma reação vascular cutânea observada como uma aparência transitória de manchas ligeiramente elevadas (pápulas), mais vermelhas ou mais pálidas do que a pele adjacente e, muitas vezes, acompanhadas de prurido significativo.

Epidemiologia

  • A urticária é a doença dermatológica mais comum observada no Serviço de Urgência.
  • Cerca de 15%–20% da população geral apresenta um episódio de urticária aguda durante a sua vida.
  • Incidência de urticária crónica ao longo da vida: 2%–3%.
  • A urticária pode ocorrer em qualquer faixa etária.
  • Categorias:
    • Urticária aguda:
      • Duração < 6 semanas
      • Semelhante em homens e mulheres
    • Urticária crónica:
      • Sinais e sintomas que surgem 2 – 3 dias por semana
      • Duração > 6 semanas
      • Mais frequente no sexo feminino (60%)
      • A urticária crónica é mais comum entre os 40 e 60 anos de idade.

Etiologia

As urticárias mediadas por IgE (hipersensibilidade tipo I, libertação de histamina dos mastócitos) são frequentemente desencadeadas pela exposição a determinados alergénios:

  • Alimentos: peixe, marisco, ovos, nozes, amendoins, leite, soja
  • Fármacos: penicilinas, cefalosporinas
  • Veneno de insetos: picadas de abelha
  • Inalantes: ácaros, pólens, bolores, pelos de animais
  • Produtos sanguíneos
  • Látex
  • Pressão cutânea, frio ou calor
  • Stress emocional
  • Exercício físico
  • Ocorre em minutos a 2 horas após a exposição

Urticária não mediada por IgE (libertação de histamina secundária a):

  • Narcóticos
  • Relaxantes musculares:
    • Atracúrio
    • Vecurónio
    • Succinilcolina
    • Curare
  • Vancomicina
  • Produtos de radiocontraste
  • Pseudoalergénios (certos alimentos):
    • Tomates
    • Morangos
  • AINEs
  • Reações mediadas por complexos autoimunes (hipersensibilidade tipo III)

Urticárias físicas:

  • Ocorrem nas formas aguda e crónica
  • As pápulas desenvolvem-se minutos após a exposição a fatores físicos:
    • Temperatura fria
    • Calor
    • Vibração (urticária vibratória)
    • Pressão (urticária de pressão)
    • Água (urticária aquagénica)
    • Luz solar (urticária solar)

Fisiopatologia

Patogénese

  • A urticária é mediada por mastócitos cutâneos.
  • Estes mastócitos libertam múltiplos mediadores (histamina e outras substâncias) na derme superficial.
  • Quando os mastócitos libertam mediadores vasoativos na derme mais profunda e nos tecidos subcutâneos, surge o angioedema.
  • O angioedema que acompanha a urticária geralmente atinge a face, lábios, extremidades e genitais.

Urticárias alérgicas mediadas por IgE

  • Geralmente associadas a um alergénio exógeno (reação de hipersensibilidade tipo I) ou infeção aguda
  • Geralmente com início agudo:
    • Desenvolvimento imediato (em minutos) de pápula edematosa e eritematosa
    • Evolução e resolução em < 24 horas
  • Os alergénios ligam-se aos anticorpos IgE nos recetores Fc dos mastócitos → libertação de substâncias vasoativas com extravasamento de plasma para a derme
  • Histamina:
    • Substância vasoativa mais importante
    • Estimulação de recetores H1:
      • Locais com endotélio e músculo liso
      • Aumento da permeabilidade capilar
    • Estimulação de recetores H2:
      • Dilatação de arteríolas e vénulas
      • Extravasamento de fluido na derme
  • Outras substâncias vasoativas:
    • Bradicinina
    • Leucotrieno C4
    • Prostaglandina D2
Mecanismo de reação de hipersensibilidade tipo 1 envolvido em urticárias mediadas por ige

Mecanismo da reação de hipersensibilidade tipo 1 envolvido na desgranulação de mastócitos mediada por IgE

Imagem por Lecturio.

Urticária não alérgica

  • Libertação de histamina não mediada por IgE: secundária à exposição a substâncias específicas
  • Maior probabilidade de estar associada a doenças autoimunes

Apresentação Clínica

Início

  • Aguda:
    • Desenvolve-se em minutos até 2 horas após a exposição
    • Formação de pápulas edematosas e eritematosas:
      • Palidez central com pele circundante eritematosa
      • Lesões únicas ou múltiplas
      • Tamanho e forma variáveis
      • Normalmente tornam-se claras com a aplicação de pressão
    • Prurido (severo) é comum.
    • Duração < 6 semanas
  • Crónica:
    • Duração > 6 semanas
    • 2 ou mais episódios por semana
    • A aparência é idêntica à da forma aguda.
    • O prurido, às vezes grave, é comum.
    • Diversos potenciais desencadeantes
    • Etiologia idiopática comum

Características clínicas

  • As pápulas apresentam classicamente:
    • Edema
    • Eritema
    • Bordas bem demarcadas
    • Palidez central
    • Pele circundante eritematosa
    • Podem ser localizadas ou generalizadas
  • As pápulas dissipam-se rapidamente (< 24 horas).
  • Prurido: sintoma associado mais comum
  • O angioedema está presente em simultâneo em metade dos pacientes com urticária.

Diagnóstico

História clínica

  • Pápulas:
    • Início rápido
    • Rápida resolução (< 24 horas)
    • Normalmente sem dor
  • Prurido
  • Duração:
    • Aguda: < 6 semanas
    • Crónica:
      • > 6 semanas
      • Vários episódios por semana
  • História de exposição a agentes desencadeantes:
    • Alimentos
    • Fármacos
    • Mordeduras/picadas de insetos
    • Infeções (respiratórias superiores)
    • Produtos sanguíneos
    • Látex
    • Pressão cutânea
    • Stress emocional
    • Exercício físico
    • Produtos de radiocontraste
  • Doença autoimune comórbida
  • História familiar:
    • Doenças autoimunes
    • Urticária

Exame objetivo

  • As pápulas podem ou não estar presentes no momento do exame.
  • Aparência da pápula na pele:
    • Palidez central
    • Pele circundante eritematosa
    • Edema
    • Eritema
    • Bordas bem demarcadas
    • Lesões únicas ou múltiplas
    • Tamanho e forma variáveis
    • A pápula torna-se clara com a aplicação de pressão.

Testes de provocação

Os testes de provocação podem ser utilizados para desencadear sintomas de urticária física.

  • Pressão:
    • Tocar na pele com objeto contundente; desenvolvimento de pápulas em poucos minutos (dermografismo)
  • Pressão atrasada:
    • Aplicação de pressão sustentada com peso suspenso ou dermógrafo calibrado a 100 g/mm²
    • Desenvolvimento de urticária em 24 horas
  • Temperatura central:
    • Aumentar a temperatura corporal em 1,0°C.
    • Rápido desenvolvimento de pápulas
  • Temperatura de superfície:
    • Frio: aplicar bolsa de gelo durante/até 20 minutos.
    • Calor: aplicar objeto aquecido durante 2 – 5 minutos.
  • Solar: desenvolvimento de pápulas em minutos após a exposição à luz solar
  • Água: aplicar água na pele.
  • Vibração: aplicar um vórtex vibratório no antebraço durante 1 – 5 minutos.

Análises laboratoriais

  • Mais frequentemente realizadas na urticária crónica
  • Geralmente efetuadas para avaliar o processo da doença subjacente:
    • Hemograma com contagem diferencial de células
    • VS
    • PCR
    • Testes de função tiroideia
    • ANAs
    • Crioglobulinas séricas (urticária ao frio)
    • Avaliação de alergias
    • Anticorpos anti-IgE, anti-FcεRI e teste cutâneo do soro autólogo (TCSA) para a urticária autoimune
    • Biópsia por punção (suspeita de vasculite urticariforme)

Tratamento

Medidas de suporte/profiláticas

  • Cerca de ⅔ das urticárias agudas de início recente resolvem espontaneamente sem necessidade de medicação.
  • Evicção de desencadeantes
  • Aplicação de hidratante tópico refrescante para diminuir o prurido
  • Exposição controlada repetida a fatores físicos para induzir tolerância

Fármacos

  • Antagonistas H1:
    • Não sedativos:
      • Tratamento de 1.ª linha
      • Loratadina
    • Moderadamente sedativos:
      • Tratamento de 2.ª linha: cetirizina
    • Sedativos:
      • Anti-histamínicos de 1.ª geração
      • Difenidramina
  • Glucocorticoides:
    • Angioedema proeminente ou sintomas persistentes apesar do tratamento com anti-histamínicos
    • Prednisona
    • Prednisolona
  • Antagonistas do recetor de leucotrienos:
    • Montelucaste
    • Zafirlucaste
  • Omalizumab: anticorpo monoclonal contra a IgE
  • Fármacos imunossupressores:
    • Ciclosporina
    • Micofenolato mofetil
  • Fármacos anti-inflamatórios:
    • Dapsona
    • Sulfassalazina
    • Hidroxicloroquina

Associação com anafilaxia

Se urticária associada a anafilaxia:

  • Abordagem em serviço de emergência
  • Proteção das vias aéreas (entubação/traqueostomia)
  • Adrenalina

Diagnóstico Diferencial

  • Dermatite atópica (eczema): doença cutânea que se caracteriza por manchas eritematosas intensamente pruriginosas com pápulas e alguma descamação com um curso de doença mais prolongado: a dermatite atópica está frequentemente associada a níveis séricos elevados de IgE e história pessoal ou familiar de atopia. Aparece mais frequentemente em crianças. O tratamento inclui a evicção dos desencadeantes e o uso de emolientes e hidratantes, agentes anti-inflamatórios tópicos, anti-histamínicos e corticosteroides tópicos.
  • Dermatite de contacto: uma dermatite eritematosa, papular, frequentemente com áreas de vesiculação. Ocorre por exposição direta da pele a um irritante agressivo, com efeito citotóxico direto. O diagnóstico é feito pela história e achados ao exame objetivo. O tratamento inclui a evicção de irritantes e a adoção de medidas de proteção, bem como o uso de emolientes e hidratantes. Os corticosteroides tópicos são o tratamento de 1.ª linha.
  • Penfigóide bolhoso: uma doença bolhosa autoimune: os autoanticorpos atacam os hemidesmossomas, que conectam os queratinócitos epidérmicos à membrana basal, resultando na formação de bolhas subepidérmicas extensas e sob tensão. O diagnóstico é realizado com biópsia e coloração com imunofluorescência para identificar e localizar os anticorpos. O tratamento envolve o uso de imunossupressão com corticosteroides e outros agentes imunomoduladores poupadores de corticosteroides.
  • Exantemas víricos: geralmente não pruriginosos, consistem em erupções maculopapulares eritematosas que persistem durante dias: a febre está frequentemente presente. As máculas são relativamente fixas, com o aparecimento de novas lesões à medida que as lesões mais antigas entram em resolução. Mais comum em crianças. O diagnóstico é clínico. O tratamento é sintomático.
  • Eritema multiforme minor: síndrome caracterizada por máculas eritematosas em forma de íris e lesões vesicobolhosas com aparência em alvo: estas lesões podem ser dolorosas ou pruriginosas e apresentam distribuição simétrica nas superfícies extensoras das extremidades, principalmente nas palmas e plantas, com duração de dias, potencialmente acompanhadas de febre e mal-estar. O curso clínico é geralmente autolimitado sem sequelas significativas. O diagnóstico é clínico e, por vezes, é necessária biópsia cutânea. O tratamento geralmente é sintomático.

Referências

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  3. Saini S. (2021).  Chronic spontaneous urticaria: clinical manifestations, diagnosis, pathogenesis, and natural history.  In Callen J. (Ed.), UpToDate.  Retrieved March 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/chronic-spontaneous-urticaria-clinical-manifestations-diagnosis-pathogenesis-and-natural-history
  4. Wong H. (2020). Urticaria. In Elston D. (Ed.), Medscape. Retrieved March 14, 2021, from https://reference.medscape.com/article/762917-overview
  5. Schwartz R. (2021). Cholinergic urticaria. In Elston D. (Ed.), Medscape.  Retrieved March 14, 2021, from https://reference.medscape.com/article/1049978-overview
  6. Diakow, M., (2018). Chronic Urticaria. In James, W. (Ed.), Medscape.  Retrieved March 14, 2021, from https://reference.medscape.com/article/1050052-overview
  7. Frigas E, Park MA. (2009). Acute urticaria and angioedema: diagnostic and treatment considerations. Am J Clin Dermatol 10(4):239–50.

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