Tuberculose

A tuberculose (TB) é uma doença infeciosa causada por bactérias do complexo Mycobacterium tuberculosis. Estas bactérias atacam geralmente os pulmões, no entanto, podem também danificar outras partes do corpo. Cerca de 30% das pessoas em todo o mundo encontram-se infetadas com este agente patogénico, sendo que a maioria apresenta uma infeção latente. A tuberculose transmite-se pelo ar quando uma pessoa com infeção pulmonar ativa tosse ou espirra. As bactérias M. tuberculosis são álcool-ácido resistentes, de crescimento lento, e podem sobreviver no interior dos macrófagos, permitindo uma infeção latente que pode permanecer assintomática por décadas, representando um desafio para o seu diagnóstico, tratamento e prevenção. O diagnóstico é estabelecido pelo teste tuberculínico, pela cultura de expetoração e pela imagiologia pulmonar. A base do tratamento são os fármacos antituberculosos.

Última atualização: May 31, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A tuberculose (TB) é uma doença infeciosa que afeta os pulmões e, por vezes, outros órgãos, sendo causada por bactérias do complexo Mycobacterium tuberculosis (CMTB).

Epidemiologia

  • A tuberculose é a doença infeciosa mais mortal do mundo, com cerca de 1,4 milhões de mortes por ano.
  • 30% da população mundial está infetada com TB.
  • 10% das pessoas infetadas irão desenvolver a forma ativa da doença.
  • Em 2019, 10 milhões de pessoas contraíram tuberculose.
  • A TB é a principal causa de morte em doentes com o vírus da imunodeficiência humana (VIH).
  • Incidência: 2,7 por 100.000 pessoas nos Estados Unidos (2019)
  • Regiões com maior incidência de TB:
    • Sudeste asiático
    • África
    • Pacífico Ocidental
  • Fatores de risco:
    • Doentes institucionalizados
    • Utilizadores de drogas endovenosas
    • VIH ou outra imunodeficiência
    • Viagens para regiões de alto risco
Prevalência da tuberculose

Prevalência estimada de tuberculose por 100.000 pessoas em 2007, por país

Imagem: “Estimated prevalence of tuberculosis” by Eubulides. Licença: Domínio Público

Fisiopatologia

Agente etiológico

O complexo M. tuberculosis é um grupo de espécies capazes de causar tuberculose em humanos ou noutros animais.

Espécies-chave:

  • M. tuberculosis
  • M. bovis
  • M. africanum
  • M. microti
  • M. canetti

Características:

  • Álcool-ácido resistentes:
    • Propriedade conferida pelo ácido micólico
    • Não perdem a cor com álcool ácido após terem sido coradas com coloração de anilina
  • Coloração de Gram:
    • Geralmente não consegue penetrar na parede celular cerosa do CMTB
    • Não produz coloração ou apresenta resultados variáveis
  • Crescimento lento
  • Aeróbios obrigatórios
Coloração ácido-resistente de mycobacterium tuberculosis

Coloração álcool-ácido resistente do M. tuberculosis

Imagem: “Mycobacterium tuberculosis bacteria” de CDC/Dr. George P. Kubica. Licença: Domínio Público

Fatores de virulência:

  • Invólucro celular:
    • Constituinte principal: ácido micólico
    • O ácido micólico está ligado aos glicolípidos.
    • Os glicolípidos são responsáveis pela “formação do cordão” na microscopia (corresponde grosseiramente à formação do granuloma).
  • Catalase-peroxidase: resiste à resposta oxidativa da célula hospedeira
  • Sulfatídeos e dimicolato de trealose: desencadeia toxicidade
  • Lipoarabinomanano (LAM): induz as citocinas

Transmissão:

  • Exclusivamente por via aérea
  • A partir de doentes com TB ativa

Patogénese

  • O 1º passo é a inalação de gotículas de aerossol.
  • As gotículas depositam-se nos pulmões.
  • 3 resultados possíveis:
    • Eliminação das bactérias
    • Doença ativa primária
    • Infeção latente (a doença clínica pode ocorrer muitos anos depois)

Doença ativa primária:

  • Proliferação das bactérias nos macrófagos alveolares
  • As citocinas produzidas pelos macrófagos atraem outras células fagocitárias.
  • Forma-se um tubérculo (estrutura granulomatosa).
  • O tubérculo expande-se para o parênquima pulmonar → Complexo de Ghon
  • As bactérias podem então disseminar-se para os gânglios linfáticos → adenopatias
  • Complexo de Ghon + Adenopatias/calcificação → Complexo de Ranke
  • Se a disseminação não for controlada pelas células imunes, pode ocorrer bacteriémia com infeção de outros órgãos (sementeira) → TB miliar
  • Quando as bactérias conseguem erodir as vias aéreas (granulomas caseosos), o doente torna-se contagioso.
  • A infeção pode progredir para a cronicidade com episódios de melhoria e posterior cicatrização das lesões.
  • A erradicação espontânea é rara.

Infeção latente:

  • O risco de reativação ao longo da vida é de 5 a 10%.
  • A imunossupressão é um fator inegável para a reativação.
  • Fatores de risco:
    • VIH
    • Doença renal
    • Diabetes
    • Corticoides
    • Linfoma
    • Idade avançada
    • Tabagismo

Apresentação Clínica

Apresentação clínica da tuberculose

Diagrama esquemático que descreve as várias apresentações clínicas da tuberculose juntamente com os mecanismos patológicos característicos de cada apresentação

Imagem de Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Tuberculose primária

  • A doença primária sintomática desenvolve-se em apenas cerca de 10% das pessoas infetadas.
  • Febre:
    • Sintoma mais comum
    • Sobretudo de baixo grau, mas pode ser de até 39°C (102,2°F)
    • Pode durar até 10 semanas, mas em média dura 14 a 21 dias
  • Dor torácica pleurítica (pode ou não estar associada a derrame pleural)
  • Dor retroesternal/interescapular (devido às adenopatias brônquicas)
  • Tosse
  • Fadiga
  • Artralgias
  • Faringite

Reativação da tuberculose

  • Os segmentos mais comummente envolvidos são os apicais dos lobos superiores e os segmentos superiores dos lobos inferiores, provavelmente devido a:
    • Maior oxigenação
    • Menor drenagem linfática
  • O início dos sintomas é gradual; pode permanecer não diagnosticada por 2 a 3 anos
    • Febre:
      • Inicialmente de baixo grau, agravando com o avançar da doença
      • Classicamente diurna: picos à tarde (vespertinos), afebril durante a noite e ao início da manhã
    • Suores noturnos
    • Tosse:
      • Inicialmente ligeira, com agravamento gradual
      • Inicialmente apenas durante a manhã
      • Torna-se mais produtiva (expetoração amarelo-esverdeada) à medida que a doença progride
      • Tosse noturna e hemoptises: doença avançada
    • Na presença de pneumotórax ou de derrame pleural, o doente pode apresentar dispneia (raro).
    • Anorexia, emaciação, mal-estar
    • Úlceras da cavidade oral, língua, laringe e esófago: devido às secreções expetoradas infetadas.

Tuberculose extrapulmonar e miliar

  • Podem desenvolver-se no decurso da doença primária ou de uma reativação.
  • Em até 15%–20% dos casos ativos
  • Mais comum em crianças e em indivíduos imunocomprometidos
  • Manifestações extrapulmonares (podem afetar qualquer sistema de órgãos):
    • Pleurisia tuberculosa
    • Insuficiência da suprarrenal
    • Meningite
    • Espondilite tuberculosa (Doença de Pott , infeção por TB de > 1 vértebra)
    • Pericardite constritiva
    • Lupus vulgaris (nódulos castanho-avermelhados que geralmente aparecem no rosto na região perinasal, nas pálpebras, lábios, bochechas, orelhas e pescoço)
    • Escrófula (linfadenite cervical)
    • Piúria estéril
  • Tuberculose miliar:
    • Disseminação maciça da infeção através do sangue e dos vasos linfáticos
    • Pequenas lesões granulomatosas em múltiplos órgãos

Diagnóstico

História clínica

  • Viagem para áreas endémicas
  • Exposição a indivíduos com infeção ativa conhecida ou suspeita
  • VIH ou outras deficiências imunológicas
  • Profissionais de saúde
  • Indivíduos que vivem em centros de acolhimento para sem-abrigo ou em estabelecimentos prisionais

Exame objetivo

  • Os achados são muitas vezes inespecíficos.
  • Manifestações pulmonares:
    • Macicez à percussão (derrame)
    • Crepitações na auscultação
    • Sons respiratórios distantes e “ocos”
  • Extrapulmonares (dependendo dos órgãos envolvidos):
    • Adenopatias cervicais
    • Hepatomegalia/esplenomegalia
    • Ascite, icterícia
    • Meningismo, alteração do estado mental
    • Alterações cutâneas (lúpus vulgar)

Imagiologia

  • Radiografia de tórax:
    • Pode ser normal na tuberculose primária
    • Adenopatias hilares
    • Complexo de Ghon: gânglios linfáticos hilares aumentados + opacidades locais
    • Foco de Assmann: infiltrado infraclavicular
    • Derrame pleural
    • Reativação da TB:
      • Focos de Simon (pequenas cicatrizes calcificadas resultantes da infeção primária)
      • Infiltra-se nos segmentos apicais e nos segmentos superiores dos lobos inferiores
      • Cavitações com níveis hidroaéreos
  • Tomografia computorizada (TC):
    • Mais sensível que o raio-X simples
    • Usada se a radiografia de tórax for inespecífica ou se for considerado um diagnóstico alternativo.

Identificação laboratorial

  • Expetoração:
    • 3 amostras, pelo menos 1 no início da manhã
    • Esfregaço de bacilos álcool-ácido resistentes
    • Cultura micobacteriana
    • Teste de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT, pela sigla em inglês)
  • Cultura micobacteriana de sangue ou urina: em doentes com VIH ou imunocomprometidos
  • Teste tuberculínico (TST; derivado de proteína purificada (PPD) ou teste de Mantoux):
    • Injeção intradérmica de antigénio tuberculínico
    • Pode detetar infeção ativa ou latente
    • Mede-se a área de enduração em 48–72 horas; positivo se:
      • > 5 mm em doentes com VIH, imunossupressão ou contacto recente com TB
      • > 10 mm em doentes de países de alto risco, utilizadores de drogas intravenosas, médicos e trabalhadores de laboratórios
      • > 15 mm em doentes sem fatores de risco conhecidos para TB
  • Ensaio de libertação de interferão-y (IGRA): não distingue entre TB ativa e inativa

Tratamento

Tratamento farmacológico

  • A base do tratamento são os fármacos antituberculosos.
  • Geralmente existem 2 fases de tratamento: intensiva e de manutenção
  • Prefere-se o tratamento diretamente observado (TDO):
    • Os fármacos são administrados aos doentes.
    • A administração por profissionais de saúde garante a adesão terapêutica e a administração correta.

Resumo dos esquemas terapêuticos antituberculosos

Tabela: Regimes de tratamento da tuberculose
Fase inicial Fase de manutenção
Tuberculose ativa
  • Isolamento por 4-6 semanas
  • 2 meses de RIPE:
    • Rifampicina (RIF)
    • Isoniazida (INH)
    • Pirazinamida (PZA)
    • Etambutol (EMB)
  • 4 meses de:
    • INH
    • RIF
  • Monitorização da expetoração durante 2 anos
Tuberculose latente Opções terapêuticas:
  • RIF por 4 meses
  • INH por 6-9 meses
  • INH + RIF por 3 meses
  • INH + rifapentina (RPT) por 3 meses

Prevenção

  • Rastreio com TST dos indivíduos de alto risco
  • Isolamento dos indivíduos com infeção pulmonar ativa
  • Vacina BCG (bacilo Calmette-Guérin):
    • Forma não virulenta de M. bovis usada como vacina viva para conferir imunidade ativa contra as formas graves de TB
    • Não recomendada como vacina universal nos países com baixa prevalência de TB
    • Pode ser considerada em alguns indivíduos com alto risco de exposição: crianças e adolescentes < 16 anos num país de incidência elevada.
    • 70%–80% eficaz contra as formas mais graves de TB (TB miliar, meningite tuberculosa)
    • Efeito reduzido contra a tuberculose respiratória
    • Sem evidência de eficácia em adultos > 35 anos
    • Contraindicada se reação positiva à tuberculina, SIDA ou imunossupressão
    • A administração da vacina resultará num TST positivo.

Prognóstico

  • O tratamento com fármacos antituberculosos tem 85% de sucesso em todo o mundo.
  • Taxa de mortalidade de 15% em todo o mundo.
  • 2.5%–5% de taxa de falência terapêutica ou de recaída nos Estados Unidos

Diagnóstico Diferencial

  • Bronquite crónica: tipo de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) que consiste na inflamação e edema das vias aéreas, resultando em tosse produtiva que está presente por > 3 meses por ano em > 2 anos consecutivos. O diagnóstico é estabelecido pela história clínica, exame objetivo e testes de função pulmonar. O tratamento envolve broncodilatadores e corticoides.
  • Pneumonia atípica: forma de infeção pulmonar que normalmente tem um início e progressão lentos e que se apresenta com tosse seca e sintomas extrapulmonares como fadiga, mal-estar e cefaleias. O diagnóstico é feito a partir da história clínica, exame objetivo e imagem do tórax. A pneumonia atípica é geralmente tratada com antibióticos.
  • Infeção pelo complexo M. avium (MAC): doença definidora de SIDA. O complexo Mycobacterium avium inclui espécies de micobactérias não tuberculosas que causam uma infeção oportunista que acomete tipicamente doentes imunocomprometidos. Manifesta-se por febre, sudorese noturna, perda de peso, dor abdominal e diarreia. O tratamento inclui antibióticos (macrólidos e etambutol).
  • Micoses pulmonares: doenças fúngicas geralmente causadas por agentes patogénicos oportunistas que infetam doentes com deficiências imunológicas; incluem a candidíase, criptococose e aspergilose. Os sintomas podem incluir tosse, hemoptises, dispneia, febre, perda de peso e fadiga. O diagnóstico é feito com exames de imagem e histologia. O tratamento envolve antifúngicos sistémicos.
  • Carcinoma brônquico: tipo de cancro de pulmão que surge nas vias aéreas principais. Apresenta-se frequentemente com tosse, hemoptises e sintomas constitucionais. O diagnóstico é estabelecido pela imagem e por biópsia. O tratamento depende do estadiamento e inclui resseção cirúrgica, radioterapia adjuvante e quimioterapia.
  • Doenças granulomatosas:
    • Sarcoidose: doença inflamatória crónica caracterizada pela formação de granulomas não caseosos, tipicamente nos pulmões e, menos frequentemente, no fígado, olhos e pele. A sarcoidose pulmonar apresenta-se com tosse, dispneia, dor torácica e sintomas constitucionais. O diagnóstico definitivo é estabelecido pela histologia. Alguns casos são autolimitados, enquanto outros são tratados com corticoides e fármacos imunossupressores.
    • Pneumoconiose: doença ocupacional que consiste num grupo de doenças pulmonares intersticiais restritivas causadas pela inalação de poeiras tóxicas. Apresenta-se com tosse e dispneia progressiva. Diagnosticada por imagem e histologia. O tratamento é de suporte.
    • Histoplasmose: infeção causada pelo fungo Histoplasma capsulatum. Apresenta-se com sintomas de pneumonia. Também pode causar infeção sistémica difusa nos doentes imunocomprometidos. O diagnóstico é estabelecido pela histologia. O tratamento é realizado com antifúngicos.

Referências

  1. Fordham von Reyn C. (2020). Vaccines for prevention of tuberculosis. Retrieved January 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/vaccines-for-prevention-of-tuberculosis
  2. Pozniak A. (2019). Clinical manifestations and complications of pulmonary tuberculosis. Retrieved January 13, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-complications-of-pulmonary-tuberculosis
  3. Riley L.W. (2019). Tuberculosis: Natural history, microbiology, and pathogenesis. Retrieved January 13, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/tuberculosis-natural-history-microbiology-and-pathogenesis
  4. Sterling, T. (2020). Treatment of drug-susceptible pulmonary tuberculosis in HIV-uninfected adults. Retrieved January 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-drug-susceptible-pulmonary-tuberculosis-in-hiv-uninfected-adults
  5. Tuberculosis (TB). Centers for Disease Control and Prevention. Retrieved January 13, 2021, from https://www.cdc.gov/tb/default.htm

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