Transplante de Órgão

O transplante é um procedimento que envolve a remoção de um órgão ou tecido vivo e a sua colocação numa parte diferente do organismo ou numa pessoa diferente. O transplante de órgão tornou-se numa opção terapêutica de escolha para muitos indivíduos com falência de órgãos em estadio terminal. Este pode oferecer ao indivíduo um tratamento definitivo para determinada doença. Ao longo da última metade de século, os transplantes de órgãos tornaram-se uma prática de sucesso e em evolução que trouxe benefício a mais de 100.000 indivíduos por ano em todo o mundo. De acordo com as diferentes indicações, podem ser transplantados órgãos sólidos assim como células hematopoiéticas derivadas da medula óssea. A tolerância do órgão transplantado pelo sistema imunológico do hospedeiro é controlada pelo uso de estratégias imunossupressoras e imunomoduladoras. As principais complicações associadas ao transplante são a rejeição de órgão ou a falência do enxerto; no entanto, a imunossupressão crónica também está associada a risco de complicações graves, incluindo infeções potencialmente fatais.

Última atualização: Jun 7, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definições

O tecido transplantado pode incluir células (e.g., células estaminais hematopoiéticas), tecidos (e.g., córnea), partes de um órgão (e.g., fígado e enxertos de pele) ou órgãos completos (e.g., rim, coração). Existem muitos termos importantes na medicina associada à transplantação.

  • Enxerto: uma parte de tecido vivo que é transplantado cirurgicamente
  • Autoenxerto:
    • Um enxerto de tecido do próprio indivíduo
    • Sem problemas associados à compatibilidade de tecidos
    • Alta taxa de sucesso
    • Uso na prática clínica:
      • Enxertos de pele de uma parte do corpo para outra
      • Colheita e reinfusão de medula óssea após quimioterapia intensiva
  • Isoenxertos:
    • Transplantes entre 2 indivíduos geneticamente idênticos (gémeos monozigóticos)
    • Ainda existe algum risco de rejeição; tratamento imunossupressor indicado
  • Aloenxertos:
    • Transplantes entre indivíduos geneticamente não idênticos
    • Tipo mais comum
    • Deve existir compatibilidade para redução do risco de rejeição
    • O tratamento imunossupressor está sempre indicado.
  • Enxertos de dadores vivos:
    • Órgãos de um dador vivo
    • Exemplo clássico: transplante renal
  • Enxertos cadavéricos:
    • Órgãos adquiridos após a morte de dadores registados
    • Constituem a maioria dos transplantes atualmente utilizados
    • Os recetores são escolhidos através de uma lista de indivíduos para transplante com base na histocompatibilidade.
  • Xenoenxertos:
    • Tecidos ou órgãos derivados de uma espécie diferente
    • Os xenoenxertos sofrem depleção de todas as células animais para minimizar a rejeição do hospedeiro humano
    • Uso na prática clínica:
      • Válvulas cardíacas de porco em indivíduos com necessidade de substituição valvular
      • Enxertos de pele de porco de espessura parcial para tratamento de indivíduos com queimaduras
  • Heterotópico:
    • Um órgão enxertado para um local diferente do local anatómico habitual
    • Exemplo: um rim transplantado para a fossa ilíaca
  • Ortotópico: tecido enxertado para o local anatómico habitual (transplantes de coração, pulmão e fígado)

Compatibilidade Imunológica

A compatibilidade imunológica entre um dador e um recetor de órgãos é importante para aumentar o sucesso de um transplante e reduzir o risco de rejeição. A tipagem Antigénio Leucocitário Humano (HLA, pela sigla em inglês) é importante para o transplante de células estaminais hematopoiéticas e órgãos sólidos, incluindo transplantes de rim, coração, fígado, pâncreas e pulmão.

Antigénios do Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC, pela sigla em inglês)

  • Antigénios de superfície celular tecidual que regulam a resposta imune
  • Codificados por genes HLA:
    • Irmãos apresentam 25% de probabilidade de possuir genes HLA idênticos.
    • Gémeos idênticos podem apresentar genes HLA 100% idênticos, mas não em todos os casos.
  • Determinam a resposta imune a um órgão transplantado
  • Controlados por genes no cromossoma 6:
    • Os genes HLA-A a HLA-D estão muito próximos entre si.
    • Herdados como 1 bloco com crossover mínimo
Complexo principal de histocompatibilidade

Complexo principal de histocompatibilidade

Imagem por Lecturio.

Classificação de antigénios MHC

  • Classe I:
    • Encontrados na superfície celular de todas as células nucleadas
    • Codificados por genes HLA-A, HLA-B e HLA-C
  • Classe II:
    • Encontrados em células T auxiliares ativadas que expressam CD4
    • Encontrados em células apresentadoras de antigénios (CAAs; e.g., células B, macrófagos)
    • Codificados por genes HLA-D
  • Classe III:
    • Determinam a estrutura de alguns fatores do complemento; fator de necrose tumoral alfa (TNF-α, pela sigla em inglês) importante na inflamação
    • Os genes da classe III estão localizados entre os loci HLA-B e HLA-D.

Princípios da compatibilidade dador-recetor

  • Geralmente os antigénios ABO devem ser compatíveis.
  • Os próprios antigénios HLA não ativam o sistema imunológico; a exposição a outro conjunto de antigénios HLA irá desencadear uma resposta imune.
  • É essencial existir uma compatibilidade próxima entre os antigénios HLA de um dador e de um recetor.
  • Um dador deve corresponder a um mínimo de 6 antigénios HLA do recetor.
  • A compatibilidade HLA é testada por tipagem molecular de alta resolução em linfócitos do sangue periférico ou de gânglios linfáticos.

Mecanismos de Rejeição de Transplante

A rejeição pode ser aguda ou crónica e os sintomas variam conforme o sistema orgânico.

  • O tecido transplantado expressa padrões moleculares associados ao dano → reconhecimento por recetores tipo toll nas células imunes inatas → ativação do sistema imune inato do hospedeiro → rápida libertação de mediadores inflamatórios pelas células imunes
  • O sistema imune inato por si só também pode (raramente) causar rejeição de transplante.
  • As células T são extremamente capazes de responder a moléculas MHC incompatíveis.
  • A estimulação das células T do recetor com aloantigénios pode ocorrer por:
    • Alorreconhecimento direto: as células T do recetor interagem com complexos peptídeo-MHC apresentados por CAAs derivadas do dador.
    • Alorreconhecimento indireto: as células T do recetor interagem com complexos peptídeo-MHC apresentados por CAAs derivadas do recetor.
    • Coestimulação: sinais específicos de antigénios são entregues à célula T → Proliferação de células T e resistência à morte celular por apoptose
  • Papel das células B:
    • Atuam como CAAs, porque expressam MHCs e moléculas coestimuladoras, incluindo CD40
    • Interagem com células T e permitem a produção de citocinas mediadas por células T
    • Produzem aloanticorpos contra:
      • Moléculas MHC incompatíveis
      • Moléculas de histocompatibilidade minor
      • Células endoteliais do dador
    • Expressam recetores do complemento; interagem com células danificadas revestidas pelo complemento
    • Interagem com células natural killer (NK) e macrófagos
    • A rejeição mediada por anticorpos inicia-se logo após o transplante, mas também pode contribuir para a rejeição do enxerto tardia.
  • Aloanticorpos pré-formados no momento do transplante provocam rejeição mediada por anticorpos:
    • Observada com incompatibilidade do grupo sanguíneo ABO
    • Provoca rejeição hiperaguda do enxerto em poucos minutos
    • É extremamente rara
  • A rejeição do transplante resulta em:
    • Infiltração do tecido transplantado por células inflamatórias do hospedeiro
    • Microtrombose vascular
    • Morte do tecido
Tabela: Respostas de rejeição de transplantes
Rejeição Tempo após o transplante Características da rejeição
Hiperaguda Em 48 horas
  • Causada por anticorpos fixadores do complemento preexistentes contra antigénios do enxerto (pré-sensibilização)
  • Observa-se trombose de pequenos vasos e enfarte do enxerto
  • Rara (1%) com rastreio pré-transplante adequado
  • O único tratamento é a remoção do enxerto
Acelerada 3-5 dias
  • Causada por anticorpos preexistentes não fixadores do complemento contra antigénios do enxerto
  • Histopatologia: infiltrados celulares com ou sem alterações vasculares
  • Rara
  • Tratamento: corticosteróides em altas doses; plasmaferese
Aguda > 5 dias
  • Reação de hipersensibilidade tardia mediada por células T contra os antigénios MHC do enxerto
  • Infiltração celular mononuclear com hemorragia, edema e necrose, mas com manutenção da integridade vascular
  • Histopatologia: proliferação de células musculares lisas nos vasos sanguíneos resultando em isquemia e fibrose no órgão enxertado
  • Cerca de 50% das rejeições em 10 anos
  • Tratamento: intensificação da imunossupressão
Crónica Meses a anos
  • Causas diversas: podem estar associadas a anticorpos, complexos imunes, células T
  • Responsável por cerca de 50% das rejeições
  • Progride apesar da imunossupressão

Tratamento Imunossupressor

Os indivíduos recetores de transplantes de órgãos sólidos devem fazer medicação imunossupressora para evitar a rejeição do enxerto. Os fármacos imunossupressores atuais apresentam como alvo a ativação de células T e a produção de citocinas, a expansão clonal de células T ou ambas.

Tratamento imunossupressor de indução

  • Antes e no momento do transplante:
    • Mais intensivo do que o tratamento de manutenção
    • Objetivo: prevenir a rejeição aguda e evitar fármacos de manutenção mais tóxicos
  • Fármacos imunossupressores de indução:
    • Globulina antitimocítica (derivada de coelhos)
    • Anticorpo monoclonal contra o complexo recetor de interleucina-2 expresso em linfócitos T ativados (basiliximab, nome comercial Simulect)
    • Glucocorticóides em altas doses

Imunossupressão de manutenção

  • Apresenta como alvo diversas etapas na ativação de células T
  • Início no momento do transplante e continuação a longo prazo
  • Tratamento combinado com 2 ou 3 agentes durante 6 meses para prevenção da rejeição de órgãos, depois em monoterapia:
    • Glucocorticóides (e.g., prednisona):
      • Suprimem o sistema imunológico e a função suprarrenal
      • Ligam-se a elementos de resposta de glucocorticóides nas regiões promotoras de genes de citocinas
      • Efeitos adversos: hipertensão, hiperlipidemia e intolerância à glicose
    • Inibidores da calcineurina (ICNs) (e.g., ciclosporina, tacrolimus)
      • Inibem a ativação de células T
      • Efeitos adversos da ciclosporina: nefrotoxicidade, hipertensão, dislipidemia, hirsutismo
      • Efeitos adversos do tacrolimus: diabetes mellitus, hipercalemia, hipertensão, neurotoxicidade, nefrotoxicidade
    • Agentes antimetabólitos (e.g., micofenolato mofetil):
      • Previnem a expansão de clones de células T e B aloativadas
      • Efeitos adversos: supressão da medula óssea, infeção, gastrointestinais (obstipação ou diarreia, dor abdominal, úlcera gástrica ou hemorragia)
    • Inibidores mTOR: agentes poupadores de ICNs: (sirolimus, everolimus)
      • Inibem a ativação e proliferação de linfócitos T e inibem a produção de anticorpos
      • Efeitos adversos: intolerância à glicose, compromisso da cicatrização de feridas, toxicidade pulmonar
  • Muitos fármacos apresentam interação com agentes imunossupressores
  • Condições médicas agravadas por agentes imunossupressores:
    • Infeções
    • Hipertensão arterial
    • Diabetes
    • Obesidade
    • Dislipidemia
    • Doença renal crónica (DRC)
    • Osteoporose

Transplante Hepático

A escassez de órgãos de dadores é um fator significativo no transplante hepático; muitos indivíduos morrem à espera de um órgão. Atualmente, realizam-se transplantes de dadores vivos, nos quais apenas uma parte do fígado é removida de um dador saudável.

Epidemiologia

  • São realizados cerca de 8.900 de transplantes hepáticos por ano nos Estados Unidos.
  • Lista de espera (2018) nos Estados Unidos: > 14.000 indivíduos
  • Cerca de 7.000 candidatos a transplante hepático irão aguardar > 1 ano.
  • As taxas de sobrevivência a 1 e 5 anos após o transplante hepático são de 90% e 80%, respetivamente.
  • Cirrose associada ao álcool: 21% dos transplantes hepáticos (2015)

Vacinas pré-transplante necessárias (para todos os transplantes de órgãos sólidos)

  • Pneumococcus
  • Influenza (dose alta)
  • Hepatite A e B
  • Para indivíduos em risco que não foram previamente vacinados:
    • Meningococcus
    • Haemophilus influenzae
    • Papilomavírus humano (HPV, pela sigla em inglês)
    • Sarampo, parotidite epidémica, rubéola (VASPR)
  • Tétano, difteria e tosse convulsa (DTPa)
  • Vacina zoster recombinante para indivíduos > 50 anos

Indicações clínicas para transplante hepático

  • Insuficiência hepática aguda fulminante potencialmente fatal
  • Cirrose associada a complicações por hipertensão portal:
    • Hemorragia por varizes
    • Encefalopatia
    • Ascite
  • Carcinoma hepatocelular (CHC): critérios específicos
  • Condições metabólicas (com doença hepática terminal ou CHC):
    • Fibrose quística
    • Défice de alfa-1-antitripsina
    • Hemocromatose
    • Doença de Wilson
    • Tirosinemia

Contraindicações

  • Doença cardiopulmonar grave
  • SIDA
  • Outra neoplasia maligna
  • Sépsis
  • Incumprimento persistente dos cuidados médicos
  • Ausência de apoio social adequado
  • Doença hepática associada ao álcool sem abstinência durante 6 meses (varia de acordo com os programas de transplante) ou sem participação em programa de suporte estruturado

Tratamento médico prévio ao transplante hepático

  • É necessária otimização do tratamento médico antes do transplante.
  • A abordagem médica inclui o tratamento de:
    • Encefalopatia
    • Ascite
    • Peritonite bacteriana espontânea
    • Infeção
    • Desnutrição
    • Insuficiência renal ou cardíaca concomitante
  • Score MELD (Model for End-stage Liver Disease):
    • Escala de gravidade utilizada para prever a sobrevida em 3 meses
    • Utiliza os resultados das análises laboratoriais do indivíduo:
      • Bilirrubina sérica
      • Creatinina
      • INR
    • Uma pontuação mais elevada está associada a agravamento da função hepática.
    • Utilizado para estabelecer prioridade em transplante de órgão → indivíduos mais doentes em 1.º lugar

Procedimento

  • O transplante hepático ortotópico inclui a excisão de:
    • Fígado nativo
    • Veia porta
    • Artéria hepática
    • Ducto biliar comum
    • Partes da veia cava inferior e superior
  • O fígado dador é implantado no local anatómico.
  • São realizadas 4 tipos de anastomoses:
    • Anastomose arterial
    • Anastomose de influxo venoso: sistema venoso portal
    • Anastomose de fluxo de saída venoso: veia hepática e/ou veia cava inferior
    • Anastomose biliar

Pós-transplante

Complicações:

  • Rejeição aguda do enxerto (mais comum)
  • Infeções: bacterianas, víricas e fúngicas
    • Principal causa de mortalidade após transplante hepático
    • Podem progredir rapidamente para sépsis com falência multiorgânica
    • São utilizados com frequência antibióticos profiláticos.
    • É crucial realizar vigilância apertada.
  • A reativação de infeção do dador ou recetor de órgãos pode ocorrer:
    • Vírus herpes simples
    • Citomegalovírus (CMV)
    • Micoses sistémicas geograficamente restritas (e.g., histoplasmose)
    • Mycobacterium tuberculosis
  • Infeções nosocomiais:
    • Período pós-transplante precoce com hospitalização prolongada ou ventilação mecânica
    • Bacilos gram-negativos (e.g., Pseudomonas )
    • Cocos gram-positivos, incluindo enterococos resistentes à vancomicina e MRSA
    • Fungos, incluindo Aspergillus e Candida
    • Bacilos anaeróbios gram-positivo, formador de esporos: Clostridioides difficile

Complicações da imunossupressão:

  • Desenvolvimento de neoplasias
  • Aceleração de doenças cardiovasculares
  • Infeção grave, possivelmente com risco de vida

Imunizações para indivíduos pós-transplante/imunossuprimidos:

  • Cumprir calendário de vacinação normal
  • As vacinas vivas atenuadas estão contraindicadas:
    • Vacina viva zoster (não recombinante)
    • Vacina contra a varicela
    • VASPR

Transplante Renal

Epidemiologia

  • Transplante de órgão sólido mais comum
  • Cerca de 40% dos rins doados são de dadores vivos
  • Taxas de sobrevivência a 1 ano após transplante renal:
    • De dadores vivos: 98% dos recetores; 94% dos enxertos
    • De dadores falecidos: 95% dos recetores; 88% dos enxertos

Indicações clínicas

  • Insuficiência renal terminal
  • Sem limite de idade claro: indivíduos > 70 anos podem ser candidatos se apresentarem um bom estado geral e uma esperança de vida razoavelmente longa.

Contraindicações

  • Absolutas: doença cardíaca grave, cancro
  • Relativas: diabetes mal controlada

Tratamento médico prévio ao transplante

  • A diálise pode ser necessária para assegurar um estado metabólico relativamente normal.
  • Os aloenxertos de dadores vivos apresentam ligeiramente melhores resultados em recetores que ainda não iniciaram diálise a longo prazo.

Procedimento

  • Transplante renal de dador falecido:
    • O rim é removido cirurgicamente com os vasos sanguíneos renais e o ureter.
    • Imersão em soro fisiológico gelado até 24 horas
    • Disseção livre de veia e artéria renais, remoção do excesso de gordura perirrenal, redução de excesso de veia cava e aorta
  • Dador vivo:
    • A preparação laparoscópica do rim é feita in situ antes da remoção do dador.
    • O rim é transplantado heterotopicamente para a fossa ilíaca.
    • O rim nativo do recetor permanece intacto, exceto se existir infeção.
    • A veia renal e depois a artéria são anastomosadas no recetor.
    • É fornecida hidratação e furosemida com manitol ao recetor.
    • O rim transplantado é reperfundido.
    • O ureter é implantado na bexiga.

Complicações

Rejeição:

  • Aproximadamente 20% dos indivíduos têm ≥ 1 episódio no 1.º ano → bólus de corticosteróide
  • A maioria dos indivíduos retorna à atividade normal após 3-4 meses; requerem tratamento imunossupressor a longo prazo
  • Os episódios de rejeição contribuem para a falência do enxerto a longo prazo.
  • Sintomas de rejeição:
    • Hiperaguda/acelerada:
      • Febre
      • Anúria ou oligúria
    • Aguda:
      • Febre
      • Aumento da creatinina
      • Hipertensão arterial
      • Aumento de peso/edema
      • Urinálise com proteínas, linfócitos e células tubulares renais no sedimento
    • Crónica:
      • Proteinúria com ou sem hipertensão
      • Síndrome nefrótica

Outras complicações:

  • Nefropatia crónica do aloenxerto: falência > 3 meses após o transplante
    • Pode ser atribuível a efeitos nefrotóxicos de fármacos ICNs, nefropatia diabética ou hipertensão
    • A biópsia revela fibrose intersticial crónica e atrofia tubular.
  • Cancro
    • Os recetores de transplante renal são 10 a 15 vezes mais propensos a desenvolver cancro.
    • Linfoma: 30 vezes mais comum do que na população geral (mas a incidência geral ainda é baixa)
    • Cancro cutâneo: aumento da incidência pela imunossupressão prolongada

Transplante Cardíaco

O transplante cardíaco pode ser oferecido a indivíduos que apresentam sintomas intoleráveis apesar do tratamento médico otimizado e que apresentam risco de morte devido a doença cardíaca.

Epidemiologia

  • Aumento substancial nas ofertas de dadores de coração e transplantes cardíacos desde 2003
  • Mais de 3.000 transplantes cardíacos por ano (2016)
  • Cerca de 20% dos candidatos morrem enquanto aguardam na lista de espera ou são removidos por se apresentarem “muito doentes”.
  • Taxa de sobrevivência a 1 ano: 85%–90%
  • > 70% dos indivíduos regressam à vida laboral a tempo inteiro.
  • A taxa de sobrevivência a 10 anos é de cerca de 53% (para transplantes realizados entre 1990 e 2007).

Indicações clínicas

  • Choque cardiogénico com necessidade de suporte inotrópico EV contínuo ou balão intra-aórtico/dispositivo de assistência ventricular esquerda
  • Insuficiência cardíaca terminal (classe funcional IV da New York Heart Association)
  • Angina intratável ou grave devido a doença arterial coronária e não passível de outros tratamentos
  • Arritmias intratáveis com risco de vida que não respondem a outros tratamentos
  • Cardiomiopatias restritivas e hipertróficas com insuficiência cardíaca

Contraindicações

  • Contraindicações absolutas:
    • Esperança de vida < 2 anos apesar do transplante
    • Hipertensão pulmonar irreversível
    • Doença cerebrovascular grave sintomática
    • Abuso de substâncias ativas, incluindo tabaco, há 6 meses
    • Sem adesão persistente aos cuidados médicos
  • Contraindicações relativas:
    • Idade > 70 anos
    • Obesidade: índice de massa corporal > 35
    • Diabetes mellitus com hemoglobina A1c> 7,5% apesar de tentativas de otimização
    • Disfunção renal irreversível com taxa de filtração glomerular < 30 mL/min/1,73 m2
    • Cancro
    • Infeção
    • Embolia pulmonar há 6-8 semanas

Complicações

  • Rejeição:
    • 50%–80% dos indivíduos apresentam 1-3 episódios
    • Frequentemente assintomática; é realizada biópsia de vigilância anualmente
  • Fatores de risco para rejeição:
    • Idade mais jovem
    • Sexo feminino (recetor)
    • Dador feminino ou de raça negra
    • Incompatibilidade HLA
  • Morte ≤ 1 ano:
    • Rejeição aguda
    • Infeção
  • Morte > 1 ano:
    • Vasculopatia no enxerto cardíaco
    • Doença linfoproliferativa

Outros Transplantes de Órgãos e Tecidos

Transplante de células estaminais hematopoiéticas (transplante de medula óssea)

  • Indicações:
    • Neoplasias hematológicas:
      • Leucemias
      • Linfomas
      • Mieloma múltiplo
    • Doenças hematológicas não malignas:
      • Anemia aplásica
      • Síndromes mielodisplásicas
      • Imunodeficiência primária
    • Pode ser usado para recuperação da medula óssea após quimioterapia de alta dose
  • Procedimento:
    • Pode ser autólogo (sem contraindicações) ou alogénico (contraindicado > 50 anos ou com comorbilidades significativas)
    • As células estaminais podem ser colhidas do(a):
      • Medula óssea: zona posterior das cristas ilíacas do dador
      • Sangue periférico: o dador recebe tratamento com fatores de crescimento recombinantes e a aferese é realizada 4 a 6 dias depois; infusão de células estaminais durante 1-2 horas através de um cateter venoso central.
      • Sangue do cordão umbilical: procedimento mais recente, compatibilidade HLA menos crucial; maior percentagem de células T naive aumenta o risco de reativação de infeções por CMV ou EBV.
  • Complicações:
    • Rejeição
    • Falência
    • Doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD, pela sigla em inglês) aguda

Transplante pulmonar

  • Indicações:
    • Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)
    • Fibrose pulmonar idiopática
    • Fibrose quística
    • Défice de alfa-1-antitripsina
    • Hipertensão pulmonar primária
  • Procedimentos:
    • Transplante de pulmão único e duplo
    • Transplante combinado de pulmão-coração para doenças pulmonares com disfunção ventricular grave irreversível
  • Prognóstico:
    • Sobrevivência a 1 ano: 84%
    • Sobrevivência a 5 anos: 34%–46% (maior na hipertensão pulmonar primária e fibrose pulmonar; menor na DPOC)
    • Mortalidade: transplante de pulmão único > pulmão duplo
    • O transplante pulmão-coração apresenta uma sobrevida de 80% a 1 ano para indivíduos e enxertos.

Transplante de pâncreas

  • Indicações:
    • Diabetes tipo 1 com insuficiência renal
    • > 90% dos transplantes de pâncreas também incluem um rim.
  • Contraindicações:
    • Idade > 55 anos
    • Doença cardiovascular significativa
  • Prognóstico:
    • Sobrevida do recetor > 95% a 1 ano
    • Sobrevida do enxerto > 85% a 1 ano
    • Após o transplante, os recetores não voltam a necessitar de tratamento com insulina.

Transplante de tecidos

  • Transplantes compostos:
    • Mão
    • Extremidade
    • Face
  • Enxertos de pele
  • Transplante de cartilagem
  • Transplante ósseo
  • Autoenxerto suprarrenal

Transplante de córnea

  • Indicações:
    • Queratopatia bolhosa
    • Queratocone
    • Distrofias do estroma da córnea
    • Queratomicose por fungos com extensão para o humor aquoso
    • Queratite por herpes simples
  • Mais de 48.000 transplantes por ano (2013)
  • Não é realizada por rotina compatibilidade de tecidos; pode ser utilizado tecido de dador cadavérico.
  • Procedimento:
    • Transplante total ou parcial; queratoplastia endotelial
    • Realizado sob anestesia geral ou anestesia local com sedação EV
  • Complicações:
    • Rejeição: taxa de 10%; Pode ser tratada
    • Outras complicações: infeção, glaucoma, catarata, erros de refração

Referências

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