Síndromes Mielodisplásicas

As síndromes mielodisplásicas (SMD) são um grupo de neoplasias clonais com defeitos de maturação caracterizadas por displasia, citopenia e precursores imaturos da medula óssea. As síndromes mielodisplásicas podem ser idiopáticas ou secundárias a várias exposições prejudiciais, como quimioterapia citotóxica, radiação ionizante ou toxinas ambientais. A idade média dos doentes é de 70 anos. A apresentação inclui sintomas de anemia (fadiga), neutropenia (infeção) ou trombocitopenia (hemorragia). O diagnóstico é baseado na avaliação da medula óssea, que revela citopenia, displasia em pelo menos 1 linhagem e células blásticas em < 20% da celularidade medular. São necessários estudos citogenéticos e moleculares para a classificação, prognóstico e decisões relacionadas com a terapêutica. Há um risco cumulativo aumentado de transformação em LMA, o qual varia dependendo do subtipo de SMD. O tratamento inclui cuidados de suporte, uso de fatores de crescimento hematopoiéticos, terapêutica imunossupressora e transplante alogénico de células hematopoiéticas.

Última atualização: Oct 1, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

As síndromes mielodisplásicas (SMD) são doenças clonais da medula óssea caracterizadas pela presença de precursores medulares displásicos imaturos e citopenias periféricas.

Epidemiologia

  • A incidência aumenta significativamente com a idade.
  • Idade média de apresentação: aproximadamente 70 anos
  • Incidência anual nos Estados Unidos:
    • 1–5 casos por 100.000
    • Indivíduos > 70 anos: 20 casos por 100.000
  • Homens > mulheres

Etiologia

  • Primário ou idiopático
  • Secundário (exposição a fatores que causam danos cromossómicos):
    • Tratamento, após neoplasia, com agentes alquilantes (com ou sem radioterapia)
    • Tratamento prévio com inibidores da topoisomerase II (antraciclina ou ectoposídeo)
    • Exposição prévia a certos produtos químicos:
      • Benzeno
      • Inseticidas, herbicidas, fungicidas
      • Tabaco
    • Alterações genéticas hereditárias (e.g., trissomia 21, trissomia 8, anemia de Fanconi, ataxia-telangiectasia)
    • Hematopoiese clonal de potencial indeterminado
    • Condições hematológicas (e.g., anemia aplástica, policitemia vera, hemoglobinúria paroxística noturna, neutropenia congénita)
    • Predisposição familiar (distúrbios plaquetários congénitos)

Fisiopatologia

A maioria das SMD são atribuídas a deleções e translocações cromossómicas, ou mutações genéticas.

  • Alterações cromossómicas:
    • Deleção do cromossoma 5 (del(5q)):
      • A mais comum (15% dos casos)
      • Mulheres > Homens
      • Anemia com plaquetas normais ou ↑
    • Envolvimento do cromossoma 7:
      • Monossomia 7 (-7) ou deleção do braço longo do cromossoma 7 (del(7q)) :
      • 10% dos doentes com SMD de novo
    • Trissomia 8: < 10% dos doentes
    • Deleção do cromossoma 20 (del(20q)): < 5% dos casos
    • Perda do cromossoma Y
  • Mutações genéticas:
    • Os genes afetados estão envolvidos em:
      • Splicing de RNA mensageiro (mRNA)
      • Metilação de ADN
      • Modificação da cromatina
      • Fatores de transcrição (mutação de perda de função do RUNX1)
    • Mutação de perda de função do TP53 (< 10% dos casos)

Apresentação Clínica

  • Anemia (mais comum):
    • Fadiga
    • Dispneia
    • Taquicardia ou sinais de insuficiência cardíaca
  • Leucopenia (↓ Contagem leucocitária, disfunção leucocitária):
    • Febre
    • Infeção bacteriana recorrente (a pele é mais afetada)
  • Trombocitopenia:
    • Hematomas fáceis
    • Hemorragia gengival
    • Petéquias
  • Sintomas de doença autoimune: aproximadamente 25% dos doentes (e.g., artrite reumatoide, psoríase)
  • α-talassemia adquirida (devido à presença anormal de hemoglobina H)
  • Doença de pele: síndrome de Sweet (dermatose neutrofílica febril aguda)
Síndrome de sweet

Síndrome de Sweet: placas dolorosas, eritematosas e pseudovasculares da dermatose neutrofílica febril aguda

Imagem: “Sweet’s syndrome–a comprehensive review of an acute febrile neutrophilic dermatosis” por Cohen PR. Licença: CC BY 2.0

Diagnóstico

Características diagnósticas

  • Citopenia em pelo menos 1 linhagem sanguínea
  • ≥ 10% de células nucleadas com displasia (diferenciação desordenada) em pelo menos 1 linhagem
  • < 20% de blastos no sangue e medula óssea
  • Achados citogenéticos ou moleculares característicos
  • Sem evidência de uma causa alternativa

Avaliação diagnóstica

  • História clínica:
    • Uso de álcool e drogas
    • Fármacos
    • Exposição a produtos químicos tóxicos
    • Quimioterapia prévia ou exposição à radiação
  • Hemograma:
    • Anemia macrocítica: ↑ MCV, ↓ Hb
    • Trombocitopenia: ↓ plaquetas
    • Leucopenia: ↓ WBC
    • Neutrófilos imaturos circulantes: mielócitos, promielócitos, mieloblastos
  • Esfregaço de sangue periférico:
    • Eritrócitos: macrócitos, sideroblastos em anel, células de formato irregular
    • Leucócitos: neutrófilos displásicos e hipossegmentados (alteração pseudo-Pelger-Huët)
    • Plaquetas: trombocitopenia
  • Biópsia de medula óssea (Coloração de Wright-Giemsa e de ferro):
    • Medula óssea hipercelular
    • Células displásicas em 1 ou mais linhagens
    • Mieloblastos aumentados (< 20% para diferenciar da LMA)
    • Sideroblastos em anel
    • Mielofibrose de vários graus
  • Cariótipo da medula óssea
  • Análise citogenética:
    • Estudos de microarrays para pesquisa de alterações genómicas
    • FISH para pesquisa de alterações cromossómicas
    • PCR para pesquisa de rearranjos genéticos

Classificação

Após a confirmação da SMD, os doentes são categorizados com base na classificação da OMS de 2016, que é importante para a seleção do tratamento e determinação do prognóstico.

A classificação é baseada em:

  • Linha(s) displásica(s)
  • Número de citopenias:
    • Anemia: Hb < 10 g/dL
    • Leucopenia: contagem absoluta de neutrófilos < 1,8 × 10⁹/L
    • Trombocitopenia: contagem de plaquetas < 100 × 10⁹/L
  • Percentagem de blastos no sangue e na medula óssea
  • Percentagem de sideroblastos em anel
  • Achados citogenéticos

Tipos:

  • < 5% de blastos na medula óssea:
    • SMD com displasia de linhagem única (SLD, pela sigla em inglês)
    • SMD com displasia de linhagem múltipla (MLD, pela sigla em inglês)
    • SMD com sideroblastos em anel-SLD (sideroblastos ≥ 15%)
    • SMD com sideroblastos em anel-MLD (sideroblastos ≥ 15%)
    • SMD com del(5q) isolado
  • 5%–19% blastos na medula óssea:
    • SMD com excesso de blastos (EB)-1: 5%–9% blastos
    • SMD com EB-2: %–19% blastos
  • SMD não classificável

Tratamento

Abordagem terapêutica

  • Dependente da apresentação clínica e das comorbilidades
  • Determinar o nível de risco (menor risco versus maior risco) com base em variáveis prognósticas, com maior risco nos seguintes:
    • Blastos na medula óssea: > 5%
    • Citopenias: 2 ou 3
    • Citogenética: Certas mutações (e.g., -7 ou del(7q)) têm um prognóstico pior.
    • Grupo de maior risco:
      • O prognóstico é pior.
      • Maior incidência de transformação em LMA
  • Determinar a aptidão fisiológica:
    • Presença de doenças comórbidas
    • Testes de desempenho físico: capacidade de realizar atividades de vida diária (AVDs)
    • Cognição
  • Determinar os objetivos do cuidado:
    • A cura raramente é viável.
    • Discutir preferências e valores pessoais.
    • Objetivos:
      • ↓ Sintomas e conforto.
      • Prolongar a sobrevivência.
      • Melhorar a qualidade de vida.
      • Minimizar a toxicidade relacionada com a terapêutica.

Opções terapêuticas

  • Observação: doentes assintomáticos de baixo risco
  • Terapêutica de baixa intensidade:
    • Fatores estimuladores da eritropoiese/mielopoiese (e.g., eritropoietina)
    • Del(5q): lenalidomida
    • Transfusão de hemácias/plaquetas conforme necessário
    • Agentes hipometilantes (e.g., azacitidina, decitabina)
  • Terapêutica de alta intensidade:
    • Quimioterapia (e.g., citarabina + antraciclina)
    • Transplante alogénico de células hematopoiéticas (TACH) em doentes jovens e clinicamente aptos
    • Terapêutica direcionada a mutações específicas

Diagnóstico Diferencial

  • Citopenias isoladas: defeitos em 1 linha celular (anemia, leucopenia ou trombocitopenia isolada). A avaliação requer uma história médica detalhada: hábitos dietéticos (e.g. défice de folato, vitamina B12 e/ou cobre), viagens (eg. infeção parasitária adquirida), perdas hemáticas crónicas, fármacos, consumo de álcool, exposição a tóxicos, citopenias crónicas, história familiar e história de distúrbios gastrointestinais, autoimunes ou neoplásicos. Na maioria dos casos, o diagnóstico é estabelecido com a história clínica, o esfregaço periférico e a biópsia de medula óssea (se necessária).
  • Mielofibrose primária: neoplasia mieloproliferativa crónica caracterizada por fibrose da medula óssea e hematopoiese extramedular no baço e no fígado. A doença decorre de mutações genéticas de células estaminais hematopoiéticas ( JAK2 , CALR ou mutação MPL ). Os achados clínicos são fadiga, esplenomegalia, hepatomegalia e anemia. O esfregaço periférico mostra leucoeritroblastose e contém precursores de leucócitos, de hemácias, hemácias nucleadas e células em forma de lágrima. O diagnóstico é realizado através da avaliação da medula óssea e testes moleculares. O tratamento inclui TACH e fármacos (ruxolitinib e fedratinib).
  • Leucemia mieloide aguda (LMA): proliferação maligna e descontrolada de precursores mieloides, resultando em citopenias e aumento do número (> 20%) de mielócitos imaturos (isto é, blastos) na circulação periférica e medula óssea. A presença de bastonetes de Auer (inclusões lineares no citoplasma de células blásticas) é patognomónica de LMA. As células leucémicas podem infiltrar-se em vários órgãos, causando organomegalia e sequelas neurológicas. Doentes com SMD têm alto risco de transformação em LMA.
  • Leucemia mielomonocítica crónica (LMMC): neoplasia mielodisplásica/mieloproliferativa rara com produção aumentada de células monocíticas em maturação e, por vezes, neutrófilos displásicos. A leucemia mielomonocítica crónica costuma ser acompanhada por sintomas constitucionais, esplenomegalia, anemia e/ou trombocitopenia. A morfologia da medula óssea mostra displasia proeminente em pelo menos 2 das 3 linhagens mieloides. O tratamento consiste em cuidados de suporte, hidroxiureia, um agente hipometilante e TACH.

Referências

  1. Aster, J.C., Stone, R.M. (2021). Clinical manifestations and diagnosis of myelodysplastic syndromes (MDS). UpToDate. Retrieved April 26, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-myelodysplastic-syndromes-mds
  2. Besa, E.C. (2021). Myelodysplastic Syndrome (MDS). Medscape. Retrieved April 26, 2021, from https://reference.medscape.com/article/207347-overview
  3. Estey, E.H., Negrin, R.S. (2021). Treatment of high or very high risk myelodysplastic syndromes. UpToDate. Retrieved April 26, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-high-or-very-high-risk-myelodysplastic-syndromes
  4. Estey, E.H., Sekeres, M.A. (2021). Overview of the treatment of myelodysplastic syndromes. UpToDate. Retrieved April 26, 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-treatment-of-myelodysplastic-syndromes
  5. Hasserjian, R.P. (2019). Myelodysplastic Syndrome Updated. Pathobiology. 86(1),7–13. https://doi.org/10.1159/000489702

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