Síndrome do Coração Esquerdo Hipoplásico (SCEH)

A síndrome do coração esquerdo hipoplásico (SCEH) é uma cardiopatia congénita que consiste no subdesenvolvimento, ou hipoplasia, do lado esquerdo do coração em vários graus. A característica mais evidente da SCEH é o tamanho e a funcionalidade reduzidos do ventrículo esquerdo (VE). Além disso, a SCEH está associada à estenose, hipoplasia ou atresia dos vasos ou das válvulas atrioventriculares do lado esquerdo do coração. A SCEH é causada por uma mistura de fatores genéticos e da alteração do fluxo sanguíneo fetal. A síndrome do coração esquerdo hipoplásico apresenta-se quando o canal arterial se fecha fisiologicamente, com taquipneia, cianose, insuficiência cardíaca e choque cardiogénico. O diagnóstico pode ser feito no período pré- ou pós-natal através de ecocardiograma. Uma vez detetado, o tratamento cirúrgico é a terapêutica de 1ª linha, feita em 3 etapas.

Última atualização: Jul 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A síndrome do coração esquerdo hipoplásico (SCEH) é caracterizada pelo subdesenvolvimento do lado esquerdo do coração. Os componentes da SCEH incluem:

  • Ventrículo esquerdo (VE) com hipoplasia moderada, hipoplasia não-funcional ou atresia completa
  • Válvula mitral (VM) com estenose ou atresia
  • Válvula aórtica (VAo) com estenose ou atresia
  • Aorta (Ao) ascendente com hipoplasia
  • Comunicação interauricular (CIA) e foramen oval patente (FOP)
Síndrome do coração esquerdo hipoplásico

Síndrome do coração esquerdo hipoplásico (SCEH) com a direção do fluxo sanguíneo (setas) e a oxigenação do sangue:
O vermelho representa sangue oxigenado, o azul mostra sangue desoxigenado e o roxo mostra sangue misto.
RA: aurícula direita
RV: ventrículo direito
LA: aurícula esquerda
LV: ventrículo esquerdo
SVC: veia cava superior
IVC: veia cava inferior
MPA: artéria pulmonar principal
Ao: aorta
PDA: canal arterial patente
TV: válvula tricúspide
MV: válvula mitral
PV: válvula pulmonar
AoV: válvula aórtica

Imagem: “Hypoplastic left heart syndrome” por Centers for Disease Control and Prevention. Licença: CC0, cortada por Lecturio.

Epidemiologia

  • Incidência: 2-3 em cada 10.000 nados vivos
  • É responsável por 2%–3% de todas as cardiopatias congénitas
  • É responsável por 25%–40% das mortes neonatais devido a causas cardíacas
  • Rácio masculino-feminino 1,5:1

Variantes

Existem 3 tipos de SCEH baseados na morfologia das válvulas cardíacas:

  1. Atresia aórtica e mitral (intercambiável com SCEH):
    • A forma mais severa
    • O VE está ausente ou “em forma de fenda” e não tem saída.
    • Ao ascendente curta
    • Dependente da persistência do canal arterial para qualquer hipótese de sobrevivência
  2. Atresia aórtica com estenose mitral:
    • Ao ascendente hipoplásica
    • Remodelação do VE e hipertrofia relacionada com o grau de estenose
    • Output do VE mínimo
  3. Estenose aórtica e mitral:
    • A forma mais ligeira
    • As válvulas estenosadas levam à hipertrofia do VE e eventual falência do débito cardíaco.

Etiologia

  • Existe um componente de predisposição genética, conforme observado na taxa de recorrência de 2,5%–5% em irmãos: associado a uma maior morbilidade (atraso grave do neurodesenvolvimento) e mortalidade mais elevada.
  • Associado a anomalias cromossómicas, tais como:
    • Síndrome de Turner
    • Trissomia do cromossoma 13
    • Trissomia do cromossoma 18
    • Síndrome de DiGeorge
  • Postulada a ser secundária à redução do fluxo sanguíneo in utero através de uma VAo estenosada ou atrésica, o que leva ao subdesenvolvimento do VE e da Ao ascendente
  • Pode também estar ligado a enfarte intra-uterino e/ou infeção

Fisiopatologia

Fisiologia e desenvolvimento cardíaco normal

  • A circulação sistémica é mantida in utero através do canal arterial e do foramen oval:
    • Corpo fetal → veias cavas → aurícula direita (AD) → foramen oval → aurícula esquerda (AE) → VE → Ao
    • Também, AD → ventrículo direito (VD) → canal arterial → Ao
  • Ao nascer, ocorrem alterações fisiológicas:
    • O canal arterial encerra → interrupção do fluxo de sangue do VD para a Ao → a perfusão sistémica é reduzida
    • A pressão arterial pulmonar diminui → o sangue começa a fluir do VD para a circulação pulmonar

Na SCEH

  • A sobrevivência depende da persistência do canal arterial e do foramen oval ou da presença de uma CIA para manter o circuito seguinte:
    • Circulação pulmonar → AE → CIA/FOP → AD (mistura de sangue oxigenado e desoxigenado) → VD → CA patente → circulação sistémica
    • O sangue que flui através da Ao tem uma mistura de sangue desoxigenado e oxigenado, resultando em hipoxemia.
  • A ausência de PCA, FOP ou CIA resulta em cianose grave, acidose, insuficiência cardiogénica e choque após o parto.
  • A hipoxemia progressiva e grave e a perfusão sistémica reduzida resultam em insuficiência cardíaca e em danos nos órgãos terminais.
Sceh vs. Coração normal

Os componentes da SCEH vs. um coração normal

Imagem: “Hypoplastic left heart syndrome” por Mariana Ruiz. Licença: Public Domain

Apresentação Clínica

  • Os bebés podem ser sintomáticos ou assintomáticos ao nascer, dependendo da presença e do tamanho de uma CIA e de um CA patente. Os septos interauriculares pequenos ou intactos estão associados a sintomas graves e rapidamente progressivos.
  • Ao nascer: pele pálida ou cinzenta (“aspeto sombrio”)
  • 24-48 horas após o nascimento:
    • O encerramento fisiológico do canal arterial leva ao desenvolvimento ou agravamento dos sintomas.
    • Recusa alimentar
    • Letargia
    • Sinais de dificuldade respiratória (dispneia, taquipneia, adejo nasal)
    • Sinais de choque cardiogénico (hipotensão, pulsos periféricos fracos, cianose, extremidades frias, acidose metabólica, oligúria ou anúria)
  • Exame objetivo:
    • S2 único (apenas se ouve o encerramento da válvula pulmonar (VP))
    • Pré-córdio hiperativo
    • Não se ouvem sopros.
    • Hepatomegalia
    • Características dismórficas das anomalias cromossómicas associadas

Diagnóstico

  • A maioria dos casos é detetada durante uma ecografia morfológica pré-natal.
  • Confirmado por um ecocardiograma que mostra:
    • Coração esquerdo hipoplásico (hipoplasia do VE, válvulas mitral e/ou aórtica estenóticas/atrésicas)
    • Remodeling do VD
    • Aumento da pressão arterial pulmonar
  • Os exames complementares de diagnóstico incluem:
    • Oximetria de pulso < 95%
    • Eletrocardiograma (ECG): não específico
      • Ondas P difíceis de distinguir
      • Sinais de hipertrofia do VD
    • Raio-X ao tórax: não específico
      • Cardiomegalia
      • Vasculatura pulmonar proeminente
  • Para pacientes com choque cardiogénico, são necessários exames de sangue e gasimetria arterial para avaliar a presença de acidose secundária à acumulação de ácido lático.
Síndrome do coração esquerdo hipoplásico - ecocardiograma fetal

Ecocardiograma transtorácico pós-natal (vista de 4 câmaras):
Observa-se hipoplasia grave do VE com hipoplasia da AE.
LA: aurícula esquerda
LV: ventrículo esquerdo
RA: aurícula direita
RV: ventrículo direito

Imagem: “Hypoplastic left heart syndrome” por Director of Pediatric Echocardiography, Department of Congenital Heart Disease, Evelina Children’s Hospital, Guy’s and St Thomas’ NHS Foundation Trust, London, UK. Licença: CC BY 2.0

Tratamento

Tratamento do choque emergente

  • Infusão de prostaglandina E1 para manter a persistência do canal arterial
  • Inotrópicos para a hipotensão
  • Infusão de bicarbonato para a acidose metabólica
  • Septoplastia por balão para ampliar um foramen oval pequeno ou deficiente

Tratamento cirúrgico

  • O procedimento em 3 etapas inclui os procedimentos Blalock-Taussig Shunt, Glenn e Fontan
  • O objetivo é criar uma via de saída maior para o VE e a circulação pulmonar que faça um bypass ao VD para que este possa ser utilizado exclusivamente para a circulação sistémica.

Prognóstico

  • Se não for tratada, a SCEH é fatal nas primeiras semanas de vida.
  • Boa tolerância ao exercício após a cirurgia.
  • As crianças que completam as 3 fases da cirurgia têm uma taxa de sobrevivência de 90% até à idade adulta.

Relevância Clínica

As seguintes síndromes genéticas estão associadas ao desenvolvimento de SCEH:

  • Síndrome de Turner: uma anomalia cromossómica que produz um cariótipo de 45 cromossomas com um fenótipo feminino X0. Apresenta níveis diminuídos de hormonas sexuais; amenorreia primária; anomalias cardíacas, renais, reprodutivas, esqueléticas e linfáticas; baixa estatura; pescoço em membrana; tórax largo; linha de cabelo posterior baixa; e edema periférico das mãos e pés.
  • Síndrome de Holt-Oram: uma doença autossómica dominante caracterizada pela concomitância de cardiopatia congénita e rádios e polegares hipoplásicos ou aplásicos.
  • Síndrome de Jacobsen: uma síndrome genética caracterizada pela eliminação do braço longo do cromossoma 11. As cardiopatias associadas com maior frequência à síndrome de Jacobsen são as comunicações interventriculares e as malformações obstrutivas do coração esquerdo, incluindo a SCEH.

As seguintes malformações são diagnósticos diferenciais de SCEH:

  • Defeito do septo auriculoventricular: uma cardiopatia congénita rara caracterizada pelo desenvolvimento anormal dos septos interauricular e interventricular e das válvulas auriculoventriculares. Os lactentes geralmente apresentam cianose, dispneia, edema pulmonar, taquipneia, taquicardia, e eventualmente desenvolvem insuficiência cardíaca.
  • CIA: uma cardiopatia congénita comum caracterizada pela presença de uma abertura entre as 2 aurículas do coração. Os pacientes apresentam dispneia, aumento da suscetibilidade a infeções respiratórias, cianose e embolias, mas o aparecimento e gravidade dos sintomas dependerá do tamanho do defeito.
  • Comunicação interventricular (CIV): cardiopatia congénita comum caracterizada pela comunicação anormal entre o VE e o VD, que resulta no desvio do fluxo sanguíneo da esquerda para a direita. Apresenta-se como um sopro holossistólico, com sinais progressivos de insuficiência cardíaca e choque cardiogénico.
  • Estenose da VM: uma cardiopatia rara caracterizada pelo tamanho reduzido da válvula que estabelece a comunicação entre a AE e o VE. Os sintomas variam muito dependendo do tamanho da válvula e se a malformação é congénita ou adquirida. Apresenta-se como tosse, dispneia, palpitações, infeções respiratórias frequentes, fraqueza e dores no peito.

Referências

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  2. Kliegman, R. M., M.D., St Geme, Joseph W., MD, Blum, N. J., M.D., Shah, Samir S., M.D., M.S.C.E., Tasker, Robert C., M.B.B.S., M.D., & Wilson, Karen M., M.D., M.P.H. (2020). Cyanotic congenital heart disease: Lesions associated with decreased pulmonary blood flow. In R. M. Kliegman MD, J. W. St Geme MD, N. J. Blum MD, Shah, Samir S., MD, MSCE, Tasker, Robert C., MBBS, MD & Wilson, Karen M., MD, MPH (Eds.), Nelson textbook of pediatrics (pp. 239-2407.e1). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501004570
  3. Ohye, R. G., Sleeper, L. A., Mahony, L., Newburger, J. W., Pearson, G. D., Lu, M., . . . Gaynor, J. W. (2010). Comparison of shunt types in the Norwood procedure for single-ventricle lesions. N Engl J Med, 362(21), 1980-1992. DOI:10.1056/NEJMoa0912461
  4. Lara, D. A., Ethen, M. K., Canfield, M. A., Nembhard, W. N., & Morris, S. A. (2017). A population-based analysis of mortality in patients with Turner syndrome and hypoplastic left heart syndrome using the Texas Birth Defects Registry. Congenital heart disease, 12(1), 105–112.
  5. Glauser, T. A., Zackai, E., Weinberg, P., & Clancy, R. (1989). Holt-Oram syndrome associated with the hypoplastic left heart syndrome. Clinical genetics, 36(1), 69–72. DOI:10.1111/j.1399-0004.1989.tb03369.x
  6. Mattina, T., Perrotta, C. S., & Grossfeld, P. (2009). Jacobsen syndrome. Orphanet journal of rare diseases, 4, 9. DOI:10.1186/1750-1172-4-9
  7. Mäkikallio, K., McElhinney, D. B., Levine, J. C., Marx, G. R., Colan, S. D., Marshall, A. C., Lock, J. E., Marcus, E. N., & Tworetzky, W. (2006). Fetal aortic valve stenosis and the evolution of hypoplastic left heart syndrome: patient selection for fetal intervention. Circulation, 113(11), 1401–1405. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.105.588194

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