Síndrome de Zellweger

A síndrome de Zellweger (SZW), também denominada de síndrome cerebrohepatorrenal, é um distúrbio congénito raro da biossíntese dos peroxissomas. É considerada um erro inato do metabolismo e é a forma mais grave de um espectro de condições denominadas de distúrbios do espectro de Zellweger (DZS). Caracteriza-se pela redução ou ausência de peroxissomas funcionais. Os sintomas estão presentes desde o nascimento e incluem hipotonia, dificuldades na alimentação, convulsões e determinadas características físicas típicas, nomeadamente características faciais e malformações esqueléticas. Não há cura para SZW. A taxa de sobrevida média é inferior a 1 ano.

Última atualização: May 12, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Genética

Epidemiologia

  • Incidência: 1:50.000–100.000
  • O distúrbio mais comum relacionado com a biossíntese de peroxissomas observado na infância.
  • A maioria dos bebés nascidos com síndrome de Zellweger (SZW) não sobrevive além dos 6 meses.

Genéticos

  • Hereditariedade: autossómica recessiva
  • Causada por uma mutação em 1 dos 13 genes PEX, que codificam peroxinas → proteínas necessárias para a montagem normal dos peroxissomas:
    • Os peroxissomas são organelas ligadas à membrana presentes em todas as células, exceto eritrócitos maduros:
      • Contêm enzimas necessárias para múltiplas funções metabólicas catabólicas e anabólicas
      • Catalisam a beta-oxidação de ácidos gordos de cadeia muito longa (VLCFAs, pela sigla em inglês)
      • Catalisam a oxidação de ácidos fitânicos, pipecólicos, pristânicos e outros ácidos dicarboxílicos
      • Envolvidos na síntese de ácidos biliares e plasmalogénio
    • As mutações genéticas PEX resultam em perda da função peroxissomal → impedem o catabolismo de VLCFAs → ↑ acumulação de VLCFAs nas membranas das células neuronais → função anormal, atrofia e morte das células → migração e diferenciação neuronal prejudicada → desenvolvimento cerebral anormal → disfunção neurológica e lesão de extensão variável
  • Mais frequentemente uma mutação no gene PEX1

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Apresentação Clínica

As manifestações clínicas da SZW estão presentes ao nascimento.

Dismorfismo craniofacial

  • Suturas cranianas separadas
  • Fontanela anterior grande
  • Testa alta
  • Rosto achatado
  • Ponte nasal baixa e larga
  • Fissuras palpebrais inclinadas
  • Dobras epicânticas (dobra da pele da pálpebra superior até o canto interno do olho)
  • Língua saliente
  • Lóbulos das orelha deformados
  • Palato alto arqueado
Características dismórficas craniofaciais em pacientes com distúrbios do espectro de zellweger (zsd)

Características dismórficas craniofaciais em doentes com distúrbio do espectro de Zellweger (DZS)
Uma menina de 6 meses (A) com dismorfia craniofacial típica, pregas epicânticas, testa alta, ponte nasal larga, cristas supraorbitais hipoplásicas e fontanela anterior grande (desenhada). As imagens (B) e (C) mostram uma menina com DZS com 9 meses de idade (B) e 14 meses (C). O dismorfismo facial nesta menina é menos pronunciado.

Imagem: “Zellweger spectrum disorders: clinical overview and management approach” por Klouwer FC, Berendse K, Ferdinandusse S, Wanders RJ, Engelen M, Poll-The BT. Licença: CC BY 4.0, editado pela Lecturio.

Alterações neurológicas

  • Hipotonia grave e fraqueza muscular
  • Crises epiléticas
  • Perda de audição
  • Reflexos ausentes
  • Atraso no desenvolvimento

Alterações oculares

  • Défice auditivo
  • Cataratas
  • Retinopatia pigmentar
  • Glaucoma

Alterações hepáticas

  • Hepatomegalia
  • Icterícia
  • Cirrose
  • Coagulopatia
  • Disgenesia biliar (afeta o movimento normal da bile)

Alterações renais

  • Doença renal glomeruloquística
  • Disfunção renal

Condições associadas

  • Condrodisplasia punctata presente em 50%–70% dos casos:
    • Engloba um grupo de alterações esqueléticas caracterizadas por depósitos calcificados na cartilagem (pontilhado calcificado), particularmente na rótula e nos ossos longos
    • Associada a membros encurtados, contraturas articulares e alterações da coluna vertebral
  • Dificuldades de alimentação devido à hipotonia profunda

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • História clínica e exame objetivo
  • Análises laboratoriais:
    • Sangue:
      • ↑ Concentração de VLCFA no plasma
      • ↑ Intermediários de ácidos biliares di- e trihidroxicolestanóico (DHCA, THCA)
      • ↑ Concentrações de ácido fitânico, pristânico e pipecólico
    • Eritrócitos: ↓ concentração de plasmalogénio
    • Urina:
      • ↑ Ácidos biliares
      • ↑ Concentração de ácido pipecólico
  • Imagiologia:
    • Ressonância magnética do cérebro (RM): pode mostrar várias alterações, incluindo displasia neocortical, alterações da mielinização, alteração dos padrões corticais, diminuição do volume da substância branca, dilatação ventricular bilateral e quistos germinolíticos
    • Ultrassonografia abdominal: mostra hepatomegalia e/ou quistos renais
  • Testes de processos relacionados com os peroxissomas, em fibroblastos de pele cultivados, ajudam a confirmar o diagnóstico.
  • Teste genético: identifica o defeito molecular específico para confirmar o diagnóstico
  • O diagnóstico in utero, por obtenção de amostra de vilosidades coriónicas, pode ser realizado se existir suspeita do distúrbio ou história familiar.

Tratamento

Não há cura nem tratamento eficaz para a SZW. O tratamento é de suporte, na melhor das hipóteses.

  • Problemas de alimentação podem ser tratados com uma sonda nasogástrica.
  • Deve ser oferecido à família aconselhamento terapêutico e genético.

Prognóstico

A morte geralmente ocorre dentro de 1 ano após o nascimento (geralmente < 6 meses), geralmente devido a insuficiência respiratória.

Relevância Clínica

Doenças relacionadas

A síndrome de Zellweger faz parte de um continuum clínico de distúrbios da biogénese do peroxissoma conhecidos como distúrbios do espectro de Zellweger (DZS). Todas as condições a seguir têm, também, hereditariedade autossómica recessiva e são diagnosticadas e abordadas de forma semelhante à ZWS:

  • Adrenoleucodistrofia neonatal (NALD, pela sigla em inglês): considerada uma forma menos grave de DZS que a SZW. O dismorfismo craniofacial está presente, mas menos grave, sendo a hipoplasia do terço médio da face geralmente o achado mais pronunciado. Indivíduos com NALD também apresentam disfunção hepática e podem apresentar insuficiência adrenal, mas a doença renal quística e a condroplasia punctata estão ausentes. A disfunção neurológica na leucodistrofia progressiva (degeneração da substância branca cerebral) começa nos primeiros anos de vida. A maioria das crianças não sobrevive após os 5 anos de idade.
  • Doença de Refsum Infantil (IRD, pela sigla em inglês): a apresentação clínica é menos grave que a SZW e a NALD. As características dismórficas faciais são leves ou podem estar ausentes. Cursa com disfunção hepática e características neurológicas como hipotonia e défices visuais e auditivos. Observa-se um atraso grave no desenvolvimento nos primeiros 6 meses de vida. Ocorrem, também, sintomas gastrointestinais. A deterioração neurológica é mais lenta e as crianças com IDR podem sobreviver até à adolescência.
  • Síndrome de Heimler: distúrbio da biogénese peroxissomal extremamente raro, que é considerado a forma mais branda de DZS. A síndrome de Heimler é caracterizada por perda auditiva neurossensorial adquirida, distrofia retiniana ou pigmentosa, alterações ungueais e hipoplasia permanente do esmalte dentário. O restante do desenvolvimento e da cognição parecem normais. A esperança média de vida não é afetada.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial da SZW é vasto. Características clínicas, testes bioquímicos, imagens e, finalmente, testes genéticos ajudam a diferenciar e fornecer um diagnóstico. Os seguintes são distúrbios que devem ser considerados em qualquer recém-nascido que apresente hipotonia profunda:

  • Alterações cromossómicas:
    • Síndrome de Down (trissomia 21)
    • Síndrome de Prader-Willi
  • Distúrbios peroxissomais de enzima única:
    • Défice de Acil-CoA oxidase (também conhecida como pseudo-NALD)
    • Défice de proteína D-bifuncional
  • Outros distúrbios metabólicos:
    • Défice de maltase ácida (DMRI, pela sigla em inglês)
    • Défice de carnitina
    • Défice de citocromo C oxidase
  • Distúrbios neuromusculares:
    • Atrofia muscular espinhal
    • Distrofias musculares congénitas
    • Miopatias congénitas
  • Infeções:
    • Citomegalovírus (CMV)
    • Vírus da rubéola
    • Toxoplasmose
    • Vírus Herpes simplex (HSV, pela sigla em inglês)

Referências

  1. Wanders, R. J. & Schiffman, R. (2020). Peroxisomal disorders. UpToDate. Retrieved December 14, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/peroxisomal-disorders
  2. Klouwer, F.C.C., Berendse, K., Ferdinandusse, S. et al. (2015). Zellweger spectrum disorders: Clinical overview and management approach. Orphanet J Rare Dis. 10(151) https://doi.org/10.1186/s13023-015-0368-9
  3. Steinberg SJ, Raymond G V, Braverman NE, & Moser AB. (2020). Peroxisome Biogenesis Disorders, Zellweger Syndrome Spectrum. Gene Reviews. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1448/
  4. Gao, FJ., Hu, FY., Xu, P., et al. (2019). Expanding the clinical and genetic spectrum of Heimler syndrome. Orphanet J Rare Dis. 14, 290. https://doi.org/10.1186/s13023-019-1243-x
  5. Böhm, M., Pronicka, E., et al. (2006). Retrospective, multicentric study of 180 children with cytochrome C oxidase deficiency. Pediatric research, 59(1), 21–26. https://doi.org/10.1203/01.pdr.0000190572.68191.13

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