Síndrome de Peutz-Jeghers

A síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ) é uma doença hereditária autossómica dominante caracterizada por pólipos gastrointestinais e máculas mucocutâneas pigmentadas. A síndrome de Peutz-Jeghers é uma das síndromes de polipose, um grupo de doenças hereditárias ou adquiridas caracterizadas pelo crescimento de pólipos no trato GI e associadas a outras características extracólicas. São causadas por mutações em genes específicos associados à supressão tumoral ou à regulação do ciclo celular. A síndrome de Peutz-Jeghers é causada por ruturas no gene STK11 e está associada ao carcinoma do cólon (colorretal) e outros não relacionados com o cólon (pancreático, gástrico, mama, uterino, cervical, pulmonar, ovariano e testicular). O tratamento é feito através de vigilância apertada e cirurgia.

Última atualização: Jan 11, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ) é uma doença hereditária autossómica dominante caracterizada por pólipos gastrointestinais, hamartomatosos e máculas de melanina na pele/mucosa.

Epidemiologia

  • Relativamente raro
  • 1 caso a cada 60.000–300.000
  • Idade mediana para 1.ª apresentação de pólipos: 11–13 anos
  • Aproximadamente 50% das pessoas apresentam sintomas aos 20 anos.
  • 50–80% das mutações STK11 são familiares.
  • Ambos os sexos são igualmente afetados.
  • Risco de carcinoma ↑ com a idade:
    • 1–2% risco aos 20 anos
    • Aproximadamente 30% aos 50 anos
    • Aproximadamente 80% aos 70 anos
  • ↑ 15x risco de desenvolver carcinoma intestinal

Etiologia

  • Mutação de linha germinativa autossómica dominante do gene supressor tumoral serina/treonina quinase 11 (STK11/LBT1) no cromossoma 19p13
  • Mutação STK11: associada a 50-80% dos casos de famílias diagnosticadas com SPJ

Fisiopatologia

  • As funções de supressão tumoral e regulação do ciclo celular do gene STK11/LKB1 estão comprometidas.
  • Codifica para serina/treonina quinase multifuncional (STK, pela sigla inglês), importante na transdução de sinal de 2.º mensageiro
  • Modulação STK:
    • Proliferação celular
    • Polaridade da célula
    • Papel importante na resposta a ↓ níveis de energia celular
  • Proteína STK11 → inibição da proteína quinase ativada por AMP (AMPK, pela sigla em inglês) → sinaliza a inibição do alvo mecanístico da rapamicina quinase (mTOR, pela sigla em inglês)
  • Na SPJ, a via mTOR está desregulada.
  • Os pólipos são causados por um crescimento excessivo de células nativas na área normal:
    • Os pólipos hamartomatosos são compostos por elementos celulares normais do trato GI
    • O tipo de pólipos hamartomatosos da SPJ diferencia-se microscopicamente por:
      • Proliferação extensa de músculo liso, e
      • Padrão único arborizado em todo o pólipo

Apresentação Clínica

História clínica

  • Os pais podem relatar máculas periorais e bucais, que aparecem pela primeira vez por volta dos 5 anos de idade.
  • História familiar de PJS
  • Durante a 1.ª e 3.ª décadas de vida:
    • Anemia
    • Hemorragia retal
    • Dor abdominal
    • Obstrução
    • Invaginação intestinal

Exame objetivo

  • Pigmento mucocutâneo e máculas de melanina nos lábios, área perioral, mucosa bucal, olhos, narinas, pontas dos dedos, palmas das mãos, plantas dos pés e áreas perianais:
    • Máculas de 1 a 5 mm
    • Presentes em mais de 95% dos casos
    • Manchas pequenas, planas, castanhas ou azul-escuras
    • Semelhante em aparência às sardas
    • Mais comummente à volta de:
      • Boca: 94%
      • Narinas
      • Região perianal
      • Dedos
      • Aspetos dorsais e volares das mãos e pés: 62%–74%
    • Pode desaparecer após a puberdade, mas tende a persistir na mucosa bucal
  • Podem ser encontrados pólipos retais durante um exame retal.
  • Ginecomastia e aceleração do crescimento (devido ao tumor de células de Sertoli)
  • Massa testicular
Máculas pigmentares mucocutâneas em paciente muito jovem

Máculas pigmentares mucocutâneas em doente jovem

Imagem: “Peutz-Jeghers syndrome: black spots localized in the perioral area” por Rogério O. Gondak, et al. Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico

  • O diagnóstico requer dois dos seguintes:
    • > 2 pólipos SPJ na histologia
    • História familiar de SPJ
    • Pigmentação mucocutânea característica (lábios, boca, nariz, olhos, dedos, genitália)
  • Os pólipos de SPJ não têm características específicas na endoscopia e só podem ser distinguidos de forma confiável de outros tipos de pólipos por histologia.
    • Os pólipos (60%-90%) são encontrados com maior frequência no intestino delgado (jejuno).
    • Outros existem no cólon (50%-64%) e no estômago (15%-30%).
    • Os pólipos podem ser sésseis, lobulados ou pedunculados
    • Patologia: padrão distinto de arborização do músculo liso através da lâmina própria
  • Indivíduos que cumprem os critérios de diagnóstico têm recomendação para fazer teste genético.
    • Ajuda a identificar familiares com risco
    • Os testes genéticos podem ser usados para confirmar a SPJ
      • Sensibilidade variável do teste
      • Casos familiares: 70%
      • Casos esporádicos: 30%–67%
    • Nem todas as mutações associadas à SPJ foram identificadas, pelo que a ausência da mutação STK11 não exclui o diagnóstico de SPJ.

Tratamento

Observação

  • Extensão do aconselhamento genético aos doentes e às suas famílias (especialmente doentes que desejam ter filhos).
  • Vigilância anual, incluindo hemograma (pesquisar anemia por défice de ferro)
  • Endoscopia:
    • Inclui esofagogastroduodenoscopia e endoscopia por vídeocápsula
    • Início aos 8 anos de idade
    • Se forem encontrados pólipos, repetir a cada 2-3 anos
    • Se não houver pólipos, repetir aos 18 anos ou antes, se sintomático
  • Colonoscopia:
    • Início aos 8 anos de idade
    • Se forem encontrados pólipos, repetir a cada 2-3 anos
    • Se não houver pólipos, repetir aos 18 anos ou antes, se sintomático
  • Rastreio do cancro do pâncreas:
    • CPRM ou ecoendoscopia
    • Início aos 30-35 anos, repetindo a casa 1-2 anos
  • Rastreio do cancro da mama:
    • Exame clínico: início aos 30 anos, repetindo a cada 6 meses
    • Mamografia e RMN mamária: a partir dos 25-30 anos
  • Rastreio dos cancros do colo do útero, do ovário e do endométrio:
    • Papanicolau e exame pélvico: anualmente a partir dos 18 anos
    • Procurar sinais de puberdade precoce
    • As recomendações para ecografia endovaginal variam
  • Rastreio de tumores testiculares (tumor de células de Sertoli)
    • Exame testicular anual: início aos 10 anos de idade
    • Procurar também por sinais de feminização (e.g. ginecomastia)
    • Fazer ecografia se houver alterações
  • Na SPJ existe risco de cancros da tiroide e do pulmão, mas não há evidência que sustente o rastreio.

Tratamento cirúrgico

  • Polipectomia endoscópica para pólipos >0.3 cm
  • Mastectomia profilática
  • Histerectomia profilática e salpingo-ooforectomia bilateral após gravidez
  • Outras cirurgias, que incluem laparotomias e laparoscopias para envolvimento GI e complicações extraintestinais.
  • A laparotomia e a resseção podem ser necessárias se:
    • Alterações neoplásicas
    • Incapacidade para monitorizar e remover pólipos
    • Invaginação intestinal
    • Obstrução
    • Hemorragia intestinal persistente

Complicações

  • Invaginação intestinal em 69% dos indivíduos
  • Obstrução GI por pólipos no intestino delgado e cólon em 43% dos indivíduos
  • Isquemia mesentérica em 23% dos indivíduos
  • Anemia por défice de ferro
  • Hemorragia GI de lesões ulcerativas em 14% dos indivíduos
  • Extrusão de pólipo em 7% dos indivíduos

Prognóstico

  • 39% de risco de carcinoma colorretal ao longo da vida
  • 32%–54% risco de carcinoma da mama ao longo da vida
  • Aproximadamente 50% dos indivíduos com SPJ morrem de carcinoma aos 57 anos de idade.
  • Idade média do 1.º diagnóstico de carcinoma: 43 anos

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome de Cowden: doença autossómica dominante causada por mutações no PTEN, um gene supressor tumoral. É uma genodermatose e caracterizada por múltiplos hamartomas benignos (em qualquer localização), lesões mucocutâneas e macrocefalia. O tratamento depende da localização do hamartoma.
  • Carcinoma do cólon hereditário sem polipose (HNPCC, pela sigla em inglês): doença autossómica dominante causada por mutações nos genes de reparação mismatch (MMR, pela sigla em inglês), que leva ao desenvolvimento de carcinoma colorretal em familiares de 1º grau. O carcinoma do cólon hereditário sem polipose também é conhecido como síndrome de Lynch. O tratamento é feito através de uma colectomia profilática e endoscopia frequente para vigilância.
  • Polipose juvenil: doença autossómica dominante caracterizada pelo crescimento de pólipos hamartomatosos no cólon (tipo juvenil). A polipose juvenil é frequentemente associada a mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A. O diagnóstico é feito através da visualização de > 5 pólipos na colonoscopia, pólipos juvenis noutras áreas do trato GI ou qualquer número de pólipos associado a uma história familiar positiva. O tratamento inclui vigilância, polipectomia e colectomia nos casos de neoplasia GI sintomática, pólipos aumentados e CCR confirmado.
  • Carcinoma colorretal (CCR): 2.ª principal causa de morte relacionada com carcinoma nos Estados Unidos. O carcinoma colorretal é uma doença heterogénea, decorrente de anomalias genéticas e epigenéticas, com influência de fatores ambientais. Quase todos os casos de CCR são adenocarcinomas. Como a maioria dos casos são assintomáticos, o rastreio é importante. O diagnóstico é feito por colonoscopia e o tratamento é principalmente cirúrgico.
  • Carcinoma da tiroide: a malignidade das células da glândula tiroideia advém de células foliculares da tiroide ou de células C produtoras de calcitonina. O carcinoma papilar é o tipo mais comum associado à polipose adenomatosa familiar (PAF). A exposição à radiação ionizante e o défice de iodo também são fatores de risco. O diagnóstico é feito pelo doseamento da hormona estimulante da tiroide, ecografia e biópsia. O tratamento é principalmente cirúrgico.

Referências

  1. Gondak, R. O., et al. (2012). Oral pigmented lesions: Clinicopathologic features and review of the literature. Medicina oral, patologia oral y cirugia bucal. 17(6), e919–e924. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22549672/
  2. Sekino, Y., et al. (2011). Solitary Peutz-Jeghers type hamartomatous polyps in the duodenum are not always associated with a low risk of cancer: two case reports. Journal of medical case reports. 5, 240. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21707968/
  3. Chung, D. (2021). Peutz-Jeghers syndrome: Clinical manifestations, diagnosis, and management. UpToDate. Retrieved June 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/peutz-jeghers-syndrome-clinical-manifestations-diagnosis-and-management
  4. Wu, M., Krishnamurthy, K. (2021). Peutz-jeghers syndrome. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. Retrieved June 10, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK535357/
  5. To, B. (2018). Peutz-Jeghers Syndrome. Emedicine. Retrieved June 14, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/182006-overview#a2
  6. Kopacova, M., et al. (2009). Peutz-Jeghers syndrome: Diagnostic and therapeutic approach. World J Gastroenterol. 15(43), 5397–5408. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19916169/

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