Síndrome de CHARGE

A síndrome de CHARGE é uma doença genética, rara, com hereditariedade autossómica dominante, na qual quase todos os sistemas do corpo são afetados. O acrónimo CHARGE representa a constelação de características clínicas observadas nesta condição: Coloboma, Heart defects, Atresia choanae, Growth retardation, Genital Abnormalities, and Ear abnormalities (coloboma, defeitos cardíacos, atrésia das coanas , atraso do crescimento, alterações genitais e alterações do ouvido). O teste genético confirma o diagnóstico. O tratamento é sintomático, sendo a abordagem da via aérea, defeitos cardíacos e capacidade de alimentação as prioridades no período de início de vida. Não existe terapêutica curativa definitiva.

Última atualização: May 10, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Genética

Epidemiologia

  • Incidência: 1 em 12.000–15.000 recém-nascidos
  • A mortalidade é maior durante o período neonatal.

Genética

  • Mais frequentemente devido a uma mutação de perda de função no gene CHD7
    • Produz a proteína CHD7, envolvida na remodelação da cromatina
    • A remodelação da cromatina controla a expressão do gene.
    • A proteína CHD7 alterada decompõe-se prematuramente.
    • Resulta na interrupção da remodelação da cromatina e escassa expressão génica.
    • Prejudica a diferenciação da crista neural em várias estruturas em todo o corpo.
  • Padrão de hereditariedade: autossómica dominante
  • Pode ser familiar, mas resulta mais frequentemente de mutações de novo (idiopáticas)
  • A idade paterna avançada é, possivelmente, um fator de risco

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Apresentação Clínica

Sintomas característicos

CHARGE é um acrónimo para descrever a apresentação clínica desta síndrome:

  • C de Coloboma (um orifício na coroide, retina, íris e/ou disco ótico)
    • Unilateral ou bilateral
    • Comprometimento da visão dependendo da localização e tamanho
    • Também pode apresentar microftalmia
  • H para Heart defects (defeitos cardíacos) (60%–70% dos casos)
    • Coartação da aorta
    • Estenose da válvula aórtica
    • Tetralogia de Fallot
    • Persistência do canal arterial
  • A de Atresia of the choanae (atrésia coanal/ das coanas)
    • O tecido ósseo e/ou membranoso bloqueia a passagem nasal.
    • Denota-se pela incapacidade de passar o tubo nasogástrico.
  • R de growth Retardation (atraso de crescimento) (60%–70% dos casos)
    • Percetível nos primeiros 6 meses de vida
    • Pode ser observado no útero
    • Baixa estatura
    • Devido ao défice de hormona do crescimento (GH, pela sigla em inglês) e défice de gonadotrofina
  • G de Genital abnormalities (alterações genitais)
    • Hipogonadismo hipogonadotrófico
    • Micropénis, criptorquidia
    • Displasia labial
  • E de Ear abnormalities (alterações do Ouvido) (100% dos casos)
    • Os canais semicirculares hipoplásicos são patognomónicos.
    • A orelha externa é pequena, de implantação baixa e quadrada, com hélices salientes.
    • Defeitos de desenvolvimento do ouvido médio e interno → défice auditivo

Condições associadas

  • Características dismórficas faciais adicionais: face quadrada, paralisia do nervo facial, achatamento malar, micrognatia, fissura orofacial
  • Alterações esqueléticas como escoliose, polidactilia, oligodactilia ou pé boto
  • Fístula traqueoesofágica
  • Dificuldades de alimentação e na deglutição/desnutrição
  • Alterações neurológicas
  • Défice intelectual e atraso no desenvolvimento
  • Alterações renais

Diagnóstico

Critérios de diagnóstico

O diagnóstico da síndrome de CHARGE pode ser estabelecido se 2 critérios major e qualquer número de critérios minor estiverem presentes.

  • 4 critérios major (4 Cs):
    1. Coloboma
    2. Atrésia coanal ou fenda palatina
    3. Alterações características do ouvido externo, médio ou interno, incluindo canais semicirculares hipoplásicos
    4. Variante CHD7 (patogénica)
  • 7 critérios minor:
    1. Disfunção do nervo craniano, incluindo perda auditiva
    2. Disfagia/dificuldades de alimentação
    3. Alterações estruturais cerebrais
    4. Atraso no desenvolvimento/défice intelectual/autismo
    5. Disfunção hipotálamo-hipofisária (incluindo défices hormonais) e alterações genitais
    6. Malformações cardíacas ou esofágicas
    7. Alterações renais/esqueléticas/dos membros

Análises laboratoriais

  • Hemograma completo (CBC, pela sigla em inglês)
  • Análise da função renal
  • Análise hormonal (↓ hormona do crescimento, ↓ gonadotrofinas)
  • Estudos imunológicos

Imagiologia

  • Ultrassonografia (US, pela sigla em inglês):
    • US craniana: realizada durante o período neonatal para excluir grandes malformações cerebrais
    • US abdominal: para excluir alterações renais
  • Ecocardiografia: alterações valulares e defeitos cardíacos estruturais
  • Deglutição de bário: dismotilidade esofágica
  • Radiografias de tórax: para detetar alterações cardiopulmonares
  • Tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RMN): alterações do prosencéfalo, atrofia cerebral, defeitos do mesencéfalo
Gânglios da base grave epvs

Ressonância magnética a demonstrar atrofia cerebral de estadio leve (A) a moderado (B) a grave (C)

Imagem: “EPVS” por Department of Neurology, Beijing Chaoyang Hospital, Capital Medical University, Beijing, China.  Licença: CC BY 4.0

Outros exames

  • Eletroencefalograma (EEG)
  • Eletrocardiograma (ECG)
  • Audiometria
  • Exame oftalmológico
  • Avaliação psicológica e educacional

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

Estão disponíveis várias opções de tratamento de suporte e corretivo. O tratamento é adaptado aos sintomas e alterações presentes.

  • Tratamento médico:
    • Suplementação de oxigénio na doença cardíaca cianótica
    • Alimentação nasogástrica se dificuldades de deglutição
    • Lágrimas artificiais se paralisia facial, para evitar cicatrizes na córnea
    • Aparelhos auditivos/implantes cocleares
    • Equipamento médico como ortóteses ou cadeiras de rodas para ajudar na mobilidade
    • Terapêutica androgénica em alguns casos para crescimento peniano
    • Fisioterapia para ajudar na mobilidade
    • Terapia da fala conforme necessário
  • Tratamento cirúrgico:
    • Traqueostomia (colocação de um tubo na traqueia para estabilizar a passagem de ar)
    • Gastrostomia (colocação de um tubo no estômago para alimentação)
    • Miringotomia (colocação de um tubo na membrana timpânica na otite média)

Prognóstico

  • A mortalidade é maior no período neonatal e na primeira infância devido a:
    • Doença cardíaca cianótica
    • Atrésia coanal bilateral
    • Atrésia esofágica
    • Alterações do sistema nervoso central (SNC)
  • O tratamento é necessário para a sobrevivência, mas não há tratamentos curativos disponíveis.

Diagnóstico Diferencial

  • Associação VACTERL: distúrbio que afeta vários sistemas do corpo no desenvolvimento fetal. VACTERL é o acrónimo para a constelação de características clínicas observadas nesta condição: Vertebral defects, Anal atresia, Cardiac defects, Tracheoesophageal fistula, Renal anomalies, and Limb abnormalities (defeitos vertebrais, atrésia anal, defeitos cardíacos, fístula traqueoesofágica, anomalias renais e dos membros inferiores). O distúrbio parece ocorrer esporadicamente sem um padrão de hereditariedade claro. A cognição não é afetada. O distúrbio é um diagnóstico de exclusão no contexto da presença de pelo menos 3 das características clínicas acima. O tratamento é conservador e cirúrgico, baseado nos sintomas e alterações.
  • Síndrome de Kallmann: condição genética que causa hipogonadismo hipogonadotrófico e comprometimento do olfato. Foram observadas mutações no mesmo gene (CHD7) implicado na síndrome CHARGE em doentes com síndrome de Kallmann. Dada a sobreposição, os indivíduos com suspeita de síndrome de Kallmann podem ter características semelhantes às da síndrome CHARGE, embora muito mais leves, e devem realizar rastreios adicionais. Testes genéticos com sequenciamento de genes ajudam no diagnóstico e diferenciação.

Referências

  1. Van Ravenswaaij-Arts, C. & Martin, Donna M.(2017). New insights and advances in CHARGE syndrome: Diagnosis, etiologies, treatments, and research discoveries. Am J Med Genet C Semin Med Genet. 175(4): 397–406. Published online 2017 Nov 24. doi: 10.1002/ajmg.c.31592
  2. CHARGE Syndrome. Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM). Retrieved December 2, 2020. URL:https://www.omim.org/entry/214800#creationDate
  3. Jongmans, M.C., et al.  (2006). CHARGE syndrome: the phenotypic spectrum of mutations in the CHD7 gene. J Med Genet. 43(4): 306–314.Published online 2005 Oct 14. doi: 10.1136/jmg.2005.036061
  4. Dijk, D. R., Bocca, G., & van Ravenswaaij-Arts, C. M. (2019). Growth in CHARGE syndrome: optimizing care with a multidisciplinary approach. J Multidiscip Healthc.12: 607–620. Published online 2019 Aug 1. doi: 10.2147/JMDH.S175713
  5. Jongmans M.C., van Ravenswaaij-Arts C.M., Pitteloud N., et al. (2009). CHD7 mutations in patients initially diagnosed with Kallmann syndrome–the clinical overlap with CHARGE syndrome. Clinical Genetics. 75(1):65-71. DOI: 10.1111/j.1399-0004.2008.01107.x.
  6. Blake, K. M., Prasad, C. (2015). Orphanet: CHARGE syndrome.  Retrieved December 9, 2020, from https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=en&Expert=138

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