Síndrome de Brown-Séquard

A síndrome de Brown-Séquard (SBS) é uma lesão neurológica rara que resulta da hemissecção da medula espinhal, resultando em fraqueza e paralisia de um lado do corpo e perda sensitiva no lado oposto. Esta síndrome é mais frequentemente causada por trauma, mas também pode ocorrer por hérnia discal, hematoma ou tumor. A apresentação clínica é consistente com lesão ipsilateral do trato corticospinhal e das colunas posteriores (fraqueza, perda de proprioceção e sensação de vibração) abaixo do nível da lesão e sintomas da coluna anterior contralateral devido ao envolvimento unilateral do trato espinotalâmico (perda da dor e sensação de temperatura). O diagnóstico é confirmado com RMN. O tratamento depende da etiologia e do local da lesão, e a intervenção oportuna está associada a um prognóstico e recuperação favoráveis.

Última atualização: Jun 20, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A síndrome de Brown-Séquard (SBS) é uma lesão neurológica rara que resulta da hemissecção da medula espinhal, resultando em fraqueza e paralisia de um lado do corpo e perda sensitiva no lado oposto.

Epidemiologia

  • Raro: 2%–4% das lesões da medula espinhal
  • Incidência: maior no sexo masculino
  • Idade média de ocorrência: 40 anos

Anatomia

  • Num corte transversal, a medula espinhal (ME) mostra a substância branca ao redor da substância cinzenta.
  • A substância cinzenta está disposta num padrão em forma de H.
  • Substância cinzenta:
    • Corno anterior
    • Corno posterior
    • Corno lateral
  • Substância branca: tratos ascendentes e descendentes na ME periférica
    • As colunas anterolaterais/ventrais contêm:
      • Trato corticoespinhal anterior
      • Fascículo longitudinal medial
      • Trato espinotalâmico lateral
      • Trato espinotalâmico anterior
    • Colunas laterais:
      • Trato corticoespinhal lateral
      • Trato corticorrubro/rubroespinal
      • Trato espinocerebelar
    • Colunas dorsais:
      • Fascículo grácil
      • Fascículo cuneiforme

Etiologia

A causa mais frequente de SBS é a lesão penetrante. Existem também causas não traumáticas.

  • Causas traumáticas:
    • Lesão por faca/esfaqueamento na região cervical
    • Tiro/bala na coluna
    • Acidente em veículo motorizado
    • Queda com fratura vertebral
  • Causas não traumáticas:
    • Esclerose múltipla/desmielinização
    • Herniação do disco vertebral
    • Tumores primários ou metastáticos
    • Hematoma epidural espinhal
    • Mielite transversa
    • Infeções:
      • TB
      • Meningite
      • Sífilis

Fisiopatologia

  • Os tratos ascendentes e descendentes num lado da medula espinhal são danificados →
    • Desenvolvem-se hemorragias petequiais na substância cinzenta dentro de uma hora após a lesão →
    • A substância branca é afetada dentro de 3 a 4 horas após a lesão.
  • 24-36 horas após a lesão → necrose hemorrágica → dano extenso das fibras mielinizadas e dos tratos longos
  • Descontinuidade no córtex somatossensorial primário e na área motora suplementar → sensibilidade clinicamente diminuída

Apresentação Clínica e Diagnóstico

A síndrome de Brown-Séquard ocorre por hemissecção da medula espinhal após uma lesão ou outra patologia. Os achados neurológicos ao exame estão relacionados com o nível da lesão medular.

Apresentação clínica

  • Perda sensitiva:
    • A perda ipsilateral da proprioceção e da sensação vibratória (colunas dorsais) ocorre abaixo do nível da lesão (ver imagem).
    • Perda contralateral da sensação de dor e temperatura = trato espinotalâmico (TST), começando aproximadamente 2 níveis abaixo do nível da lesão, uma vez que o TST continua no lado ipsilateral da medula antes de cruzar para o lado contralateral
  • Perda motora: perda ipsilateral da função motora abaixo do nível da lesão (tratos corticoespinhais)
  • Sistema autonómico intacto: o envolvimento unilateral das fibras autonómicas descendentes não produz sintomas vesicais.
  • Na realidade, a maioria dos casos de SBS são hemissecções parciais → graus variados de perda sensitiva e motora, dependendo da etiologia
  • Sinal de Horner ipsilateral (perda de estímulo simpático) se a lesão estiver acima de T1:
    • Miose (pupila contraída)
    • Ptose (pálpebra caída)
    • Anidrose (perda da sudorese)
Local de apresentação clínica na síndrome de brown-séquard

Imagem a representar os achados clínicos na síndrome de Brown-Séquard:
A área verde representa o lado da lesão medular (lado direito).
1: Nível da lesão
2: Perda ipsilateral da proprioceção e da sensação vibratória, que ocorre abaixo do nível da lesão (colunas dorsais), e da função motora (trato corticoespinhal).
3: Perda contralateral da sensação de dor e temperatura que ocorre a partir de aproximadamente 2 níveis abaixo do nível da lesão (trato espinotalâmico).

Imagem por Lecturio.

Diagnóstico

  • História e exame físico:
    • Para determinar a causa/extensão do dano e défices neurológicos
    • Se a lesão estiver acima de T1 observa-se síndrome de Horner
    • A história de viagens também é essencial para descartar infeções.
  • Análise laboratorial:
    • Testes para descartar etiologias infeciosas, se indicado
    • Considerar a TB como causa de SBS, se aplicável.
  • Imagiologia:
    • Em caso de trauma agudo são obtidos Rx simples.
    • A RMN é o exame de eleição.
    • A mielografia por TAC é realizada se a RMN estiver contraindicada.
    • Angiografia para determinar malformações vasculares

Tratamento

O tratamento da SBS depende da etiologia e do local da lesão. As complicações são decorrentes principalmente de feridas traumáticas penetrantes, em casos não tratados ou com intervenção tardia. O prognóstico na SBS é bom em comparação com outras síndromes da medula espinhal devido ao seu envolvimento incompleto da ME.

Tratamento

  • Desbridamento de feridas
  • Farmacoterapia:
    • Vacina contra o tétano na presença de uma ferida
    • Antibióticos para prevenir infeção (se trauma penetrante)
    • Tratamento da dor com analgésicos
    • Baclofeno se espasticidade muscular
  • Fisioterapia:
    • Manter a força dos músculos neurologicamente intactos
    • Prevenir dano às articulações e manter a sua amplitude de movimento
    • Prevenir úlceras de decúbito
    • Promover a mobilização ou deambulação assistida por dispositivos
    • Estabelecer uma rotina para as atividades diárias
  • Cirurgia:
    • Indicações: SBS devido a trauma acompanhado por:
      • Vazamento de LCR
      • Retenção de corpos estranhos
      • Compressão da medula
    • Procedimentos:
      • Redução, estabilização e descompressão da medula espinhal
      • Reparação dural
  • Imobilização da coluna

Complicações

  • Hipotensão
  • Choque espinhal: após trauma agudo → paralisia motora com perda inicial, mas recuperação gradual dos reflexos (não é um choque neurogénico)
  • Depressão
  • Embolia pulmonar: devido à imobilização prolongada e trombose venosa profunda
  • Infeções pulmonares e urinárias

Prognóstico

  • A recuperação pode ocorrer até 2 anos após a lesão.
  • A duração da recuperação depende do local e da gravidade da lesão.
  • A maioria dos indivíduos recupera a capacidade funcional da marcha.

Diagnóstico Diferencial

  • Acidente vascular cerebral isquémico: também conhecido como acidente vascular cerebral. O AVC isquémico é uma lesão neurológica aguda resultante de isquemia cerebral. A apresentação clínica inclui sintomas neurológicos com vários graus de perda motora e sensitiva, tendo em conta a área do cérebro afetada e a extensão do dano tecidual. O diagnóstico é baseado no exame objetivo e em exames de imagem. O tratamento é idealmente com terapêutica trombolítica para restaurar o fluxo sanguíneo, se o tempo de evolução e a situação clínica o permitirem.
  • Siringomielia: formação de um cisto cheio de líquido dentro da medula espinhal, chamado sirinx, que pode expandir-se e alongar-se com o tempo. Danos na medula espinhal podem resultar em défices sensitivos e motores relacionados com o nível afetado. Isso geralmente inclui perda bilateral da sensação de dor e de temperatura ao longo da parte superior do tórax e dos braços. O diagnóstico é realizado por imagem de RMN e o tratamento faz-se através da intervenção cirúrgica em indivíduos com sintomas graves.
  • Síndrome medular anterior (SMA): síndrome medular incompleta, dos ⅔ anteriores (ventrais) da medula espinhal, poupando as colunas dorsais. A síndrome medular anterior pode ser causada por oclusão da artéria espinhal anterior ou trauma causando herniação de disco e libertação de fragmentos ósseos, que rompem a medula espinhal. As manifestações clínicas são a perda da função motora e sensitiva abaixo do nível da lesão. O diagnóstico da SMA é baseado no exame clínico e na neuroimagem com RMN. A gestão do doente é direcionada para a resolução da causa subjacente.
  • Síndrome medular central: síndrome neurológica causada por lesão no centro da medula espinhal, afetando os tratos espinotalâmicos (sensitivos) e o aspeto medial dos tratos corticoespinhais (motores). As manifestações clínicas são défices motores nos braços, mais proeminentes do que nas pernas, e défices sensitivos variáveis abaixo do nível da lesão. O diagnóstico é realizado clinicamente e apoiado por neuroimagem. O tratamento definitivo pode ser clínico ou cirúrgico, dependendo da gravidade da lesão.
  • Esclerose múltipla: distúrbio autoimune em que o sistema imunológico tem como alvo a bainha protetora de mielina que cobre as fibras nervosas. A apresentação clínica inclui sintomas visuais, tremores, marcha instável, parestesias ou fraqueza nos membros, fala arrastada, fadiga e tonturas. O diagnóstico é realizado com base na apresentação clínica, RMN e testes de potenciais evocados. A gestão do doente é de suporte e direcionada para o tratamento das crises, com o foco de retardar a progressão da doença.
  • Doença da descompressão (DCS, pela sigla em inglês): conhecida informalmente como “the bends”. A doença da descompressão é causada pela compressão e descompressão dos gases contidos no corpo durante a descida e subida rápida durante o mergulho. A apresentação clínica da DCS pode ser inespecífica e variável, com tempo de início que varia de imediatamente até 12 horas após o regresso à superfície. O diagnóstico é clínico. O tratamento é baseado na terapêutica de suporte precoce e recompressão hiperbárica.

Referências

  1. Shams, S., Arain, A. (2021). Brown Séquard syndrome. StatPearls. Retrieved September 29, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK538135/.
  2. Halvorsen, A., Pettersen, A.L., Nilsen, S.M., Halle, K.K., Schaanning, E.E., Rekand, T. (2019). Epidemiology of traumatic spinal cord injury in Norway in 2012-2016: a registry-based cross-sectional study. Spinal Cord 57:331–338. https://www.nature.com/articles/s41393-018-0225-5.
  3. Hachem, L.D., Ahuja, C.S., Fehlings, M.G. (2017). Assessment and management of acute spinal cord injury: from point of injury to rehabilitation. Journal of Spinal Cord Medicine 40:665–675. https://doi.org/10.1080/10790268.2017.1329076.
  4. Decker, J.E., Hergenroeder, A.C. (2020). Overview of cervical spinal cord and cervical peripheral nerve injuries in the child or adolescent athlete. UpToDate. Retrieved September 30, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-cervical-spinal-cord-and-cervical-peripheral-nerve-injuries-in-the-child-or-adolescent-athlete.

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