Regulação Renal de Potássio

O potássio é o principal catião intracelular em todas as células e está distribuído de forma desigual entre o fluido intracelular (98%) e extracelular (2%). Esta grande disparidade é necessária para manter o potencial de membrana de repouso das células, e explica porque é que o equilíbrio do K+ é regulado de forma rigorosa. O trato gastrointestinal secreta 5%–10% do K+ absorvido diariamente; contudo, os rins são responsáveis por 90%–95% da regulação geral do K+. Enquanto a maioria do K+ é reabsorvida nos túbulos proximais, a maior parte da regulação ocorre nas células principais e nas células α-intercaladas dos dutos coletores. Os mecanismos reguladores mais importantes incluem a aldosterona, a concentração plasmática de K+, o fluxo urinário distal, e a entrega distal de Na+ e água. A hipercaliemia e a hipocaliemia podem resultar de uma regulação de K+ anormal.

Última atualização: Feb 24, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Introdução

Distribuição de potássio:

  • Espaço de fluido intracelular (FIC): 98%
    • Mantido pela ATPase Na+/K+ (requer energia)
    • Crítico para a condução nervosa e para a contração muscular
  • Espaço de fluido extracelular (FEC): 2%
    • Os níveis séricos de K+ representam apenas o K+ no FEC.
    • Valores normais: 3,5-5,2 mEq/L

Mecanismos de equilíbrio do K+:

  • Ingestão através da dieta
  • Perdas pelo trato gastrointestinal (5%–10%)
  • Perdas renais (90%–95%)
  • Deslocação transcelular de K+:
    • Redistribuição entre o FIC e o FEC
    • Evita o ↑ excessivo na concentração de K+ no FEC
    • O K+ desloca-se principalmente do FEC para as células musculares e hepáticas.

Processos renais para regular a água, os electrólitos e os resíduos

  • Filtração: O plasma é filtrado nos capilares glomerulares, criando um filtrado que passa através dos túbulos renais.
  • Reabsorção: Os solutos e a água necessários são reabsorvidos do lúmen do túbulo de volta para o sangue.
  • Secreção: Os produtos residuais são secretados intencionalmente para o lúmen.
  • Excreção: O filtrado restante nos túbulos é excretado como urina.
Funções renais primárias

Funções renais primárias

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Revisão da anatomia do nefrónio

Os nefrónios são as unidades funcionais do rim.

Segmentos do nefrónio (na ordem pela qual o filtrado flui):

  • Cápsula de Bowman
  • Túbulo contornado proximal
  • Ansa de Henle:
    • Porção descendente fina
    • Porção ascendente fina
    • Porção ascendente espessa
  • Túbulo contornado distal
  • Ducto coletor

Tipos de nefrónios:

  • Cortical (ou superficial): as ansas de Henle só penetram até à profundidade da medula externa.
  • Justamedular:
    • Nefrónios cujas ansas penetram até à medula interna
    • Permitem o ↑ concentração da urina (devido ao ↑ osmolalidade na medula interna)
Anatomia do nefónio

Anatomia do nefrónio

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Regulação do Potássio no Glomérulo, no Túbulo Proximal e na Ansa de Henle

Glomérulo

  • O K+ é filtrado livremente do sangue que passa pelos capilares glomerulares para o espaço de Bowman.
  • Não há nenhuma ação reguladora no glomérulo.
Segmentos iniciais do nefrónio

Segmentos iniciais do nefrónio (glomérulo e túbulo proximal)

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Túbulo proximal

As células do túbulo contornado proximal têm a maior capacidade de absorção de todo o nefrónio. Toda a glicose, aminoácidos e cerca de 65% do Na+ e água são reabsorvidos no túbulo proximal, além da maioria do K+.

  • Cerca de 65%-70% do K+ filtrado é reabsorvido.
  • A reabsorção é paracelular (entre as células) em vez de transcelular (que é um processo ativo que requer energia).
  • O transporte paracelular passivo ocorre via:
    • Difusão
    • Arrasto pelo solvente

Lembre-se dos 3 Ps:

  • Túbulo proximal
  • Transporte passivo
  • Paracellular
Transporte paracelular de potássio

Transporte paracelular de K+ no túbulo proximal

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Porção ascendente espessa da ansa de Henle

Cerca de 10%–25% do K+ filtrado é reabsorvido na ansa de Henle. A reabsorção envolve as seguintes 2 proteínas de transporte na membrana luminal:

  • Cotransportador NKCC2:
    • Transporte ativo (requer energia da ATPase Na+/K+ basolateral)
    • Transporta o seguinte para dentro da célula a partir do lúmen do túbulo:
      • 1 Na+
      • 1 K+
      • 2 Cl
    • Mantém a neutralidade elétrica ao mover 2 iões com carga positiva e 2 iões com carga negativa juntos, tudo na mesma direção
    • Os diuréticos da ansa (furosemida, torsemida, bumetanida) inibem o NKCC2 → retém Na+, K+, e Cl no lúmen.
  • ROMK (canal externo renal medular de potássio):
    • Permite que o K+ saia da célula para o lúmen tubular
    • Um canal regulado para o transporte passivo
    • Estimulado pelo ATP intracelular baixo: a ATPase Na+/K+ utilizou o ATP para trazer o K+ para a célula, que precisa de ser excretado.
    • Importante para a reciclagem do K+ para permitir que o NKCC2 continue a sua função:
      • Há uma concentração muito maior de Na+ do que de K+ no lúmen do túbulo.
      • A reciclagem do K+ no lúmen do túbulo permite ao NKCC2 continuar a trazer mais Na+ para as células.
Movimento do potássio na ansa de henle

Movimento do K+ na porção ascendente espessa da ansa de Henle

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Regulação de Potássio nos Ductos Coletores

Embora as maiores quantidades de K+ sejam reabsorvidas nos túbulos contornados proximais, os locais primários de regulação significativa de K+ ocorrem nos ductos colectores, dentro das células principais e das células α-intercaladas.

Células principais

  • Localizadas nos ductos coletores corticais
  • Membrana basolateral:
    • ATPase Na+/K+: 3 Na+ saem da célula, 2 K+ entram na célula
  • Membrana luminal:
    • Canal epitelial de sódio (ENaC): 1 Na+ move-se para a célula.
      • Por cada Na+ que entra na célula, um Cl permanece no lúmen tubular.
      • Cria um gradiente elétrico onde a membrana luminal é mais negativa.
    • Canal ROMK: Um K+ move-se para fora da célula.
  • O K+ move-se para as células principais a partir dos capilares através da ATPase Na+/K+ (transporte ativo) e para o lúmen através dos canais ROMK (transporte passivo regulado).
Movimento do potássio na célula principal

Movimento de potássio na célula principal

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Excreção de K+ das células principais

O potássio sai para o lúmen através dos canais ROMK, que são controlados por fatores que afetam o transporte passivo:

  • Gradiente de difusão:
    • ↑ Intracelular de K+ (o K+ está localizado principalmente no FIC devido à ATPase Na+/K+)
    • ↓ K+ luminal
    • Favorece o efluxo de K+ para o lúmen
  • Gradiente elétrico:
    • No lúmen tubular, cada Na+ é acompanhado por um Cl.
    • Quando um ião de Na se move através do canal ENaC, o ião de cloreto que o acompanha permanece no lúmen tubular e gera o gradiente elétrico.
    • A carga luminal cada vez mais negativa atrai K+.
    • ↑ atividade do canal ENaC → ↑ eletronegatividade do lúmen tubular → ↑ afinidade para o K+ passar para o lúmen tubular através do canal ROMK
  • Permeabilidade da membrana luminal ao K+ :
    • Os canais ROMK podem abrir e fechar.
    • Os canais ROMK abrem quando o ATP intracelular é baixo.

Regulação da excreção de K+ a partir das células principais

Existem 4 fatores primários que regulam a excreção de K+ ao nível das células principais:

  • Aldosterona:
    • Estimula a ATPase Na+/K+ basolateral para trazer mais K+ para as células
    • ↑ Número de canais luminais abertos:
      • Canais ENaC E
      • Canais ROMK
    • Efeito final: ↑ excreção de K+
  • Aumento da concentração plasmática de K+ (igual a aldosterona):
    • Estimula a ATPase Na+/K+ basolateral
    • ↑ Número de canais luminais abertos:
      • Canais ENaC E
      • Canais ROMK
    • Efeito final: ↑ excreção de K+
  • Fluxo tubular distal:
    • Alto fluxo (por exemplo, poliúria):
      • K+ secretado pelo canal ROMK é rapidamente movido para a porção seguinte do nefrónio.
      • O gradiente de concentração favorece a difusão do K+ para o fluido tubular.
      • Efeito final: ↑ fluxo de urina = ↑ excreção de K+ (e ↓ K+ sérico)
    • Baixo fluxo (por exemplo, oligúria):
      • O K+ tubular permanece mais próximo do canal ROMK após a secreção.
      • Há menos gradiente de concentração para a difusão do K+ através do canal ROMK.
      • Efeito final: ↓ fluxo de urina = ↓ excreção de K+ (e ↑ K+ sérico)
  • Entrega distal de Na+:
    • Entrega distal de Na+ elevada:
      • Há mais Na+ a mover-se para dentro da célula através do canal ENaC.
      • = Mais Cl deixado para trás no lúmen tubular
      • = Lúmen tubular mais eletronegativo
      • = Maior gradiente elétrico para secreção de K+ através do canal ROMK
    • Entrega distal de Na+ baixa:
      • Há menos Na+ a entrar na célula através do canal ENaC.
      • = Menos Cl deixado para trás no lúmen tubular
      • = Lúmen tubular menos eletronegativo
      • = menor gradiente elétrico para secreção de K+ através do canal ROMK
    • Os diuréticos da ansa e tiazídicos bloqueiam os canais NKCC2 na ansa de Henle:
      • Permite ↑ entrega de Na+ nos ductos coletores mais distais
      • Representa o mecanismo de hipocalemia devido a estes diuréticos.

Células α-intercaladas

As células α-intercaladas permitem o ajuste ótimo da excreção de K+ urinário.

  • Localizadas no ducto coletor
  • ATPase H+/K+ na membrana luminal:
    • 1 H+ para fora da célula, 1 K+ para dentro da célula
    • Proteína de transporte ativo (requer ATP para energia)
  • Mecanismo de conservação de K+: permite a excreção de K+ urinário < 15 mmol/dia em estados hipocaliemicos devido a perdas não renais
Regulação de potássio nas células α-intercaladas

Regulação de potássio nas células α-intercaladas

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Resposta à Ingestão de K+

Resposta normal à ingestão de K+

Uma dieta ocidental normal contém aproximadamente 40-120 mmol K+ por dia. A resposta normal ao K+ ingerido ocorre da seguinte forma:

  1. O intestino absorve o K+ da dieta para a corrente sanguínea.
  2. Deslocações transcelulares:
    • Os iões de potássio deslocam-se principalmente para as células musculares e hepáticas.
    • Evita aumentos excessivos na concentração de K+ no FEC
    • Promovidas pela insulina e atividade β2-adrenérgica, uma vez que ambos ↑ a atividade da ATPase Na+/K+
  3. O aumento da concentração do K+ do FEC desencadeia mecanismos para excreção de K+ renal
    • Nas células principais:
      • A ATPase Na+/K+ basolateral é estimulada.
      • ↑ Número de canais luminais ENaC e ROMK abertos
    • A produção de aldosterona é estimulada:
      • Estimula ainda mais a ATPase Na+/K+
      • Mais ↑ nos canais luminais ENaC e ROMK nas células principais
  4. O deslocamento transcelular para as células musculares/hepáticas inverte-se gradualmente.
  5. O restante da carga de K+ ingerida é excretada renalmente.
Tabela: Conteúdo de potássio de alimentos selecionados
Alimentos Tamanho da porção mmol K+
Abacate 1, médio 38
Bife de vaca do lombo 8 oz (226 g) 23
Sumo de laranja 8 oz (226 g) 12
Batata, cozida 7 oz (198 g) 22
Passas de uva ⅔ taça 19
Pasta de tomate ½ taça 31
Banana 1, média 12

Anomalias

  • Os rins regulam eficazmente a excreção de K+ (especialmente nas células α-intercaladas).
  • Tanto a hipocaliemia como a hipercaliemia, devido à diminuição ou aumento da ingestão, são improváveis.
  • Exceção: estados de desnutrição crónica (e.g., alcoolismo)

Relevância Clínica

Causas renais da hipocaliemia

Várias causas comuns de aumento das perdas urinárias de K+, levando à hipocalemia, incluem:

  • Uso de diuréticos: os diuréticos podem afetar os níveis de K+ de várias maneiras. Diuréticos que atuam proximalmente aos ductos coletores, incluindo diuréticos da ansa e tiazídicos, aumentam o fornecimento distal de Na+, o que estimula a excreção de K+. A depleção de volume resultante da ação dos diuréticos também pode ativar o eixo RAA, aumentando a secreção de aldosterona, que por sua vez aumenta a excreção de K+.
  • Um aumento primário na atividade mineralocorticoide: na maioria das vezes devido a um adenoma adrenal produtor de aldosterona ou a hiperplasia adrenal bilateral. Os pacientes com aumento da atividade mineralocorticoide geralmente também têm hipertensão arterial.
  • Aniões não reabsorvíveis: a presença de aniões não reabsorvíveis no lúmen torna-o mais negativo, aumentando a quantidade de Na+ retida até aos ductos coletores. O aumento da entrega distal de Na+ e água leva então a uma maior troca de Na+ por K+ nas células principais, levando à hipocaliemia. Os aniões não reabsorvíveis incluem bicarbonato (aumenta com os vómitos e com a acidose tubular renal proximal), β-hidroxibutirato (aumenta na cetoacidose), e hipurato (aumenta com o uso de tolueno/inalação de cola).
  • Cetoacidose diabética: existem 3 mecanismos diferentes que contribuem para a hipocaliemia na cetoacidose diabética.
    1. Uma diurese osmótica mediada pela glicose resulta num aumento da entrega distal de Na+ e água.
    2. A hipovolemia induz o hiperaldosteronismo.
    3. A produção do anião não absorvível β-hidroxibutirato é aumentada.
  • Causas menos comuns: poliúria (devido à polidipsia psicogénica), acidose tubular renal, hipomagnesemia, uso de anfotericina B, e dietas hipocalóricas. Mutações nas proteínas tubulares de transporte, incluindo a síndrome de Liddle, síndrome de Bartter e síndrome de Gitelman podem causar ou contribuir para a hipocaliemia.

Causas renais da hipercaliemia

Várias causas comuns de diminuição das perdas urinárias de K+, levando à hipercaliemia, incluem:

  • Redução da secreção de aldosterona: qualquer situação clínica que reduza a secreção de aldosterona irá reduzir a excreção de K+. As causas da redução da secreção de aldosterona podem incluir hipoaldosteronismo hiporreninémico (situações de sobrecarga de volume, nefropatia diabética, neuropatia autonómica e algumas doenças sistémicas) e hipoaldosteronismo hiperreninémico (incluindo insuficiência adrenal primária, uso crónico de heparina e várias anomalias congénitas). Vários fármacos também podem ser causadores, incluindo inibidores da ECA, AINEs, inibidores da calcineurina e heparina.
  • Redução da resposta à aldosterona: causada por diuréticos poupadores de potássio como os antagonistas da aldosterona (por exemplo, espironolactona, eplerenona) e antagonistas dos ENaC (por exemplo, amilorida e triamtereno); acidose tubular renal dependente de voltagem (devido à reabsorção de sódio deficiente nas células principais); e pseudo-hipoaldosteronismo (um distúrbio genético raro que causa resistência à aldosterona).
  • Redução da entrega de Na+ e de água distal:resulta da depleção efetiva do volume de sangue arterial, incluindo perdas gastrointestinais e renais, insuficiência cardíaca e cirrose. Quando a entrega distal de Na e a água diminui, é reabsorvido menos Na+ por troca com K+; portanto, é excretado menos K+.
  • Doença renal aguda e crónica: à medida que o número de nefrónios funcionais diminui, a capacidade do rim para excretar K+ diminui. A excreção de potássio é mantida normalmente desde que o paciente seja capaz de responder à aldosterona, e a entrega de Na+ e água é mantida. A hipercaliemia tende a ocorrer em pacientes que são oligúricos ou que têm problemas adicionais que podem contribuir para a hipercaliemia.

Referências

  1. Mount, D.B. (2020). Causes and evaluation of hyperkalemia in adults. UpToDate. Retrieved March 9, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/causes-and-evaluation-of-hyperkalemia-in-adults
  2. Mount, D.B. (2020). Causes of hypokalemia in adults. UpToDate. Retrieved March 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/causes-of-hypokalemia-in-adults

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