Perturbação do Uso de Cocaína

A perturbação do uso de cocaína é definida pelo consumo patológico de cocaína, uma droga recreativa. A cocaína é um simpático-mimético indireto que bloqueia a recaptação de dopamina, serotonina e norepinefrina na fenda sinática. Este processo provoca efeitos estimulantes a nível do corpo e da mente, como, por exemplo, euforia, aumento da energia, irritabilidade, psicose, diminuição do apetite e perda ponderal. A overdose de cocaína pode levar à morte por arritmias cardíacas, enfarte do miocárdio, convulsões ou depressão respiratória. O prognóstico é mau, dado que não existe nenhum tratamento farmacológico aprovado; no entanto, as intervenções psicossociais têm sido associadas a melhores resultados.

Última atualização: Oct 19, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definição e Epidemiologia

Definição

A perturbação do uso de cocaína é definida como o uso crónico (> 12 meses) e inadequado de cocaína, uma droga recreativa.

  • Intoxicação:
    • Aumento da sensação de excitação, alerta, bem como euforia durante um curto período de tempo
    • Pode causar toxicidade em órgãos-alvo nos múltiplos sistemas de órgãos
  • Abstinência:
    • Desenvolvimento de uma síndrome específica da substância devido à cessação (ou redução) do uso dessa mesma substância
    • Leva a sintomas físicos (náuseas, diarreia, calafrios, mialgias) e/ou psicológicos (desejos ou sensação de necessidade de usar a substância)
  • Tolerância:
    • A necessidade de aumentar a dose da substância para atingir o efeito desejado (efeito diminuído se usar a mesma quantidade da substância)

Epidemiologia

  • Prevalência nos Estados Unidos:
    • Cerca de 2,2 milhões de utilizadores regulares de cocaína
    • Destes, cerca de 1 milhão de pessoas cumprem os critérios para perturbação do uso de cocaína.
  • Utilização médica limitada (costumava ser administrada como anestésico local); a maior parte do consumo de cocaína é recreativo
  • Frequentemente utilizada de forma indevida como droga potenciadora do desempenho
  • A cocaína está envolvida em cerca de 40% dos casos de idas ao SU relacionadas com drogas recreativas, mais do que a canábis e qualquer opioide.

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Farmacologia

Tipos de cocaína

  • Sal de cloridrato de cocaína:
    • Formulação solúvel em água
    • Pode ser ingerido por via oral, intranasal ou intravenosa
  • Cocaína de base livre (“crack”):
    • Formulação estável ao calor e que pode ser fumada
    • Início de ação muito rápido
    • Extremamente viciante

Farmacodinâmica

  • A cocaína é um simpático-mimético indireto → bloqueia a recaptação de dopamina, epinefrina e norepinefrina na fenda sinática
  • O aumento da norepinefrina estimula:
    • Recetores adrenérgicos α 1 e α 2
    • Recetores adrenérgicos β 1 e β 2
  • Efeitos mais importantes no corpo:
    • Sensação transitória de euforia, agilidade mental, diminuição do apetite
    • Aumento da norepinefrina → vasoconstritor potente → pode levar a hipertensão grave, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral
    • Toxicidade cardíaca direta da cocaína → taquicardia, hipertensão, espasmos coronários

Apresentação Clínica

Intoxicação por cocaína

  • Gerais:
    • Perda ponderal
    • Calafrios e suores
  • SNC:
    • Euforia
    • Aumento da autoestima
    • Midríase
    • Distúrbio psicótico induzido por estimulantes
    • Perda de inibições
    • Aumento da líbido
  • Cardiovasculares:
    • ↑ Ou ↓ tensão arterial
    • Taquicardia ou bradicardia
  • GI:
    • Náuseas
    • Perda de apetite
    • Xerostomia

Abstinência de cocaína

  • O paciente entra num estado de depressão severa após a intoxicação (conhecido como fase de “colapso”).
  • Geralmente não é fatal; no entanto, o paciente pode desenvolver ideação suicida
  • Sintomas gerais:
    • Mal-estar
    • Fadiga
    • Perturbação do sono
    • Anedonia
    • Irritabilidade com agitação ou lentificação psicomotora
  • SNC: miose
  • GI: aumento do apetite

Tratamento

Intoxicação por cocaína

O tratamento da intoxicação por cocaína depende da gravidade dos sintomas.

  • Agitação e ansiedade ligeiras a moderadas:
    • Tranquilização
    • Benzodiazepinas para sedação
  • Agitação severa ou psicose:
    • Antipsicóticos (por exemplo, haloperidol) e benzodiazepinas para sedação
    • Tratamento de suporte sintomático (ou seja, controlar a hipertensão e arritmias)
    • Tratamento da hipertermia (banhos de gelo, manta de arrefecimento)
  • Sintomas potencialmente fatais:
    • Tratar conforme o protocolo para cada condição (ver “Complicações”).
    • Evitar o uso de beta-bloqueadores para o tratamento de enfarte agudo do miocárdio induzido por cocaína!

Abstinência de cocaína

  • Uso leve a moderado: os sintomas resolvem em 72 horas.
  • Uso pesado e crónico: os sintomas duram 1–2 semanas.
  • O tratamento é de suporte.
  • Hospitalização:
    • Geralmente não está indicada para a desintoxicação de cocaína
    • Indicada nos pacientes com sintomas psiquiátricos graves

Perturbação do uso de cocaína

  • Não existem fármacos aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para a dependência de cocaína.
  • No entanto, alguns fármacos revelaram ser úteis:
    • Bupropiom
    • Fármacos colinérgicos: galantamina
    • Fármacos gabaérgicos: vigabatrina e topiramato
  • Os médicos devem tentar construir uma relação com os pacientes para tratar as perturbações do humor ou de personalidade subjacentes.
  • Psicoterapia e intervenções psicológicas:
    • Gestão de contingência
    • Prevenção de episódios de recaída
    • Cocaína Anónima (CA) ou Narcóticos Anónimos (NA): grupos de apoio integrados num programa de 12 passos

Complicações

Complicações cardiovasculares

  • Enfarte agudo do miocárdio:
    • Devido à vasoconstrição coronária grave → dano isquémico
    • Neste caso, é contra-indicado administrar beta-bloqueadores!
  • Arritmias
  • Disseção aórtica
  • Insuficiência cardíaca
  • Hipertensão pulmonar

Complicações neurológicas

  • Agitação psicomotora através da libertação de aminoácidos e neurotransmissores excitatórios no SNC
  • Hipertermia: O corpo é incapaz de dissipar o calor produzido pela agitação constante devido à vasoconstrição periférica.
  • Crises convulsivas
  • AVC isquémico e hemorrágico
  • Depressão respiratória

Perfuração do septo nasal

  • Vasoconstrição nas artérias do septo nasal
  • Perfuração do septo nasal no uso crónico (devido à necrose isquémica e vasoconstrição severa)

Efeitos na gravidez

  • Efeitos na mãe: aumenta o risco de descolamento da placenta (existe um descolamento total ou parcial da placenta antes do nascimento)
  • Efeitos no feto:
    • Aumento da morbilidade e mortalidade fetal
    • Lesões císticas corticais fetais
    • Restrição do crescimento intrauterino → baixo peso ao nascimento
    • Parto pré-termo

Diagnóstico Diferencial

  • Perturbação do uso de anfetaminas: as anfetaminas são drogas estimulantes, que produzem o seu efeito através do aumento da libertação e do bloqueio da recaptação de neurotransmissores (dopamina, norepinefrina, serotonina). As anfetaminas são utilizadas no tratamento da PHDA, narcolepsia e obesidade, mas costumam ser consumidas devido aos seus efeitos estimulantes. A intoxicação resulta em efeitos semelhantes aos da cocaína: euforia, midríase, hipertensão, escoriações da pele, paranoia e febre. Os sintomas de abstinência incluem aumento do apetite, depressão severa, fadiga e sonhos vívidos. As anfetaminas e a cocaína costumam ser consumidas em conjunto.
  • Intoxicação por alucinogénios: os alucinogénios são substâncias que provocam distorções da perceção (visuais ou auditivas). Como exemplos, inclui-se o LSD (dietilamida do ácido lisérgico), a cetamina e o dextrometorfano. Os alucinogénios são consumidos devido aos seus efeitos psicadélicos, que levam a uma alteração temporária do estado de consciência. Tal como a intoxicação por cocaína, as intoxicações por alucinogénios provocam náuseas, vómitos e efeitos simpatico-miméticos liogeiros (por exemplo, taquicardia, hipertensão, midríase, hipertermia e sudorese). Os alucinogénios não causam sintomas de dependência ou abstinência.
    Intoxicação por inalantes: diz respeito ao abuso de substâncias inalantes, como cola, tinta ou fluido de isqueiro. Para atingir os efeitos eufóricos, os doentes administram inalantes pela via oral (habitualmente conhecido como “huffing“) ou pela via nasal. O efeito dura apenas alguns minutos. Os sinais de intoxicação aguda incluem desde euforia transitória até perda de consciência. Os inalantes levam a inibição do SNC e arritmias cardíacas. O tratamento é de suporte e devem ser evitados os fármacos sedativos, visto que tendem a agravar a intoxicação.

Referências

  1. Ganti L, Kaufman M, Blitzstein S. (2016). First Aid for the Psychiatry Clerkship, 4th ed. New York: McGraw-Hill Education. Substance-related and addictive disorders (chapter 7, p. 80, 87).
  2. Le T, Bhusan V, Sochat M, et al. (Eds.) (2019). First Aid for the USMLE Step 1, 29th ed. (p. 242, 558).
  3. Gorelick D. (2017). Cocaine use disorder in adults: Epidemiology, pharmacology, clinical manifestations, medical consequences, and diagnosis. UpToDate. Retrieved February 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/cocaine-use-disorder-in-adults-epidemiology-pharmacology-clinical-manifestations-medical-consequences-and-diagnosis
  4. Kampman K. (2021). Pharmacotherapy for stimulant use disorders in adults. UpToDate. Retrieved February 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pharmacotherapy-for-stimulant-use-disorders-in-adults
  5. Substance Abuse and Mental Health Services Administration (2018). Key Substance Use and Mental Health Indicators in the United States: Results from the 2017 National Survey on Drug Use and Health (HHS Publication No. SMA 18–5068, NSDUH Series H-53), Rockville, MD: Center for Behavioral Health Statistics and Quality, Substance Abuse and Mental Health Services Administration.
  6. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. (2014). Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry: Behavioral sciences/clinical psychiatry (11th ed.). Chapter 20, Substance use and addictive disorders, pages 671-680. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins.
  7. Rump AF, Theisohn M, Klaus W. (1995). The pathophysiology of cocaine cardiotoxicity. Forensic science international, 71(2), 103–115. https://doi.org/10.1016/0379-0738(94)01638-l
  8. Phillips K, Luk A, Soor GS, Abraham JR, Leong S, Butany J. (2009). Cocaine cardiotoxicity: a review of the pathophysiology, pathology, and treatment options. American journal of cardiovascular drugs: drugs, devices, and other interventions, 9(3), 177–196.

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