Perturbação de Despersonalização/Desrealização

A perturbação despersonalização/desrealização é uma perturbação dissociativa que se caracteriza por uma experiência persistente de despersonalização (sensação de estar afastado de si mesmo, como se se estivesse a observar a si próprio de um ponto de vista externo) e desrealização (sensação de estar desapegado do mundo real, como se o mundo fosse distante ou nebuloso). A terapia de intervenção em crise durante os episódios agudos em combinação com psicoterapia durante os períodos assintomáticos é o tratamento de 1ª linha.

Última atualização: Jun 27, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

  • Despersonalização é uma experiência persistente ou recorrente de irrealidade, de distanciamento, de ser um observador externo dos próprios pensamentos, sentimentos e sensações. Está geralmente associado com alterações da perceção, entorpecimento emocional ou físico e alteração na sensação temporal. O doente também pode sentir que está observar o seu próprio corpo.
  • Desrealização é uma sensação subjetiva persistente de irrealidade ou distanciamento do mundo. É frequentemente descrito como se tivesse num mundo irreal, num sonho, nas nuvens, sem vida ou numa realidade distorcida.

Epidemiologia

  • Prevalência na população em geral: aproximadamente 2%.
    • Os sentimentos transitórios de despersonalização ou desrealização ocorrem com muita mais frequência (cerca de 19%).
    • Sintomas de despersonalização secundários a outra patologia também são mais frequentes.
  • A prevalência é semelhante entre ambos os sexos.
  • Surge por volta dos 16 anos de idade
  • Fatores de risco:
    • História de trauma
    • História de abuso de substâncias
    • Ansiedade ou distúrbios depressivos

Fisiopatologia

  • Trauma:
    • Pensa-se que pode surgir em resposta a eventos stressores graves.
    • Mecanismo de sobrevivência para gerir situações stressantes sem se sentir sobrecarregado
  • Causas orgânicas:
    • Pode surgir em indivíduos com convulsões e traumatismos cranianos (mas a perturbação não é causada diretamente por estas situações clínicas)
    • Pensa-se que existe uma predisposição genética para o desenvolvimento da perturbação de despersonalização/desrealização (PDD).
  • Neurobiologia:
    • Vários sistemas de neurotransmissores (N-metil-d-aspartato (NMDA), opioide e serotonina) estão associados à doença e o envolvimento dos recetores leva a sintomas.
      • Os recetores de NDMA são importantes nos processos associativos.
      • A quetamina, um antagonista do NDMA, induz um estado dissociativo.
    • Certas regiões cerebrais, como o lobo parietal inferior (hemisfério direito), funcionam de modo anormal durante uma experiência de despersonalização.
    • A hipoactivação do sistema límbico (em particular da ínsula) também tem sido associada à perturbação de despersonalização/desrealização.
  • Modelos conceptuais:
    • Modelos cognitivos comportamentais: O medo desempenha um papel central e os componentes centrais podem apresentar-se como dissociações do afeto (não sentir) e como alexitimia (dificuldade em identificar e verbalizar emoções).
    • Teorias psicodinâmicas: Vários stressores desafiam os vários aspetos da experiência do eu com o mundo envolvente.

Características Diagnósticas e Clínicas

Diagnóstico

  • Uma história clínica detalhada e a realização de um exame neurológico são essenciais para um diagnóstico correto.
  • O diagnóstico é clínico e baseado no cumprimento de determinados critérios:
    • Presença de experiências persistentes ou recorrentes de despersonalização, desrealização ou ambas:
    • Durante os episódios, o teste de realidade permanece intacto.
    • Os episódios causam prejuízo no funcionamento diário do doente.
  • A perturbação não é atribuível ao uso de substâncias (p. ex., álcool, LSD) ou a outra condição médica (p. ex., convulsões) e outras doenças mentais devem ser excluídas.
  • No sentido de descartar causas orgânicas, a avaliação inicial deve incluir:
    • EEG
    • Painel metabólico básico e outros exames sanguíneos conforme indicação clínica
    • Exame toxicológico qualitativo de urina
    • Imagiologia cerebral

Características clínicas

  • Alteração da perceção do tempo: percebido como demasiado rápido ou demasiado lento
  • Alterações na memória: Problemas com consolidação de novas memórias e recuperação de antigas
  • Dissociação não patológica:
    • É normal experimentar sentimentos de dissociação nas atividades quotidianas
    • Por exemplo: conduzir até ao destino sem recordar a viagem
    • Na dissociação não patológica o individuo não experimenta sentimentos de angústia ou prejuízo no funcionamento.

Tratamento

O tratamento deve incluir psicoeducação e psicoterapia de apoio.

Psicoterapia

  • Principal opção de tratamento, especialmente para os doentes sem outras comorbilidades psiquiátricas
  • TCC: O objetivo é desenvolver técnicas para mudar o modo como estes sintomas dissociativos são vivenciados de forma a serem menos perturbadores.
  • Psicoterapia psicodinâmica: O objetivo é trazer ao de cima emoções não aceites que podem causar estes sintomas dissociativos e ajudar a lidar com as mesmas.

Farmacoterapia

  • Tratar comorbilidades (depressão, ansiedade).
  • Lamotrigina (anticonvulsivante) pode ser útil como terapêutica adjuvante da psicoterapia (especialmente em indivíduos com comorbilidades).
  • Antagonistas dos recetores dos opioide (naltrexona) podem ajudar.

Diagnóstico Diferencial

  • Perturbação aguda de stress: reações de stress agudo após a exposição de um indivíduo a um evento traumático. Os sintomas duram > 3 dias, mas < 1 mês e incluem revivências do evento com flashbacks ou pesadelos, evitamento de “lembranças” do evento, irritabilidade, hiperatividade e diminuição da memória e da concentração. Aqueles com PDD apenas apresentam os sintomas dissociativos e, portanto, não se qualificam para o diagnóstico de perturbação aguda de stress.
  • Perturbações induzidas pelo uso de alucinogénios: consumo patológico de substâncias alucinógenas que causam alterações da perceção (visual ou auditiva). Exemplos de substâncias ingeridas: psilocibina (cogumelos), LSD, e fenciclidina (PCP, pela sigla em inglês). Estas drogas são usadas pelos seus efeitos psicadélicos – um estado de consciência temporariamente alterado. Durante uma intoxicação aguda, os indivíduos podem ter sentimentos de despersonalização ou desrealização. Uma história clínica cuidada e um exame toxicológico qualitativo são fundamentais para diferenciar PDD da intoxicação por alucinogénios.
  • Esquizofrenia: é uma doença mental crónica que se caracteriza por sintomas positivos (delírios, alucinações e fala/comportamento desorganizado) e sintomas negativos (embotamento afetivo, avolia, anedonia, alogia e diminuição da capacidade de atenção). A esquizofrenia está associada a um declínio funcional que dura > 6 meses. Doentes com PDD podem apresentar alterações na perceção da realidade; no entanto, os seus testes de realidade permanecem intactos e não apresentam outros sintomas positivos/negativos presentes na esquizofrenia.

Referências

  1. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. (2014). Anxiety disorders. In Kaplan and Sadock’s Synopsis of Psychiatry: Behavioral Sciences/Clinical Psychiatry, 11th ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, pp. 451–464.
  2. Aderibigbe YA, Bloch RM, Walker WR. (2001). Prevalence of depersonalization and derealization experiences in a rural population. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11355447/
  3. Simeon D, Knutelska M, Nelson D, Guralnik O. (2003). Feeling unreal: a depersonalization disorder update of 117 cases. J Clin Psychiatry. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14628973/
  4. Grigsby J, Kaye K. (1993). Incidence and correlates of depersonalization following head trauma. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8260954/

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