Nefropatia por IgA

A nefropatia por IgA (doença de Berger) é uma doença renal caracterizada pela deposição de IgA no mesângio. É a causa mais comum de glomerulonefrite primária na maioria dos países desenvolvidos. Os doentes frequentemente apresentam-se na segunda e terceira décadas de vida e com história de infeção precedente do trato respiratório superior ou GI. As características comuns de apresentação são a hematúria macroscópica ou a hematúria microscópica assintomática na análise de urina. O curso é muitas vezes benigno, sendo que o procedimento diagnóstico definitivo, a biópsia renal, é realizada apenas em casos de doença renal grave e progressiva. O tratamento depende da gravidade da proteinúria, da função renal e de alterações patológicas. Os inibidores da ECA ou bloqueadores dos recetores da angiotensina (ARAs) são administrados para redução da progressão da doença. A proteinúria persistente e o aumento da creatinina são indicações para terapêutica imunossupressora que inclui glicocorticoides e, possivelmente, agentes citotóxicos.

Última atualização: Jul 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A nefropatia por IgA (doença de Berger) é uma doença renal caracterizada pela deposição de IgA no mesângio, causando inflamação glomerular (glomerulonefrite (GN)).

Epidemiologia

  • Causa mais comum de GN primária em países desenvolvidos
  • Frequentemente apresenta-se na segunda a terceira décadas de vida
  • Vista mais frequentemente entre caucasianos e asiáticos orientais
  • Ambos os sexos são afetados de igual forma entre os asiáticos orientais; aproximadamente 2:1 predominância de homens para mulheres entre caucasianos

Etiologia

  • Desconhecida na maioria dos casos
  • Frequentemente precedida por uma infeção do trato respiratório superior ou GI
  • O exercício pode ser um desencadeante (agrava a hematúria em doentes com nefropatia por IgA).
  • Pode estar associada a condições como:
    • Cirrose
    • Doença celíaca
    • Infeção por VIH
    • Doença de lesões mínimas
    • Nefropatia membranosa
    • Granulomatose com poliangeíte

Fisiopatologia

  • Infeção prévia da mucosa → regulação da síntese e metabolismo da IgA alterada (O-galactosilação alterada na região da dobradiça da IgA1 primariamente polimérica)
  • IgA1 mal galactosilada aumenta o reconhecimento por anticorpos circulantes → imunocomplexos → deposição mesangial de imunocomplexos → reação de hipersensibilidade tipo III → inflamação mesangial e GN

Apresentação Clínica

A nefropatia por IgA apresenta-se com hematúria macroscópica recorrente ou hematúria microscópica assintomática como manifestações mais comuns.

Hematúria recorrente

  • Até 50% dos casos
  • Geralmente apresenta episódios recorrentes de:
    • Hematúria macroscópica acompanhada de infeção respiratória superior (hematúria sinfaríngea)
    • Dor no flanco
    • Febre baixa

Hematúria microscópica

  • Até 40% dos casos
  • Apresenta hematúria microscópica assintomática
  • Ocasionalmente acompanhada de proteinúria leve

Manifestações raras

  • Menos de 10% dos casos
  • Os doentes podem apresentar:
    • Síndrome nefrótica: rim excreta > 3,5 g/dia de proteína
    • GN aguda, rapidamente progressiva:
      • Hematúria
      • Edema
      • Proteinúria
      • Insuficiência renal
    • Hipertensão maligna:
      • PA extremamente alta (tipicamente > 180/120 mm Hg) com lesão aguda de órgão-alvo
      • Apresentação rara
      • A doença não foi detetada precocemente, pois o doente não apresentava hematúria típica.

Diagnóstico

O diagnóstico geralmente é baseado na apresentação clínica e na suspeita decorrente de um evento infecioso anterior.

Exames iniciais

  • Análise de urina (achados consistentes com síndrome nefrítica):
    • Hematúria
    • Cilindros hemáticos, hemácias dismórficas ocasionais
    • Pode ter proteinúria leve a moderada
  • Outros resultados laboratoriais:
    • Níveis de complemento normais
    • Pode ter aumentado a creatinina
    • Aumento da concentração sérica de IgA (em 30%–50% dos doentes), mas sem correlação com a atividade da doença

Biópsia

  • A biópsia renal fornece o diagnóstico definitivo.
  • Devido ao curso benigno da GN, o exame invasivo da biópsia renal é indicado apenas na doença grave ou progressiva:
    • Excreção persistente de proteína na urina > 500 mg/dia
    • Creatinina sérica aumentada
    • Hipertensão de início recente ou elevação significativa na PA acima do basal
  • Resultados da biópsia:
    • Microscopia ótica → hipercelularidade mesangial
    • Microscopia eletrónica → depósitos eletrodensos no mesângio
    • Microscopia de imunofluorescência → depósitos mesangiais de IgA

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Tratamento e Prognóstico

Tratamento

  • Em doentes com hematúria, função renal normal e proteinúria mínima:
    • Sem tratamento ativo
    • Monitorazação da função renal (incluindo proteinúria) e pressão arterial
  • Em doentes com proteinúria > 500 mg/dia e/ou hipertensão:
    • Objetivo: proteinúria < 500 mg/dia e PA < 130/80 mm Hg
    • Tratamento:
      • Os inibidores da ECA ou bloqueadores dos recetores da angiotensina (ARAs) diminuem a progressão da doença.
      • A terapêutica com estatinas diminui o risco cardiovascular (mas não tem efeito na progressão renal).
      • Outras opções, como tratamento com óleo de peixe e amigdalectomia, têm resultados inconsistentes.
      • Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2, pela sigla em inglês) são recomendados em todos os indivíduos com nefropatia por IgA e proteinúria.
  • Na doença grave, ativa ou progressiva:
    • Características:
      • Aumento da creatinina sérica
      • Proteinúria persistente (> 1 g/dia) apesar de inibidor da ECA ou ARA
      • Achados de doença ativa na biópsia
    • Terapêutica:
      • Glicocorticoides
      • Micofenolato de mofetil (alternativa se não for possível receber glicocorticoides)
      • Antagonistas duplos dos recetores da angiotensina e endotelina: sparsentan
  • Na doença rapidamente progressiva: Considerar terapêutica combinada com glicocorticoides + ciclofosfamida e, em seguida, azatioprina.

Prognóstico

  • Em até 50% dos doentes, observou-se progressão lenta para insuficiência renal terminal em 20 a 25 anos.
  • Noutros, remissão completa ou hematúria persistente de baixo grau, mas função renal preservada
  • Preditores de doença renal progressiva:
    • Creatinina sérica elevada
    • Hipertensão arterial
    • Proteinúria persistente por mais de 6 meses (> 1 g/dia)

Diagnóstico Diferencial

As seguintes condições estão entre os diagnósticos diferenciais da nefropatia por IgA.

  • Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) ou vasculite por IgA: outra GN mediado por IgA que pode ser desencadeada por uma infeção do trato respiratório superior ou GI: PHS geralmente ocorre em crianças < 10 anos. Os doentes apresentam púrpura palpável nas nádegas e extremidades inferiores, dor abdominal e artralgias. A doença PHS é idêntica em histologia à nefropatia por IgA.
  • Síndrome de Alport (nefrite hereditária): também se apresenta com hematúria isolada: a síndrome de Alport é uma doença hereditária frequentemente ligada ao cromossoma X que resulta em defeitos no colagénio tipo IV; este distúrbio está associado a perda auditiva neurossensorial e alterações oculares. Durante a infância, os doentes geralmente apresentam hematúria macroscópica episódica. A biópsia renal revela fendas na membrana basal glomerular.
  • Nefropatia da membrana basal fina: também pode apresentar hematúria isolada, bem como hematúria macroscópica com dor no flanco: Esta doença hereditária é caracterizada por mutações do colagénio tipo IV. A biópsia renal revela uma membrana basal glomerular com diminuição da espessura de forma difusa.
  • GN membranoproliferativa: padrão de doença glomerular detetado na biópsia que pode ser observado em associação com infeções por hepatite B e C: a hematúria é a apresentação mais comum, mas a síndrome nefrótica e a alteração da função renal também são observadas. A biópsia renal mostra hipercelularidade com espessamento e fendas da membrana basal glomerular.
  • GN pós-estreptocócica: tipo autolimitado de GN que ocorre em crianças: a GN pós-estreptocócica é uma condição mediada por imunocomplexos que geralmente é precedida por uma faringite estreptocócica beta-hemolítica do grupo A ou por infeções de pele. Os resultados laboratoriais mostram níveis reduzidos de complemento, níveis elevados de antiestreptolisina-O e anti-DNase B. A biópsia renal revela uma membrana basal glomerular granular na microscopia de imunofluorescência e bossas subepiteliais na microscopia eletrónica.

Referências

  1. Cattran DC, Appel GB. Treatment and prognosis of IgA nephropathy. UpToDate. Retrieved February 10, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prognosis-of-iga-nephropathy
  2. Chueng CK, Barratt J. Clinical presentation and diagnosis of IgA nephropathy. UpToDate. Retrieved February 10, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-presentation-and-diagnosis-of-iga-nephropathy
  3. Cheung CK, Barratt J. Pathogenesis of IgA nephropathy. UpToDate. Retrieved February 10, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-of-iga-nephropathy
  4. Lewis JB, Neilson EG. Glomerular Diseases. In: Jameson J, et al. (Eds.). Harrison’s Principles of Internal Medicine, 20th ed. McGraw-Hill.

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