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Mucorales/Mucormicose

A mucormicose é uma infeção fúngica angioinvasiva causada por diversos fungos da ordem Mucorales. Os fungos são ubíquos no ambiente, mas a mucormicose é muito rara e ocorre quase sempre em doentes imunocomprometidos. A inalação dos seus esporos pode causar mucormicose rinocerebral ou pulmonar, a inoculação direta pode causar mucormicose cutânea e a sua ingestão pode causar mucormicose gastrointestinal. A apresentação clínica resulta da invasão dos vasos sanguíneos pelas hifas fúngicas, causando trombose e necrose tecidual. O diagnóstico é confirmado pela identificação do organismo na histopatologia de amostras de biópsia. Os doentes devem ser tratados agressivamente com antifúngicos e resseção cirúrgica dos tecidos infetados.

Última atualização: Mar 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Características Gerais

Características básicas do Mucorales

Taxonomia:

  • Ordem: Mucorales
  • Géneros mais frequentemente associados à infeção humana:
    • Rhizopus
    • Rizomucor
    • Mucor
    • Cunninghamella
    • Lichtheimia (anteriormente Absidia)
    • Apophysomyces
    • Saksenaea

Morfologia:

  • Colónias:
    • Crescimento rápido
    • Aspeto algodonoso
    • Cor branca a amarela → torna-se cinza
  • Características microscópicas:
    • Hifas largas
    • Septações raras ou ausentes
    • Ramificação em ângulos retos
    • Esporangióforos:
      • Hifas verticais
      • Contêm esporângios em forma de saco preenchidos com esporangiosporos assexuados
Visão microscópica da mucormicose da amostra de biópsia

Visão microscópica de amostra de biópsia – apresenta várias hifas curtas e dobradas com brotamentos não septados, largos e em ângulo reto, característicos da mucormicose.

Imagem : “Histopathological findings” by Baezzat SR et al. Licença: CC BY 2.5

Doenças associadas

A mucormicose é causada por várias espécies da ordem Mucorales, que podem ser classificadas com base no local da infeção:

  • Mucormicose rinocerebral (mais comum)
  • Mucormicose pulmonar
  • Mucormicose cutânea
  • Mucormicose gastrointestinal

Epidemiologia

  • Infeção muito rara; a verdadeira incidência é desconhecida.
  • Aproximadamente 500 casos anuais nos Estados Unidos
  • A incidência está a aumentar devido a um número crescente de doentes imunocomprometidos.
  • Sem predominância de género
  • Sem predominância racial
  • Sem predominância de idade
  • Taxa de mortalidade: 50%–85%

Patogénese

Reservatório

Os Mucorales são comuns no ambiente sendo encontrados em:

  • Vegetação em decomposição
  • Solo

Transmissão

  • Inalação de esporos (método principal)
  • Ingestão de alimentos contaminados
  • Inoculação na pele

Fatores de risco do hospedeiro

Quase todas as infeções ocorrem na presença de uma doença subjacente:

  • Diabetes (especialmente cetoacidose diabética)
  • Neoplasias malignas hematológicas
  • Neoplasias de órgão sólido
  • Transplante de órgão
  • Transplante de células estaminais
  • Terapia imunossupressora
  • Utilização crónica de corticosteroides
  • VIH/SIDA
  • Neutropenia (os neutrófilos são a principal defesa do hospedeiro contra os fungos)
  • Situações de sobrecarga de ferro (por exemplo, hemocromatose e tratamento com deferoxamina)
  • Lesão cutânea por cirurgia, queimaduras ou trauma
  • Utilização de drogas endovenosas
  • Desnutrição

Fisiopatologia

  • A maioria dos esporos entra pelo trato respiratório → adere ao muco
  • Indivíduos saudáveis:
    • Geralmente são eliminados ao tossir, espirrar ou engolir
    • Os neutrófilos fagocitam-nos → destroem o fungo
  • Doentes suscetíveis:
    • Os esporos transformam-se na forma que apresenta hifas nos cornetos nasais ou nos alvéolos.
    • As hifas invadem os vasos sanguíneos → enfarte tecidual e trombose
    • Leva a doença rinocerebral ou pulmonar
  • Outras vias de infeção → doença nesses locais:
    • Inoculação ou contaminação traumática → doença cutânea
    • Ingestão → doença gastrointestinal

Apresentação Clínica

Doença rinocerebral

Os doentes apresentam inicialmente sintomas de sinusite aguda. Estes evoluem devido à disseminação da infeção para as estruturas contíguas.

  • Febre
  • Congestão nasal (pode ter corrimento preto)
  • Cefaleia retro-orbitária unilateral
  • Dor facial
  • Parestesias
  • Hiposmia
  • Edema orbitário com proptose e quemose
  • Celulite facial
  • A formação de escaras pode ocorrer no/a:
    • Mucosa nasal
    • Palato
    • Pele sobrejacente
Inchaço da mucormicose da pálpebra superior e inferior

Edema da pálpebra superior e inferior num doente com envolvimento orbitário por mucormicose

Imagem: “Swelling of upper and lower lid in the patient with mucormycosis” de Badiee P et al. Licença: CC BY 2.0

Doença pulmonar

Os doentes com doença pulmonar desenvolvem pneumonia rapidamente progressiva (geralmente bilateral).

  • Febre
  • Dispneia
  • Tosse
  • Hemoptises

Doença cutânea

  • Celulite
  • Necrose dérmica
  • Formação de uma escara negra

Doença gastrointestinal

Esta condição causa úlceras necróticas no trato gastrointestinal (mais frequentemente no estômago), que podem levar a perfuração. Os sinais e sintomas incluem:

  • Dor abdominal
  • Distenção
  • Náuseas
  • Vómitos
  • Hematemeses
  • Hematoquezias
  • Obstrução
  • Sinais peritoneais

Manifestações raras

  • Doença disseminada:
    • Pode apresentar sinais e sintomas inespecíficos
  • Mucormicose do SNC:
    • Geralmente resulta da disseminação direta a partir de uma infeção sinusal
    • Sinais e sintomas:
      • Letargia
      • Cefaleia
      • Défices neurológicos focais

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

É necessário um elevado índice de suspeição para fazer o diagnóstico.

  • Biópsia:
    • A identificação histopatológica do organismo causador estabelece o diagnóstico.
    • Pode ser observada necrose tecidual.
  • Culturas fúngicas (geralmente negativas)
  • Exame de imagem (por exemplo, TC cranioencefálica ou torácica) para avaliar a extensão da infeção e o dano tecidual
  • O 1,3-β-D-glucano não é útil (não é um componente da parede celular do Mucorales).

Tratamento

  • Tratar a condição subjacente quando possível (por exemplo, cetoacidose diabética).
  • Se possível, o tratamento deve ocorrer num centro de cuidados de saúde terciários.
  • A terapia antifúngica deve ser iniciada imediatamente:
    • Anfotericina B lipossomal (1ª linha)
    • Isavuconazol
    • Posaconazol
  • Está indicada a resseção cirúrgica do tecido necrótico para limitar a disseminação adicional:
    • Associada a uma melhor sobrevivência
    • Pode levar a desfiguração significativa

Comparação de Espécies

Tabela: Comparação de espécies
Organismo Mucorales Aspergillus
Características
  • Hifas largas
  • Septações raras ou ausentes
  • Ramificação em ângulos de 90 graus
  • Hifas septadas
  • Ramificação em ângulos de 45 graus
Transmissão
  • Inalação
  • Ingestão
  • Inoculação
  • Inalação
  • Invasão através da pele danificada
Clínica Mucormicose:
  • Doença rinocerebral
  • Doença pulmonar
  • Doença gastrointestinal
  • Doença cutânea
  • ABPA
  • Sinusite
  • Aspergiloma
  • Aspergilose pulmonar crónica
  • Aspergilose invasiva
  • Aspergilose cutânea
Diagnóstico
  • Histopatologia
  • Histopatologia
  • Cultura
Tratamento
  • Terapia antifúngica
  • Resseção cirúrgica para qualquer forma
  • Terapia antifúngica
  • Cirurgia para o tecido necrótico na doença invasiva
ABPA: aspergilose broncopulmonar alérgica

Diagnósticos Diferenciais

  • Celulite orbitária bacteriana: infeção dos tecidos orbitários que pode ocorrer por disseminação hematogénica, por extensão a partir dos seios perinasais adjacentes ou por inoculação traumática. Os doentes apresentam edema e rubor, eritema conjuntival, dor com o movimento ocular e proptose. O diagnóstico é clínico. A base do tratamento é a antibioterapia, sendo a cirurgia reservada para os casos graves.
  • Trombose do seio cavernoso: patologia rara e com risco de vida que ocorre devido a uma infeção facial. A trombose do seio cavernoso é geralmente de etiologia bacteriana. Os doentes apresentam febre, cefaleia, proptose e oftalmoplegia. O diagnóstico é confirmado com tomografia computadorizada ou ressonância magnética. O tratamento inclui antibioterapia e, ocasionalmente, corticoterapia. A anticoagulação é controversa.
  • Pneumonia adquirida na comunidade: infeção do parênquima pulmonar causada mais frequentemente por uma bactéria ou vírus. Os doentes apresentam febre, dispneia e tosse produtiva. A radiografia do tórax mostra tipicamente uma consolidação lobar. O tratamento envolve antibioterapia empírica, que pode ser adaptada se o organismo causador for identificado. Os antivíricos são utilizados quando há suspeita de uma causa vírica.

Referências

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