Má Rotação Intestinal

A má rotação intestinal é uma alteração congénita resultante da falência na rotação normal do trato GI em torno dos vasos mesentéricos, durante o desenvolvimento embrionário. Esta patologia pode apresentar-se com diferentes padrões anatómicos, caracterizados por localizações e aderências anormais dos intestinos na cavidade abdominal. Estas alterações podem ser clinicamente silenciosas ou apresentar várias complicações, sendo a mais catastrófica o vólvulo do intestino médio. A má rotação intestinal apresenta-se geralmente na infância com um início agudo de vómitos biliares. O diagnóstico definitivo estabelece-se através de radiografias seriadas do trato GI superior e o tratamento é com cirurgia emergente.

Última atualização: Apr 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A má rotação intestinal corresponde à falência na rotação normal do trato GI em torno dos vasos mesentéricos durante e embriogénese.

Epidemiologia

  • Uma má rotação assintomática está presente em ~ 1 em 500 nascimentos.
  • Uma má rotação sintomática (vólvulo do intestino médio) ocorre em 1:6.000 recém-nascidos.
  • 30% apresentam-se no 1º mês de vida e 58% no 1º ano.
  • Rapazes = Raparigas
  • Até 62% dos doentes têm outra alteração congénita:
    • Hérnia diafragmática congénita (a mais comum)
    • Doença cardíaca congénita
    • Onfalocelo
    • Gastrosquise
    • Atresia intestinal/esofágica/biliar
    • Malformações anorretais
    • Divertículo de Meckel

Etiologia

  • Falência da rotação normal de 270° no sentido anti-horário e em torno do eixo mesentérico superior, que ocorre no trato GI durante a 4ª-8ª semana do desenvolvimento embrionário.
  • Resulta em aderências intestinais e posições anatómicas anormais.
  • Podem ocorrer um espectro de anormalidades rotacionais.

Fisiopatologia

A má rotação representa um espectro de alterações rotacionais. As 2 alterações mais comuns são a não-rotação completa e a rotação incompleta.

Não-rotação completa

  • O intestino delgado está à direita e o cólon à esquerda.
  • Se o mesentério tiver uma base estreita, pode ocorrer uma torção no sentido dos ponteiros do relógio que origina um vólvulo do intestino médio.
  • Quando a base mesentérica é larga, não há um risco elevado de vólvulo.

Rotação incompleta

  • O cego localiza-se no abdómen médio-superior.
  • O cego fixa-se à parede abdominal lateral direita através de bandas de Ladd (aderências peritoneais).
  • As bandas de Ladd cruzam o duodeno e podem causar compressão extrínseca.
  • Esta configuração pode também resultar em vólvulo do intestino médio, bem como hérnias internas.

Vólvulo do intestino médio

  • Torção do mesentério do intestino delgado mal rodado
  • Resulta em obstrução e isquemia do intestino delgado.
  • Uma apresentação aguda em lactentes resulta geralmente numa intervenção cirúrgica emergente, mas também podem ocorrer casos crónicos/subagudos em indivíduos mais velhos.

Apresentação Clínica

Má rotação (sem vólvulo)

  • Quase sempre assintomática
  • Obstrução duodenal (pelas bandas de Ladd):
    • Vómitos biliares em jato
    • Podem não ser biliares, se a obstrução for proximal à ampola de Vater

Vólvulo do intestino médio

  • Lactentes e crianças pequenas:
    • Vómitos biliares
    • Distensão/dor abdominal: variável
    • Sinais tardios (indicam isquemia intestinal):
      • Hematoquezia ou retorragia
      • Hematémese
      • Hipotensão
      • Pele pálida e diaforese
      • Taquicardia
  • Crianças mais velhas/adultos:
    • Início insidioso
    • Dor abdominal e vómitos (biliares ou não) intermitentes
    • Incapacidade de ganhar peso devido à má absorção
    • Diarreia crónica

Hérnias internas

  • Também se podem apresentar com dor abdominal/vómitos intermitentes
  • Obstipação intermitente
  • O diagnóstico passa frequentemente despercebido ou é tardio

Diagnóstico

História clínica

  • Início agudo de vómitos biliares em lactentes
  • Crianças mais velhas:
    • Falência do crescimento/ganho de peso
    • Dor abdominal/vómitos/diarreia crónicos
    • Início agudo de dor abdominal e vómitos

Exame objetivo

  • Dor abdominal (pode ser difícil de determinar em lactentes)
  • Distensão abdominal (variável)
  • Sinais de sofrimento infantil:
    • Choro
    • Taquipneia
    • Levar os joelhos até ao abdómen
  • Sinais de desidratação
    • Mucosas desidratadas
    • Depressão das fontanelas
  • Letargia
  • Sinais tardios indicativos de isquemia/perfuração:
    • Peritonite/abdómen rígido
    • Hematoquezia
    • Febre
    • Taquicardia/hipotensão

Avaliação laboratorial

  • Inespecífica
  • Hemograma:
    • Leucocitose
    • Anemia (em casos crónicos)
  • Bioquímica:
    • Alcalose por contração, alterações eletrolíticas provocadas pelos vómitos
    • Acidose, elevação do lactato: sinais de isquemia intestinal

Imagiologia

Apenas realizada em doentes estáveis. Nos doentes com instabilidade hemodinâmica/sépsis/peritonite deve realizar-se uma cirurgia emergente.

Raio-X abdominal:

  • Deve ser realizado para descartar perfuração em lactentes
  • Pode observar-se o sinal de dupla bolha (obstrução duodenal)

Radiografias seriadas do trato GI superior (UGI, pela sigla em inglês) :

  • Exame gold standard em doentes hemodinamicamente estáveis
  • O segmento duodenojejunal (ligamento de Treitz) está à direita da linha média.
  • O duodeno tem uma aparência em “saca-rolhas” (indicativo de vólvulo).
  • Nos casos de compressão externa ou vólvulo, o duodeno encontra-se dilatado.

Ecografia:

  • A torção da veia mesentérica superior e do mesentério ao redor da artéria mesentérica superior é conhecida como o sinal do “redemoinho”.
  • Relação artéria/veia mesentérica superior anormal
  • Posição anormal da 3ª porção do duodeno
  • Duodeno dilatado
  • Uma ecografia normal não exclui a existência de má rotação.

Tratamento

Tratamento pré-operatório

  • Ressuscitação com fluidos/correção eletrolítica
  • Nils per os (não administrar nada oralmente)
  • Antibióticos intravenosos que cubram a flora intestinal
  • Inserção de sonda nasogástrica para descompressão

Procedimento de Ladd

Laparotomia emergente:

  • Realizada em todos os casos de vólvulo do intestino médio.
  • O procedimento consiste em:
    • Redução, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, do vólvulo do intestino médio
    • Divisão das bandas de Ladd
    • Alargamento do mesentério (abrir o mesentério dobrado como um livro e dividir as aderências congénitas)
    • Posicionar o cólon no lado esquerdo e todo o intestino delgado no lado direito, de forma a evitar uma recorrência do vólvulo
    • Apendicectomia
    • Se presente, ressecar o intestino necrotizado, possivelmente com criação de um estoma

Procedimento de Ladd eletivo/profilático:

  • Deve ser realizado nas más rotações intestinais detetadas incidentalmente/assintomáticas
  • Pode ser realizado por laparoscopia na ausência de vólvulo
Procedimento de ladd

Procedimento de Ladd:
Resolução da torção intestinal e divisão das bandas de Ladd. No abdómen, o intestino delgado é colocado à direita e o cólon à esquerda.

Imagem por Lecturio.

Prognóstico

  • Mortalidade global após a cirurgia: 3%–9%
  • A mortalidade é próxima de 0% em crianças saudáveis sem isquemia, mas a taxa de mortalidade pode aumentar na presença de:
    • Necrose intestinal
    • Prematuridade
    • Alterações congénitas associadas
  • Risco de recorrência do vólvulo: 2%–8%
  • Se for necessário ressecar um grande segmento do intestino delgado devido à necrose associada, o doente pode desenvolver a síndrome do intestino curto.

Diagnóstico Diferencial

  • Atresia e estenose duodenal: uma patologia congénita com ausência do lúmen duodenal normal. Esta patologia pode apresentar-se com vómitos recorrentes, intolerância alimentar e défice de crescimento. A radiografia abdominal mostra um sinal característico de dupla bolha e um intestino distal sem gás. O tratamento assenta na correção cirúrgica.
  • Estenose hipertrófica do piloro: uma hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico em lactentes. Esta patologia apresenta-se após as 1ªs 3 semanas de vida, com vómito não biliar em jato. O diagnóstico é realizado com ecografia e o tratamento é a piloromiotomia cirúrgica.
  • Intussusceção: uma patologia na qual uma parte do intestino se insere noutra, o que resulta geralmente numa obstrução intestinal. Os doentes apresentam dor abdominal em cólica, vómitos e, por vezes, fezes com sangue (ou em geleia de morango). Frequentemente, o diagnóstico em crianças é estabelecido com ecografia. O tratamento em crianças envolve geralmente uma redução não cirúrgica com enema, estando a cirurgia reservada para os casos complicados.

Referências

  1. Bensard D.D. (2018). Intestinal Malrotation. Medscape. Retrieved February 17, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/930313-overview
  2. Brandt M.L. (2019). Intestinal malrotation in children. UpToDate. Retrieved February 17, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/intestinal-malrotation-in-children
  3. Filston H.C., Kirks D.R. (1981). Malrotation – the ubiquitous anomaly. J Pediatr Surg. 16(4 Suppl 1), 614. 
  4. Townsend C.M. Jr., Beauchamp R.D., Evers B.M., Mattox K. L. (2004). Sabiston Textbook of Surgery. 17th ed. (2109–2110).

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