Má Progressão Estaturo-ponderal

Má progressão estaturo-ponderal (MPEP), ou crescimento inconstante, é descrita como ganho ponderal e crescimento subótimos em crianças. A maioria dos casos deve-se à ingestão calórica inadequada; contudo, outras etiologias comuns são a genética, infecciosa e oncológica. Uma história clínica completa e um exame físico guiam a investigação adicional para a causa subjacente. As causas da MPEP estão divididas em orgânicas e não orgânicas. Nas causas não orgânicas de MPEP, é adotada uma abordagem multidisciplinar; as causas orgânicas requerem o tratamento da causa subjacente. O reconhecimento e tratamento da MPEP são importantes para evitar atrasos de desenvolvimento.

Última atualização: Apr 7, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A má progressão estaturo-ponderal (MPEP) é descrita como ganho ponderal e crescimento subótimo em crianças. A má progressão estaturo-ponderal, é medida como uma queda abaixo do percentil 5 para idade e sexo, ou uma queda no peso que cruza 2 linhas principais do percentil em gráficos de crescimento padronizados num período de 6 meses.

Existem múltiplas definições, que devem ser consideradas:

  • Peso ou altura abaixo do percentil 5 para idade e sexo em múltiplas ocasiões
  • < 80% peso médio ideal para a idade e altura
  • Queda no ganho ponderal em 2 linhas principais de percentil num período de 6 meses
  • > 2 desvios padrão abaixo da média em crianças da mesma idade e sexo
Gráfico de crescimento de mpep

Gráfico de crescimento apresentando má progressão estaturo-ponderal (MPEP):
O peso abaixo do percentil 2 em mais de 2 ocasiões deve motivar uma investigação mais aprofundada.

Imagem de Lecturio.

Epidemiologia

  • Aproximadamente 10% da população pediátrica
  • Aproximadamente 4% das crianças internadas em hospitais são diagnosticadas com MPEP.
  • 90% dos casos estão associados a um estatuto socioeconómico inferior ou a fatores de stress psicossocial.
  • Fatores de risco:
    • Prematuridade
    • Restrição do crescimento intrauterino (RCIU)
    • Atraso no desenvolvimento
    • Anomalia congénita
    • Exposição intrauterina a drogas
    • Intoxicação por chumbo
    • Anemia
    • Distúrbio metabólico

Etiologia

A má progressão estaturo-ponderal (MPEP), é um indicador da patologia subjacente ou da deficiência psicossocial. As causas de MPEP são agrupadas por ingestão calórica inadequada, má absorção, aumento das necessidades metabólicas ou uso calórico ineficiente.

Consumo calórico inadequado (90% dos casos)

  • Não orgânico:
    • Subnutrição
    • Abuso/negligência infantil
    • Privação psicossocial
    • Questões sociais (pobreza, stress económico, problemas conjugais, problemas familiares)
  • Orgânico:
    • Anormalidades craniofaciais (dificuldades na sucção)
    • Doença crónica
    • Vómitos
    • Refluxo gastroesofágico grave

Má-absorção

  • Doença celíaca
  • Fibrose quística (FQ)
  • Intolerância às proteínas do leite
  • Síndrome do intestino curto
  • Diarreia crónica

Uso ineficiente ou defeituoso de calorias

  • Síndrome cromossómica
  • RCIU
  • Prematuridade grave
  • Distúrbios metabólicos (por exemplo, hipotiroidismo congénito)
  • Infeções congénitas
  • Distúrbios dos aminoácidos ou de outros ácidos orgânicos

Necessidades metabólicas excessivas

  • Cardiopatias congénitas
  • Tirotoxicose congênita
  • FQ
  • Malignidades
  • Infeções crónicas (por exemplo, VIH, imunodeficiência)

Apresentação Clínica

Como o diagnóstico é determinado através da comparação de gráficos de crescimento, estes casos são frequentemente detetados numa consulta de rotina das crianças ou numa ida ao Serviço de Urgência (SU) por desidratação e letargia.

História

  • Pré-natal:
    • Idade gestacional ao nascimento
    • Exposição à toxoplasmose, outros agentes, rubéola, citomegalovírus ou infeção por herpes simples (TORCH)
    • Tabagismo ou uso de drogas materno
  • Perinatal:
    • Peso de nascimento
    • Padrão e técnica de alimentação
  • Médica:
    • Imunizações, marcos de desenvolvimento, história de infeções
    • Antecedentes gastrointestinais (GI) sugestivos de má-absorção
  • Social:
    • Análise do círculo de apoio económico, financeiro e social
    • Perceção do cuidador sobre cuidados com crianças
  • História nutricional:
    • Alergias alimentares
    • Suplementação vitamínica

Exame físico

  • Observação da dinâmica do cuidador:
    • Apatia
    • Técnica de aleitamento materno
  • Sinais de negligência:
    • Criança descuidada
    • Extensa dermatite das fraldas
    • Roupas inapropriadas para a estação do ano
  • Desnutrição ou desidratação:
    • Fontanela abaulada
    • Sem lágrimas ao chorar
    • Diminuição da massa muscular
    • Sonolência
  • Atraso no desenvolvimento: crianças hipotónica e com punhos fechados persistentemente
  • Cardiopulmonar (cardiopatia congénita):
    • Alimenta-se lentamente, dispneia, diaforese com alimentação, taquipneia, inquietação e diaforese durante o sono
    • Cianose, sopro cardíaco e “clicks”, e/ou precórdio hidrodinâmico
  • Endócrina:
    • Hipotiroidismo: obstipação e diminuição do nível de atividade
    • Diabetes: poliúria e polidipsia

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico: História clínica e exame físico guiam a realização de testes laboratoriais confirmatórios à etiologia subjacente.

  • Hemograma:
    • Hemograma: leucopenia, trombocitopenia → imunodeficiência
    • Estudo do ferro → anemia
    • Marcadores inflamatórios: velocidade de sedimentação (VS) e PCR → inflamação subjacente
    • Bioquímica:
      • Equilíbrio eletrolítico: hiponatremia, hipocaliemia e hipomagnesemia → malnutrição/desidratação
      • ↓ Pré-albumina → malnutrição
      • Acidose metabólica
      • Ureia e creatinina → função renal
      • Testes de função hepática
      • Níveis de vitaminas (especialmente vitamina D)
    • Teste de alergia a proteína do leite
    • Estudos hosmonais:
      • TSH, T3/T4
      • Hormona do crescimento
    • Teste para erros inatos do metabolismo
  • Testes específicos para confirmar a causa subjacente:
    • Teste do cloro no suor → fibrose quística
    • Deficiência de transglutaminase tecidual → doença celíaca
  • Imagiologia:
    • Radiografia de tórax: anormalidade da silhueta cardíaca → cardiomiopatia congénita
    • Radiografias ósseas seriadas: fraturas múltiplas em diferentes estádios → raquitismo ou abuso
  • Radiografias GI seriadas → para exclusão de defeito anatómico

Tratamento

No tratamento da MPEP, deve ser adotada uma abordagem multidisciplinar, especialmente em causas não orgânicas.

  • MPEP não orgânica: Melhorar o bem-estar psicossocial e a nutrição.
    • Pode ser considerado um consultor de amamentação para educar a mãe ou o cuidador sobre a técnica e rotinas de amamentação adequadas
    • Nutricionista para avaliar a qualidade da ingestão alimentar
    • Envolvimento de psicólogo pediátrico e assistentes sociais em casos de abuso e trauma
    • Reabilitação nutricional
    • Apoio ao prestador de cuidados
    • O internamento está indicado se:
      • Gravemente subnutrido (necessidade de nutrição parentérica)
      • Qualquer caso suspeito de abuso (para segurança e um seguimento completo)
  • MPEP orgânica: Tratar a causa subjacente.

Complicações

A síndrome de realimentação pode ocorrer em pacientes tratados por desnutrição crónica grave.

  • A reintrodução de hidratos de carbono leva a:
    • Aumento da insulina → hipoglicemia, fadiga, fraqueza e confusão
    • Sal e retenção hídrica → edema
    • Hipocalemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia → arritmia
  • Prevenida com a introdução lenta de calorias e suplementação vitamínica.

Prognóstico

  • Se a MPEP não orgânica for tratada, o peso do paciente geralmente normaliza dentro de 6 meses.
  • Se não for tratada:
    • Atraso grave do desenvolvimento cognitivo
    • Baixa estatura
    • Imunodeficiência

Relevância Clínica

Diagnóstico diferencial

As seguintes condições podem apresentar-se de forma semelhante à MPEP e devem ser consideradas desde o início:

  • Atraso no crescimento constitucional: causa baixa estatura pré-púbere, mas no adulto apresenta altura normal sem intervenção. A criança é geralmente de normal estatura ao nascer, mas a taxa de crescimento cai entre os 3-6 meses de idade. Aos 3 anos, o crescimento está na curva do percentil 2-5 no gráfico de crescimento. As crianças são geralmente saudáveis, mas pequenas, sem causa patológica para o atraso de crescimento. A puberdade é muitas vezes atrasada e o crescimento continua durante mais tempo do que o normal. A altura em adulto é normal.
  • Antecedentes de prematuridade: Os recém-nascidos prematuros são tipicamente pequenos, pois nascem com menor peso e enfrentam desafios adicionais (por exemplo, dificuldades na alimentação e aumento das necessidades metabólicas). A idade corrigida, que considera a prematuridade da criança, deve ser usada para marcar o seu tamanho nos gráficos de crescimento e garantir que o percentil correto seja destacado.

Causas de MPEP

Insuficiente ingestão calórica:

  • Abuso/negligência infantil: A negligência infantil é tanto o fornecimento inadequado de uma dieta adequada ou a retenção de alimentos como castigo. O abuso/negligência infantil é uma causa comum de MPEP. Por lei, os médicos nos Estados Unidos são obrigados a denunciar as suspeitas de abuso/negligência infantil às autoridades competentes.
  • Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE): refluxo do conteúdo gástrico para o esófago principalmente devido ao aumento do relaxamento do esfíncter esofágico inferior. As crianças que sofrem de DRGE perdem peso devido à incapacidade de reter o conteúdo alimentar durante tempo suficiente para gerar calorias. Raramente, o refluxo pode causar ulcerações, levando a anemia e deficiência de ferro.

Causas de má-absorção:

  • Doença celíaca: uma patologia GI caracterizada por uma reação imunomediada a alimentos com glúten, levando à enterite e má absorção de nutrientes. Os pacientes com doença celíaca só apresentam MPEP após a introdução de alimentos sólidos.
  • Fibrose quística (FQ): doença genética autossómica recessiva causada pela ausência ou redução da função da proteína reguladora de condutância transmembranar da fibrose quística (CFTR, da sigla em inglês). Os pacientes com FQ têm necessidades calóricas maiores devido à doença respiratória crónica e a maioria desenvolve insuficiência pancreática. A má absorção de gordura e a MPEP resultam da incapacidade de secreção das enzimas pancreáticas.
  • Diarreia crónica: é geralmente um sintoma de patologia com má-absorção subjacente, que vai desde alergia à proteína do leite até à doença celíaca. Os doentes com diarreia crónica costumam apresentar-se com MPEP na infância. O tratamento baseia-se em encontrar e tratar a causa subjacente, a fim de manter uma nutrição adequada.

Aumento das necessidades calóricas:

  • Cardiopatia congénita (cianótica ou acianótica): aumento das necessidades calóricas devido ao aumento da exigência metabólica nos tecidos com redução do fornecimento sanguíneo. Geralmente, todas as doenças crónicas causam MPEP devido ao aumento das necessidades calóricas para manter as exigências metabólicas.

Referências

  1. Turay, F., & Rudolph, J. A. (2018). Nutrition and gastroenterology. In B. J. Zitelli MD, S. C. McIntire MD & Nowalk, Andrew J., MD, Ph.D. (Eds.), Zitelli and Davis’ atlas of pediatric physical diagnosis (pp. 394–418). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323393034000116
  2. Carrasco, M. M., & Wolford, J. E. (2018). Child abuse and neglect. In B. J. Zitelli MD, S. C. McIntire MD & Nowalk, Andrew J., MD, Ph.D. (Eds.), Zitelli and Davis’ atlas of pediatric physical diagnosis (pp. 171–235). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323393034000062
  3. Grasemann, H. (2020). Cystic fibrosis. In L. Goldman MD, & A. I. Schafer MD (Eds.), Goldman-Cecil medicine (pp. 544–548.e1). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323532662000837

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