Intoxicação por Cianeto

O cianeto de hidrogénio é um líquido extremamente venenoso, incolor e inflamável utilizado em múltiplas indústrias nomeadamente borracha, plástico e tintas domésticas. A exposição ao cianeto pode ocorrer por inalação, contacto dérmico ou ingestão intestinal. A intoxicação por cianeto é uma complicação comum dos incêndios em espaços fechados, visto que o cianeto é um subproduto da combustão de plásticos. Os sintomas desenvolvem-se em segundos a minutos e envolvem alterações cardiovasculares, respiratórias e neurológicas. O tratamento inclui tiossulfato de sódio, nitritos e hidroxocobalamina. Se não for reconhecida e tratada rapidamente, a intoxicação por cianeto é frequentemente letal.

Última atualização: Feb 25, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

O cianeto é uma toxina mitocondrial altamente letal, capaz de provocar a morte em minutos a horas após a exposição,

Epidemiologia

  • Exposições humanas ao cianeto 1993–2002: 3165 exposições (2,5% letal)
  • Incidência anual nos Estados Unidos: 5.000–10.000 mortes por inalação de fumos
  • A exposição industrial e o suicídio por intoxicação por cianeto ocorrem sobretudo nos homens.

Etiologia

  • Incêndios domésticos:
    • Causa mais comum de intoxicação por cianeto
    • Subproduto da combustão de produtos sintéticos (plástico, tintas)
  • Dieta: ingestão de amigdalina (glicosídeo cianogénico nas sementes de damasco)
  • Medicina:
    • Efeito secundário da utilização de nitroprussiato (uma dose alta ou utilização a longo prazo)
    • Fármacos de ação curta para as emergências hipertensivas levam à libertação de cianeto
  • Suicídio ou homicídio: cianeto de potássio, cianeto de sódio
  • Industrial: exposição no local de trabalho de fabricação

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • Absorvido através da pele, pulmões, membranas mucosas ou trato GI
  • Rapidamente distribuído por todo o corpo
  • Principais mecanismos de ação:
    • Inibe a cadeia de transporte de eletrões mitocondrial, através da inibição do complexo IV (citocromo c oxidase, subunidade a3), à medida que se liga ao ferro férrico (Fe 3+ )
    • Resultado: bloqueio da fosforilação oxidativa e inibição da produção aeróbica de ATP
    • O ATP é produzido sobretudo pela via anaeróbica, resultando na produção de ácido lático e acidose metabólica.
    • Resultado: hipóxia histotóxica funcional:
      • Incapacidade de utilizar O 2 devido à cadeia de eletrões envenenada
      • Prejudicial sobretudo para os sistemas cardiovascular e nervoso central
  • Mecanismos de contribuição adicionais do cianeto:
    • Inibição de antioxidantes
    • Indução de morte celular por apoptose
    • Inibição da formação de ácido gama-aminobutírico (GABA) → risco de convulsões
    • Ligação à hemoglobina → cianohemoglobina (incapaz de transportar O 2)
  • Metabolismo do cianeto:
    • Desintoxicado pela enzima rodanase
    • Converte cianeto em tiocianato solúvel em água (precisa de enxofre), excretado na urina

Apresentação clínica

Os sintomas desenvolvem-se em segundos a minutos.

  • O hálito pode ter um odor amargo ou amendoado.
  • Pele:
    • Vermelho ou rosada
    • Cianose (mais comum)
    • Dermatite irritativa
  • Sistema cardiovascular:
    • Taquicardia/hipertensão
    • Progressão para bradicardia/hipotensão
    • Disritmia, paragem cardiovascular
  • Sistema respiratório:
    • Taquipneia/hiperventilação (PaCO 2 diminuída)
    • Progressão para depressão/insuficiência respiratória
    • Edema pulmonar
  • Sistema neurológico:
    • Cefaleia
    • Vertigem
    • Tonturas
    • Convulsões
    • Coma
    • Lesão cerebral anóxica e lesão cerebral permanente
  • Náuseas e vómitos
  • Rabdomiólise
  • Insuficiência renal
  • Necrose hepática
Intoxicação aguda por cianeto

Intoxicação aguda por cianeto:
A tomografia computadorizada revela edema cerebral difuso associado a lesão cerebral anóxica.

Imagem : “Brain anoxic injury” pelo Departamento de Medicina, Temple University Hospital, Filadélfia, PA 19140, EUA. Licença: CC BY 3.0

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

História clínica e exame objetivo:

  • História de exposição
  • Cheiro amargo/amendoado
  • Alteração da cor da pele (ruborizada/cianótica)
  • Sintomas característicos

Análises laboratoriais:

  • Acidose metabólica grave com anion gap aumentado
  • Ácido lático
  • Gradiente de PO 2 venoso-arterial estreito (hiperóxia venosa)
  • Níveis sanguíneos de cianeto (não fidedigno)
  • Glicose (para avaliar hipoglicemia)
  • Outros testes para avaliar:
    • Carboxiemoglobina e metemoglobina: descartar exposição concomitante ao monóxido de carbono (CO) e ingestão de outros fármacos.
    • Níveis de acetaminofeno e salicilato: descartar a coingestão de outros fármacos.

Tratamento

Considerações gerais:

  • Abordar rapidamente qualquer suspeita de intoxicação por cianeto devido à alta mortalidade.
  • Pode ser difícil de diagnosticar/reconhecer
  • Suspeitar perante qualquer vítima de inalação de fumos.

Descontaminação:

  • Remover o paciente da fonte.
  • Retirar a roupa.
  • Limpar as feridas.
  • Administrar carvão ativado nos casos de ingestão oral.

Ressuscitação

  • Avalie a via aérea, respiração, circulação (ABC).
  • Proteger a via aérea e fornecer O 2 de alto fluxo (a utilização de oxigenação hiperbárica é controverso).
  • Fluidoterapia IV e vasopressores, se necessário
  • Administrar glicose nos casos de hipoglicemia
  • Benzodiazepinas para as convulsões

Antídotos:

  • A hidroxicobalamina (vitamina B 12) liga-se diretamente às moléculas de cianeto e é o tratamento preferencial.
  • O tiossulfato de sódio atua como um doador de enxofre para a enzima rodanase converter o cianeto em tiocianato excretável.
  • Nitritos (nitrito de sódio ou nitrito de amilo) induzem metemoglobinemia:
    • Converte ferro ferroso (Fe 2+) em Fe 3+
    • O Fe 3+ liga-se ao cianeto e forma avidamente a cianometemoglobina.
    • Não utilizar nos casos de intoxicação concomitante por CO, dado que a indução de metemoglobinemia pode ser fatal.

Diagnóstico Diferencial

  • Metemoglobinemia: diz respeito a níveis elevados de metemoglobina que contém Fe 3+ oxidado em vez de Fe 2+ . A metemoglobina não se liga ao O 2 . Pode ser provocada por nitratos, dapsona e anestésicos locais e causa hipóxia tecidual. A apresentação clínica inclui cianose, cefaleias, tonturas, náuseas, convulsões, dispneia e/ou arritmias. A metemoglobinemia é diagnosticada por gasimetria e o tratamento é através da administração de azul de metileno e vitamina C.
  • Intoxicação por monóxido de carbono: um gás inodoro, insípido, incolor e não irritante formado pela combustão de hidrocarbonetos (incêndios, tubo de escape dos automóveis, aquecedores a gás). O monóxido de carbono tem uma afinidade maior para a hemoglobina do que o O 2 e forma a carboxiemoglobina, o que resulta em alterações no transporte e utilização de O 2. Os sintomas incluem confusão, cefaleias, tontura, rubor facial, coma e morte. O diagnóstico é clínico, sendo confirmado por gasimetria. O tratamento é através de O 2 100% e, se falhar, oxigenação hiperbárica.
  • Ingestão de fármacos: existem vários fármacos capazes de induzir sintomas de intoxicação semelhantes ao cianeto, nomeadamente antidepressivos tricíclicos, salicilatos, organofosforados, isoniazida e estricnina. A história clínica detalhada e um alto índice de suspeita clínica são essenciais para o diagnóstico correto. O tratamento depende do fármaco ingerido.

Referências

  1. Leybell, I. (2020). Cyanide Toxicity. Emedicine. Retrieved March 24, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/814287-overview#a5
  2. Su, M and Desai, S. (2020). Cyanide poisoning. UpToDate. Retrieved March 24, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/cyanide-poisoning#H2
  3. Mégarbane B, Delahaye A, Goldgran-Tolédano D, Baud FJ. (2003). Antidotal treatment of cyanide poisoning. J Chin Med Assoc. 2003;66(4):193.

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