Incontinência Urinária

A incontinência urinária (IU) é a perda involuntária de urina. A IU é comum, subtratada, pode limitar a participação em atividades e pode ter impacto na qualidade de vida de um indivíduo. Nos adultos mais velhos, a incontinência urinária pode aumentar a morbilidade e a mortalidade globais. Os 5 tipos de IU incluem stress, urgência, mista, refluxo e funcional. A etiologia da incontinência urinária é muitas vezes multifatorial. Os fatores de risco para as mulheres incluem partos vaginais anteriores, obesidade e menopausa; o principal fator de risco para os homens é a cirurgia de próstata prévia. O diagnóstico é baseado na história clínica. Os exames são individualizados para excluir uma causa potencialmente reversível ou uma condição médica subjacente, tal como infeção ou malignidade. O tratamento é dirigido ao tipo de incontinência e à causa. O tratamento mais comum envolve modificação do estilo de vida e exercícios musculares do pavimento pélvico; alguns doentes podem necessitar de tratamento farmacológico ou cirúrgico. A eficácia do tratamento é medida por instrumentos de autoavaliação.

Última atualização: Jan 12, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A incontinência urinária é a perda do controlo da bexiga, levando à perda involuntária ou descontrolada de urina, representando um problema de higiene ou social para o indivíduo, com impacto na sua qualidade de vida.

Epidemiologia

  • Mulheres > Homens
  • A prevalência ↑ com a idade
  • Ambos os sexos são igualmente afetados após os 80 anos de idade.
  • Nos Estados Unidos, 20 milhões de mulheres e 6 milhões de homens apresentam incontinência urinária (IU) durante a sua vida.
  • Globalmente, cerca de 35% dos indivíduos > 60 anos sofrem de IU.
  • Até 80% das mulheres em lares de idosos têm IU.
  • Apenas 25% dos indivíduos acometidos pela IU procuram tratamento devido ao estigma social.

Etiologia e fatores de risco

  • História de gestações múltiplas
  • Gravidez atual
  • Parto vaginal
  • Lesões por cirurgia ou trauma perto/na bexiga ou pavimento pélvico
  • Cirurgia prostática
  • Menopausa
  • Doenças que afetam o cérebro ou a medula espinhal, tais como:
    • AVC
    • Esclerose múltipla
    • Doença de Parkinson
    • Paralisia cerebral
  • Diabetes mellitus
  • Doença renal crónica
  • Obesidade
  • Infeções do trato urinário
  • Fármacos:
    • Antipsicóticos e antidepressivos com propriedades anticolinérgicas
    • Agonistas alfa-adrenérgicos
    • Antagonistas alfa
    • Diuréticos
    • Bloqueadores dos canais de cálcio
    • Hipnóticos sedativos
    • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs)
    • Fármacos para a doença de Parkinson
  • Obstipação
  • ↑ Ingestão de álcool ou cafeína
  • ↑ Idade

Consequências da incontinência urinária

  • Aumenta:
    • Prevalência de depressão e isolamento social
    • Hospitalizações
    • Infeções do trato urinário
    • Úlceras de pressão
    • Admissão em unidades de cuidados de longa duração
  • Reduz / agrava:
    • Produtividade laboral
    • Saúde em geral
    • Qualidade de vida

Fisiopatologia

Função normal da bexiga

  • A bexiga tem 2 funções principais:
    • Armazenar urina
    • Expelir urina
  • A função da bexiga é controlada por:
    • Músculo detrusor → contrai durante a micção
    • Esfíncter uretral → contrai durante o enchimento vesical
  • A bexiga é inervada pelos sistemas nervoso parassimpático, simpático e voluntário (somático).
  • Durante o enchimento:
    • Estimulação simpática → relaxamento do músculo detrusor
    • Contração do colo da bexiga
    • Contração do esfíncter urinário (uretral) externo
  • Durante o esvaziamento:
    • Distensão da bexiga → ativação de mecanorrecetores → sinais aferentes para a ponte
    • Inibição da estimulação simpática e relaxamento do colo vesical
    • Ativação parassimpática do detrusor
  • O ↑ da pressão intra-abdominal durante a manobra de Valsalva é transmitido de igual forma para a uretra e para a bexiga, o que resulta em continência.
  • A uretra é sustentada pelos músculos do pavimento pélvico, que ajudam a fechar a abertura uretral.
  • A alteração do equilíbrio entre o músculo detrusor e o esfíncter uretral contribui para a IU.

Fisiopatologia da incontinência

  • Incontinência de esforço:
    • Perda de urina devido ao esforço
    • Pressão intra-abdominal > pressão do esfíncter vesical
    • Por vezes devido ao prolapso que coloca o esfíncter fora do abdómen
  • Incontinência de urgência: hiperatividade do músculo detrusor
  • Incontinência mista: patologia combinada do músculo detrusor e do esfíncter vesical
  • Incontinência de overflow:
    • Uma obstrução do trato de saída da bexiga ou uma disfunção da contratilidade do detrusor causam um esvaziamento incompleto da bexiga.
    • Incapacidade de esvaziar completamente a bexiga → retenção urinária → sobredistensão da bexiga → perda contínua ou frequente de urina
  • Incontinência funcional:
    • Incapacidade de controlar a micção devido a uma deficiência física ou mental que impede o indivíduo de chegar à casa de banho
Urinary incontinence

Incontinência urinária:
Overflow: sobredistensão da bexiga causada por obstrução do trato de saída ou diminuição da contratilidade do detrusor
Stress: fuga de urina com o aumento da pressão intrabdominal devido a incompetência do trato de saída urinário
Urgência: hiperatividade do músculo detrusor

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Abordagem geral

Focar a história nos sintomas consistentes com incontinência consoante o tipo de circunstância:

  • ↑ Frequência diurna de micção
  • Hesitação (dificuldade em iniciar a micção)
  • Vontade de urinar, com perdas de urina antes de chegar à casa de banho
  • Perturbação das atividades diárias devido à perda de urina
  • Perdas de urina pós-cirúrgicas
  • Sensação de humidade na roupa interior sem sensação de perda de urina
  • Sensação de esvaziamento incompleto da bexiga
  • Noctúria
  • Enurese noturna (perda de urina durante o sono)
  • Para os doentes que têm dificuldade em recordar ou quantificar os sintomas:
    • Diário miccional:
      • Ingestão de fluidos
      • Frequência de esvaziamento vesical
      • Volume de urina
      • Número de episódios de incontinência
    • Teste do penso:
      • O doente é instruído a usar um penso absorvente.
      • O volume de urina perdido é verificado pelo peso e pelo número de pensos absorventes usados por dia.

História clínica

  • Incontinência de esforço:
    • Perdas de urina com os esforços
    • Quando o evento que causa ↑ da pressão intra-abdominal cessa (por exemplo, tosse), as pequenas perdas param.
    • Associada à gravidez, parto, obstipação e obesidade
  • Incontinência de urgência:
    • Necessidade súbita e inesperada de urinar
    • Associada a:
      • Síndrome da bexiga hiperativa → a urgência urinária ocorre com ou sem incontinência
      • Cistite
      • Esclerose múltipla
      • AVC
      • Doença de Parkinson
      • Hiperplasia da próstata
  • Incontinência mista: A perda involuntária de urina está associada à incontinência de urgência e de esforço.
  • Incontinência de overflow:
    • Retenção urinária ou esvaziamento incompleto da bexiga
    • Perda de urina contínua ou frequente
    • Pode resultar de:
      • Cirurgia pélvica/abdominal
      • Próstata aumentada
      • Pressão na uretra por um tumor
      • Estenose uretral
      • Obstipação
      • Gravidez
      • Medicação
      • Comprometimento neurológico
  • Incontinência funcional:
    • Fatores cognitivos ou físicos que prejudicam a capacidade do indivíduo de alcançar ou de utilizar a casa de banho.
    • Associada a:
      • Défice de mobilidade ou destreza
      • Demência/deficiência cognitiva
      • Confusão
      • Má acuidade visual
      • Ambiente desfavorável ou uma mudança no ambiente (por exemplo, hospitalização)

Exame objetivo

  • Exame pélvico para verificar:
    • A integridade dos músculos do pavimento pélvico
    • Atrofia vaginal
    • Prolapso de órgãos pélvicos
    • Toque vaginal para pesquisa de massas pélvicas/uterinas
  • Palpação abdominal para pesquisa de massas pélvicas e abdominais
  • Exame retal:
    • Determinar o tamanho e a consistência da próstata.
    • Excluir impactação de fezes.
    • Procurar massa retal.

Diagnóstico

Análises laboratoriais

  • Análise sumária de urina:
    • Para excluir infeção do trato urinário
    • Para excluir a presença de sangue na urina
    • Para excluir a presença patológica de proteínas ou células que implicariam uma avaliação adicional
  • Sangue:
    • Creatinina
    • Azoto ureico no sangue
    • Taxa de filtração glomerular estimada

Testes clínicos

  • Teste de stress vesical:
    • Bexiga cheia
    • Pedir ao doente para tossir ou para se baixar enquanto está de pé.
    • Observar qualquer perda de urina.
  • Medição da urina residual pós-miccional:
    • Avaliação da urina que fica na bexiga após a micção (por ecografia ou cateter urinário)
    • Anormal: > 150 ml ou ⅓ do volume pré-miccional
  • Os testes urodinâmicos medem a pressão que o músculo detrusor/esfíncter urinário podem suportar, bem como o fluxo de urina:
    • Cistometria: mede a pressão e o volume de líquido na bexiga durante o enchimento, armazenamento e esvaziamento
    • Urofluxometria: mede o fluxo de urina
    • Perfil de pressão uretral: testa a função uretral
    • Pressão do ponto de extravazamento: determina a pressão vesical ou abdominal quando ocorre a perda de urina.

Radiologia e Procedimentos

  • Nem sempre é necessária
  • Ecografia pélvica:
    • Para detetar tumores
    • Para detetar nefrolitíase
    • Para avaliar o volume de urina antes e depois da micção
  • Cistoscopia: Um tubo fino com uma câmara é inserido pela uretra até à bexiga.
  • TC abdominal: descartar massas/infeção (por exemplo, carcinoma renal, pielonefrite)
  • RM espinhal: descartar compressão medular, cauda equina e abcesso espinhal

Tratamento

O tratamento da incontinência urinária depende de vários fatores:

  • Tipo e gravidade da incontinência
  • Causa subjacente
  • Resposta ao tratamento
  • Idade
  • Saúde global e estado mental

Modificações de estilo de vida/comportamentais

  • Tratamento da obstipação
  • Controlo da cafeína
  • Controlo do peso
  • Tratamento adequado da diabetes e hipertensão
  • Eliminar a ingestão de irritantes vesicais:
    • Substitutos do açúcar
    • Citrinos
    • Comida picante
  • Cessação tabágica
  • Micção atempada:
    • Urinar a cada 2-4 horas.
    • Urinar antes de qualquer atividade ou esforço físico.
    • Não esperar pela vontade de urinar.
  • Dupla micção: Evitar a incontinência de overflow ao urinar uma vez, e urinar novamente após alguns minutos.
  • Evitar manobras que ↑ pressão intra-abdominal (por exemplo, levantamento de pesos).
  • Exercícios de Kegel:
    • Eficazes na incontinência de esforço e de urgência
    • Semelhantes em homens e mulheres:
      • Contrair os músculos para interromper o fluxo de urina durante 5 segundos.
      • Relaxar os músculos durante os 5 segundos seguintes.
    • Deve ser feito um esforço para progredir gradualmente para 10 segundos por contração.
    • 3 séries de repetições por dia
    • Nota: Os doentes não devem fazer exercícios de Kegels enquanto urinam efetivamente (exceto talvez pela 1ª ou 2ª vez para aprender que músculos contrair).
  • Utilizar pensos absorventes.
  • Treino da bexiga:
    • O tempo entre as idas à casa de banho deve ser aumentado progressivamente.
    • Começar com um curto intervalo de tempo e ↑ gradualmente.
    • Aumentar o intervalo até atingir as 2,5–3,5 horas.

Fármacos

  • Estrogénio tópico (em mulheres):
    • Tonifica e rejuvenesce os tecidos uretrais e vaginais
    • Utilizar na pós-menopausa
  • Bloqueadores alfa (em homens):
    • Utilizados nos homens com hiperplasia benigna da próstata
    • Relaxam os músculos do colo vesical
  • Anticolinérgicos:
    • Aliviam a bexiga hiperativa
    • Ajudam na incontinência de urgência
    • Efeitos adversos frequentes:
      • Obstipação
      • Xerostomia
      • Visão turva
      • Sonolência
    • Podem causar alterações do estado mental nos idosos
  • Mirabegron:
    • Usado na incontinência de urgência
    • Ativa os adrenoceptores beta-3, que provocam o relaxamento da parede da bexiga
  • Duloxetina:
    • Usada na incontinência de esforço
    • Inibe a recaptação de serotonina-noradrenalina
    • Atua sobretudo na medula espinhal para ↑ a atividade do nervo pudendo
    • ↑ Pressão de encerramento do esfíncter uretral
  • Toxina botulínica tipo A:
    • Usada para a bexiga hiperativa
    • Neurotoxina que inibe a libertação pré-sináptica de acetilcolina
    • ↓ Contratilidade do músculo detrusor
    • Injetada diretamente no músculo detrusor vesical a cada 6-12 meses
    • Pode levar à paralisia da bexiga
  • Desmopressina:
    • Usada na noctúria
    • Análogo sintético da vasopressina (hormona antidiurética)

Dispositivos médicos

  • Tampões uretrais:
    • Dispositivo semelhante a um tampão que é inserido na uretra antes de realizar uma atividade física vigorosa para evitar a incontinência.
    • Removido antes da micção.
  • Pessário:
    • Fornece suporte à uretra
    • Anel de silicone flexível inserido na vagina
  • Cateteres externos e sistemas coletores:
    • Cateteres de preservativo ou sistema masculino de drenagem externa
    • Preferível aos cateteres internos de longa-duração e aos pensos absorventes.
  • Grampos penianos:
    • Dispositivos de compressão peniana
    • Adequados para os casos ligeiros a moderados para prevenir as perdas de urina
    • Utilização de curto prazo
  • Cateteres internos de longa duração:
    • Um cateter (algália) conecta a bexiga a um sistema coletor externo.
    • As infeções do trato urinário são uma complicação comum.
  • Cateteres intermitentes:
    • Cateteres de uso único para tratar a retenção urinária
    • Os doentes algaliam-se conforme necessário.
    • Podem levar a irritação e a infeções do trato urinário (menos do que os cateteres internos de longa duração)

Outros tratamentos

  • Tratamentos de Radiofrequência:
    • O tecido do trato urinário inferior é aquecido para promover a formação de colagénio e de elastina.
    • Resulta em tecidos mais firmes, o que ajuda no controlo vesical
  • Estimulador do nervo sagrado:
    • O estimulador é inserido sob a pele da nádega; um fio liga o estimulador ao nervo que vai da medula espinhal até à bexiga.
    • Programado para fornecer um sinal elétrico, que estimula o nervo e auxilia no controlo da bexiga
  • Injeções de substâncias de enchimento (bulking agents):
    • O material sintético de enchimento é inserido no tecido em redor da uretra.
    • O ↑ da pressão mecânica à volta da uretra evita a perda de urina
    • Sobretudo para a incontinência de esforço
  • Eletroestimulação:
    • Para a incontinência de esforço e de urgência
    • Fortalece os músculos do pavimento pélvico
    • São inseridos elétrodos temporariamente no reto ou na vagina para estimular e fortalecer os músculos do pavimento pélvico.
    • Vários tratamentos ao longo de vários meses.

Tratamento cirúrgico

A intervenção cirúrgica é considerada quando outros métodos de tratamento falham.

  • Sling uretral:
    • Material sintético ou os tecidos circundantes criam um sling pélvico sob a uretra no colo da bexiga.
    • Sobretudo para a incontinência de esforço
  • Cirurgia de prolapso:
    • Usada no prolapso de órgãos pélvicos
    • Muitas técnicas disponíveis
    • Os tecidos da doente ou uma rede vaginal são usados para fixar ou suspender os órgãos pélvicos flácidos.
    • Na incontinência mista, é realizado um procedimento de sling juntamente com a correção dos prolapsos.
  • Esfíncter urinário artificial:
    • Uma válvula é implantada sob a pele e, quando pressionada, esvazia um anel cheio de líquido colocado em redor do esfíncter vesical.
    • O esvaziamento desse anel permite a eliminação da urina.
    • Quando se encontra cheio, o esfíncter artificial comporta-se como um esfíncter urinário e previne a incontinência.

Referências

  1. Bardsley, A. (2016). An overview of urinary incontinence. Br J Nurs. 25(18), S14–S21. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27734727/
  2. Clemens, J.Q. (2019). Urinary incontinence in men. UpToDate. Retrieved August 3, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/urinary-incontinence-in-men
  3. Downey, A., Inman, R.D. (2019). Recent advances in surgical management of urinary incontinence. F1000Res. 8, F1000 Faculty Rev–1294. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31448082/
  4. Irwin, G.M. (2019). Urinary Incontinence. Prim Care Clin Office Pract. 46(2), 233–242. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31030824/
  5. Lukacz, E.S. (2021). Treatment of urinary incontinence in females. UpToDate. Retrieved August 3, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-urinary-incontinence-in-females
  6. Vasavada, S.P., Carmel, M.E. (2021). Urinary incontinence. Emedicine. Retrieved August 2, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/452289-overview

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