Imunodeficiência Comum Variável (ICV)

A imunodeficiência comum variável (ICV), também conhecida como imunodeficiência humoral, é um distúrbio do sistema imunológico caracterizado por níveis séricos reduzidos de imunoglobulinas G, A e M. As causas subjacentes da ICV são amplamente desconhecidas. Os doentes com esta condição são propensos a infeções no trato gastrointestinal e nos tratos respiratórios superior e inferior. A ICV também está associada a um maior risco de desenvolver doenças autoimunes, doenças granulomatosas e malignidade.

Última atualização: Oct 19, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia

  • Incidência: 1:10.000 a 1:50.000
  • O maior grupo de imunodeficiências primárias sintomáticas em adultos
  • Idade de início, na maioria dos doentes, entre os 20 e os 30 anos
  • Igualdade de incidência entre os sexos
  • A idade média de morte por ICV é de 44 anos (para mulheres) e 42 anos (para homens).

Etiologia e Fisiopatologia

Etiologia

  • Causa exata desconhecida
  • A maioria dos casos são esporádicos.
  • As mutações genéticas são responsáveis por 10% dos casos; entretanto, uma causa monogénica não pode ser estabelecida na maioria dos casos.
    • Ligado a mutações em genes que codificam proteínas da superfície celular, recetores de citocinas e complexo principal de histocompatibilidade
    • A hereditariedade familiar é responsável por 10%–25%.
    • Foram documentados padrões ligados ao X, autossómicos dominantes e recessivos.

Fisiopatologia

  • As células B são fenotipicamente normais, mas incapazes de se transformarem em plasmócitos secretores de imunoglobulina (Ig), levando a quantidades insuficientes de anticorpos:
    • IgG: imunidade a longo prazo
    • IgA: imunidade secretora
    • IgM: resposta imune aguda contra infeções (em 50% dos casos esta imunoglobulina está em défice)
  • A falta de Ig aumenta o risco do doente para infeções recorrentes e para desenvolver alterações da resposta imune, tais como doenças autoimunes, doença granulomatosa e malignidade.
  • Na maioria das vezes, os doentes com ICV são infetados por Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Staphylococcus aureus.

Apresentação Clínica

  • Infeções recorrentes, sobretudo bacterianas (infeções pulmonares piogénicas, infeções sinusais e diarreia persistente)
  • Doenças autoimunes (artrite reumatoide, psoríase, anemia hemolítica autoimune, diabetes mellitus tipo 1, lúpus, vitiligo)
  • Doença granulomatosa (granulomas nos pulmões, gânglios, pele e trato GI que se assemelham à sarcoidose no exame histológico)
  • Hiperplasia linfoide (linfadenopatia, esplenomegalia e hepatomegalia)
  • Alto risco de malignidade (frequentemente associado a linfoma, cancro gástrico, da mama, do cólon, da próstata e do ovário)
  • Sintomas diversos (cólicas abdominais, obstipação, má absorção, perda de peso, ansiedade, depressão e letargia grave)

Diagnóstico

O diagnóstico é difícil devido à diversidade de fenótipos.

  • História clínica
    • Notar o tipo e frequência de infeções e a história familiar (procurando especialmente por história de défice de anticorpos)
    • Suspeitar de ICV se os doentes apresentarem história de infeções recorrentes, doenças autoimunes, doença granulomatosa ou neoplasia linfocítica e os seguintes sinais físicos sugestivos:
      • Abdómen: dor abdominal, diarreia crónica/sanguinolenta, hepatoesplenomegalia
      • Cabeça e pescoço: alopécia, linfadenopatia
      • Respiratório: bronquiectasias, tosse, dispneia, dor torácica pleurítica
      • Pele: queratose actínica, dermatite atópica, eczema, molusco contagioso, hiperpigmentação, petéquias, cancro de pele, vitiligo
      • Sistémico: sinais de desnutrição, perda de peso
    • Necessidade de excluir causas secundárias de défice de anticorpos, hipogamaglobulinemia, deficiências de células T e outras imunodeficiências primárias (ver tabela abaixo)
  • Achados laboratoriais
    • Diminuição acentuada de IgG (e das suas subclasses), IgA e IgM (alguns casos de ICV não terão IgM diminuído, mas todos terão IgG e IgA diminuídos)
    • Baixa resposta dos anticorpos às vacinas (vacinas antitetânicas e pneumocócicas)
    • Baixos níveis de plasmócitos
  • Podem testar-se mutações genéticas específicas (mas não é necessário para o diagnóstico)
  • Além disso, avaliação de comorbilidades:
    • Tomografia computadorizada de alta resolução para detetar danos nos pulmões
    • Cultura e teste de sensibilidade para identificar organismos causadores e orientar a antibioterapia de infeções recorrentes
    • Biópsia e exame histológico de lesões suspeitas para descartar linfomas
Diagnóstico diferencial de hipogamaglobulinemia
A ICV só pode ser diagnosticada excluindo causas secundárias ou outras causas primárias para o quadro clínico de hipogamaglobulinemia.
Diagnóstico diferencial Exemplos Procedimentos e exames sugeridos
Défice secundário de anticorpos
Distúrbios sistémicos: Perda excessiva de Igs (e.g., nefrose, enteropatia perdedora de proteínas, queimaduras)
  • História clínica e apresentação
  • Análise urinária de proteínas
Hipercatabolismo de Ig (e.g., miopatia miotónica proximal)
  • História clínica e apresentação
  • Testes genéticos
Neoplasia:
  • Leucemia linfocítica crónica
  • Imunodeficiência com timoma (síndrome de Good)
  • Linfoma de células B não Hodgkin
  • Mieloma
  • História clínica e apresentação
  • Biópsia de medula óssea
  • Eletroforese de imunofixação
  • Diagnóstico por imagem
Induzido por fármacos:
  • Anticonvulsivantes (e.g., carpamazepina, fenitoína)
  • Sais de ouro
  • Glucocorticoides
  • D-pericilamina
  • Agentes antimaláricos
  • Metotrexato
História clínica e medicamentosa
Doenças infeciosas:
  • Vírus Epstein-Barr (EBV, pela sigla em inglês)
  • Infeções congénitas por rubéola, citomegalovirus ou Toxoplasma gondii
Exames diretos de antigénios (EUSA e PCR, a serologia de qualquer tipo é não tem valor ou tem um valor limitado em doentes com défice de anticorpos)
Outras imunodeficiências primárias:
  • Agamaglobulinemia ligada ao X
  • Síndromes de hiper IgM
  • Ataxia telangiectasia
  • Défice de adenosina desaminase de início tardio
  • Formas atípicas de doença de imunodeficiência combinada grave
  • Distúrbio linfoproliferativo ligado ao X (associado ao EBV)
  • Anomalias cromossómicas (e.g., síndrome do cromossoma 18q, monossomia 22)
  • História clínica e familiar
  • Modo de hereditariedade
  • Níveis de Ig no soro
  • Fenótipo e função dos linfócitos in vitro
  • Testes genéticos
  • Cariótipo
Tabela: Daniel Myrtek, PhD, e Ulrich Salzer, MD (2008). Common Variable Immunodeficiency.

Resumo dos achados necessários para o diagnóstico

  • Pelo menos um dos seguintes:
    • Maior suscetibilidade a infeções
    • Manifestações de doenças autoimunes
    • Doença granulomatosa
    • Linfoproliferação policlonal inexplicada
    • História familiar de défice de anticorpos
  • E diminuição acentuada de IgG e IgA +/- diminuição de IgM
  • E pelo menos um dos seguintes:
    • Má resposta imunológica às vacinas
    • Baixos níveis de plasmócitos
  • E exclusão de causas secundárias de hipogamaglobulinemia
  • E diagnóstico estabelecido após os quatro anos de idade
  • E nenhuma evidência de défice de células T

Tratamento

  • A terapêutica de reposição de Ig repõe os isotipos de Ig:
    • Por via intravenosa, subcutânea ou, raramente, intramuscular.
    • Efeitos colaterais:
      • Edema no local de inserção
      • Calafrios
      • Dor de cabeça
      • Náusea
      • Fadiga
      • Febre
      • Urticária
  • Os imunossupressores também podem ser usados para controlar os sintomas autoimunes.
  • Terapêutica antibiótica e/ou antifúngica de infeções
  • A terapêutica de curto prazo com corticosteroides pode prevenir reações não anafiláticas (comuns nesta condição).

Diagnóstico Diferencial

Imunodeficiências congênitas de células B:

  • Agamaglobulinemia ligada ao X: também conhecida como agamaglobulinemia de Bruton, distúrbio genético recessivo caracterizado pelo desenvolvimento inadequado de células B de células imaturas para células maduras
  • Défice seletivo de IgA: imunodeficiência primária mais comum, caracterizada por um nível sérico de IgA indetetável na presença de níveis séricos normais de IgG e IgM em doentes com mais de 4 anos

Referências

  1. Cunningham-Rundles, C. (2022). Clinical manifestations, epidemiology, and diagnosis of common variable immunodeficiency in adults. UpToDate. Retrieved September 23, 2022, from: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-epidemiology-and-diagnosis-of-common-variable-immunodeficiency-in-adults
  2. Hohan, M. (2020). Common variable immunodeficiency in children. UpToDate. Retrieved September 23, 2022, from: https://www.uptodate.com/contents/common-variable-immunodeficiency-in-children3
  3. Cunningham-Rundles, C. (2022). Treatment and prognosis of common variable immunodeficiency. UpToDate. Retrieved September 23, 2022, from: https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prognosis-of-common-variable-immunodeficiency

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