Fisiologia Pré-natal e Pós-natal do Recém-nascido

O período pré-natal começa com a formação do embrião e continua durante o desenvolvimento do feto, terminando com o nascimento. A fisiologia neonatal durante a vida pré-natal difere significativamente daquela durante a vida pós-natal. Antes do nascimento, os nutrientes, as trocas gasosas e a eliminação de produtos residuais ocorrem através da placenta. O feto recebe sangue oxigenado e rico em nutrientes através da veia umbilical, e o sangue desoxigenado é devolvido à placenta para remoção de resíduos através das artérias umbilicais. Os 3 shunts que ajudam a redirecionar a circulação fetal são o canal venoso, o buraco oval e o canal arterial. Estas derivações ocluem após o nascimento, deixando para trás alguns dos seus vestígios. Após o nascimento, o sistema circulatório fetal e os sistemas orgânicos adaptam-se ao ambiente extrauterino. Quando o suprimento sanguíneo placentário é cortado, o neonato realiza alterações adaptativas.

Última atualização: Jul 12, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Visão Geral

  • Período pré-natal: desde a formação do embrião até ao nascimento
  • Período pós-natal: após o nascimento
  • Período fetal: a partir da 9ª semana após a fertilização (e.g., 11 semanas de gestação) até ao nascimento
  • A função orgânica e a circulação dos fetos diferem consideravelmente das do adulto.
    • A placenta fornece oxigénio, nutrientes da mãe e remove resíduos.
    • A circulação fetal difere da circulação do adulto, principalmente porque os pulmões fetais não participam nas trocas gasosas.
Tabela: Visão geral dos marcos embriológicos durante o período pré-natal
Idade gestacional em semanas Características
Semanas 3-4
  • Desenvolve-se o saco amniótico
  • Desenvolve-se a placenta
Semanas 5-8
  • Formação do tubo neural
  • O trato GI começa a desenvolver-se.
Semanas 9-12
  • Ocorrem os primeiros movimentos respiratórios
  • A hematopoiese transfere-se do fígado para o baço
  • A cabeça permanece desproporcionalmente grande
  • Extremidades totalmente formadas
  • Todos os sistemas orgânicos estão formados e a maioria começa a funcionar
Semanas 13-16
  • O batimento cardíaco fetal é audível via Doppler.
  • Sistemas orgânicos maduros
  • A genitália é visível na ecografia.
  • Ocorre a ossificação ativa e os ossos fetais são visíveis na ecografia.
Semanas 17-20
  • O sistema musculoesquelético desenvolve-se e os movimentos fetais tornam-se percetíveis para a mãe.
  • O corpo está coberto com pelos de lanugo.
  • A pele está coberta com vernix caseoso, que protege o feto.
Semanas 21-24
  • Começa a secreção de surfactante.
  • Ocorre o desenvolvimento dos alvéolos.
  • Olhos abertos.
  • São visíveis impressões fetais dos dedos das mãos e dos pés.
Semanas 25-28
  • Desemvolvem-se reservas de gordura.
  • Os tecidos pulmonares estão suficientemente maduros para permitir as trocas gasosas.
  • A hematopoiese começa na medula óssea.
  • O aparelho auditivo é totalmente funcional.
Semanas 29-32
  • O desenvolvimento do cérebro torna-se mais rápido.
  • Os pulmões ainda são imaturos.
  • Outros sistemas de órgãos estão bem desenvolvidos.
Semanas 33-36
  • O feto cresce e amadurece.
  • Os pulmões estão próximos da maturidade.
  • Desenvolvem-se os reflexos coordenados.
  • O feto responde à luz, som e toque.
Semanas 37-40
  • O feto está suficientemente maduro para tolerar facilmente a vida extrauterina às 37 semanas.
Embryological milestones during the prenatal period
Marcos do desenvolvimento embrionário, durante o período pré-natal
Imagem por Lecturio.

Alterações Cardiovasculares

Sistema pré-natal

  • 3 principais estruturas fetais da circulação fetal que não existem no pós-natal:
    • Ducto venoso: derivação venosa que conecta a veia umbilical à veia cava inferior, contornando o fígado
    • Ducto arterioso: shunt que conecta a artéria pulmonar à aorta ascendente, contornando os pulmões
    • Buraco oval:
      • Abertura entre as 2 aurículas que permite o fluxo de sangue oxigenado do lado direito para o lado esquerdo do coração, contornando os pulmões
      • Coberto por um retalho de tecido, evita o “refluxo” (ou seja, o sangue não pode fluir da aurícula esquerda para a aurícula direita)
  • Trajeto do fluxo sanguíneo através da circulação fetal:
    • O sangue oxigenado da placenta é transportado para o feto através da veia umbilical, localizada no cordão umbilical:
      • Metade do sangue chega aos sinusoides hepáticos através da veia porta.
      • A outra metade do sangue chega à veia cava inferior (VCI) através do ducto venoso, contornando a circulação hepática
    • O sangue da VCI chega à aurícula direita.
    • O sangue da metade superior do corpo chega à aurícula direita através da veia cava superior (VCS).
    • No útero, os pulmões não realizam trocas gasosas:
      • A baixa concentração de oxigénio nos alvéolos pulmonares causa vasoconstrição
      • Aumento da resistência arteriolar ao fluxo sanguíneo → aumento da pressão na aurícula direita e no ventrículo direito
      • Pressão no lado direito do coração > pressão no lado esquerdo do coração
  • O buraco oval desvia o sangue da aurícula direita, de alta pressão, para a aurícula esquerda, de baixa pressão, contornando o ventrículo direito e a circulação pulmonar.
  • Alguma quantidade de sangue vai para o ventrículo direito, depois para a artéria pulmonar:
    • O canal arterial desvia a maior parte do sangue da artéria pulmonar de alta pressão para a aorta de baixa pressão, contornando os pulmões.
    • Uma pequena quantidade de sangue flui através da vasculatura pulmonar e do lado esquerdo do coração, onde é bombeado do ventrículo esquerdo para a aorta
  • A aorta transporta o sangue para o resto do corpo.
  • A aorta divide-se em artérias ilíacas comuns direita e esquerda, que se dividem em artérias ilíacas externas e internas.
  • A artéria ilíaca interna dá origem à artéria umbilical.
  • A artéria umbilical traz o sangue desoxigenado de volta à placenta.

Transição para o sistema pós-natal

  • Ao nascimento, 2 transições importantes desencadeiam alterações circulatórias que levam ao encerramento do buraco oval:
    • O sistema de alta pressão da circulação pulmonar torna-se um sistema de baixa pressão.
      • A compressão mecânica e a reexpansão da caixa torácica fazem com que o ar seja puxado para os pulmões.
      • Quando o bebé chora, o ar flui para os pulmões.
      • Leva a um aumento da pressão parcial de oxigénio nos alvéolos pulmonares, o que leva à vasodilatação em toda a extensão dos pulmões
      • A pressão no lado direito do coração diminui drasticamente.
    • O leito vascular de baixa pressão da placenta é removido:
      • O pinçamento da veia e artérias umbilicais causa um aumento da pressão.
      • A resistência vascular sistémica aumenta
      • Esta resistência, aliada ao aumento do retorno do sangue pela veia pulmonar até à aurícula esquerda, leva a um aumento da pressão no lado esquerdo do coração.
  • Estas alterações fazem com que o fluxo sanguíneo através do buraco oval inverta a direção:
    • A aba de tecido (isto é, a válvula) sobre o buraco oval impede o fluxo da esquerda para a direita.
    • Com o tempo, esta funde-se, deixando apenas uma depressão rasa, visível na parede entre as aurículas.
  • Os níveis de prostaglandinas diminuem drasticamente ao nascimento:
    • A placenta, responsável por grande parte da produção de prostaglandinas, é removida.
    • A atividade do tecido pulmonar, incluindo o metabolismo das prostaglandinas, aumenta muito ao nascimento.
    • Uma diminuição do nível de prostaglandinas leva à oclusão do canal arterial.
  • Quando exposta ao ambiente externo, a geleia de Wharton encolhe e os vasos sanguíneos umbilicais colapsam:
    • As artérias umbilicais contraem-se e achatam
    • Formam-se coágulos sanguíneos na veia umbilical e no ducto venoso.
    • Estes vasos tornam-se progressivamente menores, eventualmente tornando-se ligamentos.
Tabela: Remanescentes do sistema circulatório fetal após o nascimento
Estrutura Remanescentes
Artérias umbilicais
  • As partes proximais formam as artérias vesicais superiores.
  • As partes distais formam os ligamentos umbilicais mediais.
Veia umbilical
  • Forma o ligamento redondo
Ducto venoso
  • Forma o ligamento venoso
  • Fecha funcionalmente após o nascimento
Canal arterial
  • Normalmente fecha funcionalmente 10-12 horas após o nascimento
  • Forma o ligamento arterioso
  • Pode persistir como canal arterial patente
Buraco oval
  • Forma a fossa oval
  • O buraco oval fecha funcionalmente imediatamente após o nascimento.

Alterações Pulmonares

Sistema pré-natal

  • O desenvolvimento pulmonar ocorre em 5 estádios:
    • Embrionário: desenvolvimento da traqueia e brotos brônquicos primários
    • Pseudoglandular: desenvolvimento da árvore brônquica até o nível dos bronquíolos terminais
    • Canalicular: desenvolvimento dos bronquíolos respiratórios e alvéolos primitivos
    • Sacular: maturação dos alvéolos e produção de surfactante
    • Alveolar: aumento do número de alvéolos, capilares e maturação contínua
  • In útero, os pulmões são:
    • Desnecessários como órgãos respiratórios (estão dormentes)
    • Uma fonte primária de líquido amniótico
    • Preenchidos por fluido e não insuflados
    • Os vasos pulmonares têm alta resistência vascular.

Transição para o sistema pós-natal

  • Imediatamente após o nascimento:
    • Os pulmões expandem-se pela 1ª vez com a 1ª respiração do bebé.
    • O líquido amniótico é empurrado para fora dos espaços aéreos e para a vasculatura, à medida que os pulmões se enchem de ar.
    • O surfactante ↓ tensão superficial nos alvéolos e mantém os espaços aéreos abertos.
    • A presença de surfactante adequado é frequentemente um fator primário na determinação da sobrevida infantil em nascimentos prematuros.
  • Produção de surfactante
    • O surfactante é um fluido complexo e rico em lípidos, que reveste o interior dos alvéolos maduros e ajuda a manter a sua forma, a complacência e as trocas gasosas.
    • A produção de surfactante começa por volta da 20ª semana e aumenta lentamente ao longo da 2ª metade da gravidez.
    • O início do trabalho de parto estimula a produção de surfactante.
    • O alongamento dos alvéolos pelo ar também estimula a produção de surfactante.
  • Frequência respiratória:
    • In útero, os bebés “respiram” de forma irregular.
    • Durante o trabalho de parto, as contrações comprimem a artéria/veia umbilical diminuindo a depuração de CO2 fetal, resultando em acidose ligeira
    • O aumento do CO2 estimula o centro respiratório cerebral, determinando a frequência respiratória.
    • Tem-se observado que a hipoxemia em bebés prematuros suprime a formação de padrões respiratórios regulares.

Alterações Metabólicas

As taxas metabólicas fetais são relativamente baixas e devem aumentar significativamente, para corresponder às necessidades metabólicas de um recém-nascido em crescimento após o nascimento.

  • Durante a vida intrauterina, a glicose é obtida a partir do sangue materno, através da placenta:
    • Picos de catecolaminas durante o parto estimulam a produção de glucagon e reduzem a produção de insulina.
    • Estes picos aumentam os níveis de glicose no sangue do lactente, estimulando a gliconeogénese e a utilização das reservas de glicose do fígado.
    • Ao nascimento, o feto é separado da placenta (e do suprimento constante de glicose materna) e começa a absorver glicose do trato GI após uma alimentação oral.
  • A produção de cortisol é baixa durante o desenvolvimento fetal:
    • Começa a aumentar às 30 semanas de gestação
    • Picos logo após o parto

Função do Órgão

Tabela: Visão geral pré-natal e pós-natal dos sistemas orgânicos
Sistema orgânico Antes do nascimento Após o nascimento
Sistema respiratório
  • Os pulmões são imaturos; não ocorrem trocas gasosas.
  • É produzido pouco surfactante pelos pneumócitos tipo 2.
  • Os pulmões expandem-se e ocorrem trocas gasosas.
  • ↑ Concentração de O2 nos alvéolos → vasodilatação da vasculatura pulmonar
  • Líquido absorvido dos alvéolos para a vasculatura
Fígado
  • Imaturo (ainda não se encontra em plena função)
  • Produz fatores de coagulação.
  • Ajuda na excreção de bilirrubina.
Sangue e sistema imunológico
  • A hematopoiese ocorre no saco vitelino no início da vida fetal e é posteriormente realizada pelo fígado e baço.
  • A Hb fetal é composta por 2 subunidades alfa e 2 subunidades gama.
  • A Hb fetal tem maior afinidade pelo O2 do que a Hb adulta.
  • Não são produzidas imunoglobulinas
  • A IgG materna atravessa a placenta e fornece imunidade passiva.
  • A maior parte da hematopoiese ocorre na medula óssea.
  • A Hb fetal muda para a forma de Hb adulta.
  • O sistema imunológico começa a funcionar.
Trato GI
  • O mecónio é produzido e permanece no intestino até ao nascimento.
  • O mecónio é eliminado após o nascimento nas primeiras fezes do bebé.
Sistema urinário
  • O feto começa a produzir “urina” a partir das 9 a 12 semanas de gestação
  • A placenta é responsável pela excreção de resíduos solúveis em água.
  • A capacidade de concentração de urina ocorre após o nascimento.
  • Os rins mantêm o equilíbrio hidroeletrolítico.
Sistema de termorregulação
  • O feto produz o dobro do calor em relação a um adulto.
  • O calor é removido através da pele fetal, líquido amniótico e parede uterina.
  • O recém-nascido começa a perder calor após o nascimento.
  • Os recém-nascidos aquecem-se pelo aumento da atividade muscular e pelo consumo de gordura castanha.

Referências

  1. Morton, S. U., Brodsky, D. (2016). Fetal physiology and the transition to extrauterine life. Clinics in Perinatology 43(3):395–407. https://doi.org/10.1016/j.clp.2016.04.001
  2. Fetal development: month-by-month stages of pregnancy. Cleveland Clinic. Retrieved December 20, 2021, from https://my.clevelandclinic.org/health/articles/7247-fetal-development-stages-of-growth
  3. Curran, M.A. Fetal development. Retrieved December 20, 2021, from https://perinatology.com/Reference/Fetal%20development.htm
  4. Fetal circulation. Retrieved December 20, 2021, from https://www.heart.org/en/health-topics/congenital-heart-defects/symptoms–diagnosis-of-congenital-heart-defects/fetal-circulation
  5. Prenatal development—development of organs. Retrieved December 20, 2021, from https://www.britannica.com/science/prenatal-development/Development-of-organs

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