Febre Maculosa das Montanhas Rochosas

A febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) é uma infeção bacteriana causada pelo parasita intracelular obrigatório Rickettsia rickettsii. A transmissão ocorre através de um vetor artrópode, mais frequentemente a carraça do cão americano (Dermacentor variabilis). A febre maculosa das Montanhas Rochosas é predominante no sudeste dos Estados Unidos. Os sinais e sintomas precoces de FMMR não são específicos e incluem febres elevadas, cefaleias fortes e erupções cutâneas. A erupção cutânea caracteriza-se por começar perifericamente e progressão central, e efeta as mãos e plantas dos pés. É necessária uma elevada suspeita clínica para o diagnóstico, e o tratamento empírico com doxiciclina está recomendado até 5 dias após o início dos sintomas.

Última atualização: Jan 28, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) é uma doença infecciosa causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, geralmente transmitida por carraças.

Epidemiologia

  • Taxa de incidência (por ano): 0-63 casos por milhão de pessoas (altera entre Estados)
  • Afeta todas as idades, mas é mais comum entre os 40-64 anos.
  • É a infeção por riquétsias mais comum nos Estados Unidos
  • Ocorre em todo o território dos Estados Unidos, mas com maior prevalência nos estados do sudeste e do sul
  • Fora dos Estados Unidos: América do Sul e Central
  • A distribuição depende da localização do vetor da carraça.
  • Fatores de risco:
    • Estação do ano: mais comum na primavera e início do verão
    • Aumento da carga de carraças: morar perto de áreas com árvores ou com erva alta
Epidemiologia da febre maculosa das montanhas rochosas

Distribuição da febre maculosa por riquétsias nos Estados Unidos, da qual a FMMR é um dos tipos, 2014

Imagem: “US distribution of spotted fever rickettsiosis” por CDC. Licença: Public Domain

Etiologia

  • O agente causador é R. Rickettsii:
    • Gram negativo fraco (má coloração de Gram)
    • Bactéria intracelular obrigatória
  • Via de transmissão: picada de carraça
  • Hospedeiros e vetores:
    • Mais comum nos Estados Unidos:
      • Carraça do cão americano (Dermacentor variabilis)
      • Carraça da madeira das Montanhas Rochosas (Dermacentor andersoni)
    • América Central e do Sul:
      • Carraça do cão castanho (Rhipicephalus sanguineus)
      • Carraça Amblyomma cajennense (“Cayenne tick”)
Carraça dermacentor

Carraça Dermacentor adulta

Imagem: “Adult Dermacentor spp. tick” por Center for Infectious Diseases and Travel Medicine, University Hospital Freiburg, Hugstetter Strasse, Germany. Licença: CC BY 2.0

Fisiopatologia

  • R. Rickettsii são transmitidos aos hospedeiros humanos através da picada de uma carraça infetada.
  • Durante a alimentação, as bactérias são libertadas pelas glândulas salivares da carraça.
  • A Rickettsia tem tropismo para células endoteliais e adere às células através de lipopolissacarídeos (LPS) de membrana e proteínas da membrana externa da riquétsia (rOmps).
  • A Rickettsia é sofre endocitose para as células hospedeiras e provoca a lise das células hospedeiras através de:
    • Fosfolipase A
    • Protease
    • Peroxidação lipídica induzida por radicais livres
  • A Rickettsia é então capaz de se disseminar por via hematogénica através do sangue e linfáticos:
    • A replicação contínua nos vasos causa vasculite.
    • A vasculite disseminada pode levar a microhemorragias e coagulação intravascular disseminada (CID).

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Apresentação Clínica

Os sintomas geralmente iniciam-se 2-14 dias após a exposição a uma picada de carraça infetada. Os sintomas iniciais podem ser vagos e inespecíficos (febre, mal-estar generalizado). Os pacientes podem não estar cientes da exposição a carraças.

Tríade clássica

  • Febre
  • Cefaleias
  • Exantema:
    • Aparece 3-5 dias após o início dos sintomas
    • Início periférico nas extremidades e com progressão central
    • Começa como uma erupção cutânea maculopapular e mais tarde desenvolve uma aparência petequial.
    • Envolve as palmas das mãos e as plantas dos pés (mas nem sempre)

Outros sintomas possíveis

  • Artralgias
  • Dores abdominais (comuns em crianças)
  • Náuseas e/ou vómitos
  • Conjuntivite
  • Edema

Complicações

Complicações de infeções não tratadas podem incluir:

  • Encefalite
  • Edema pulmonar
  • Síndrome da dificuldade respiratória aguda do adulto
  • Arritmias
  • Coagulopatias (incluindo CID)
  • Hemorragia gastrointestinal
  • Necrose da pele e gangrena

Diagnóstico

História clínica

  • Viagens recentes para áreas com elevada prevalência
  • Possível exposição a carraças

Exame físico

  • Exantema
  • Edema dos membros inferiores (especialmente em crianças)
  • Eritema conjuntival
  • Meningismo (em casos de envolvimento do sistema nervoso central)
  • Manifestações tardias/graves:
    • Alteração do estado mental
    • Convulsões
    • Gangrena dos dedos e orelhas

Estudo laboratorial

  • A maioria dos pacientes terá resultados laboratoriais normais inicialmente, incluindo contagem normal de leucócitos.
  • Anormalidades posteriores incluem:
    • Trombocitopenia
    • Prolongamento do tempo de tromboplastina parcial (PTT) e tempo de protrombina (PT)
    • Elevação das transaminases
    • Hiperbilirrubinemia
    • Azotemia
  • Testes definitivos:
    • Serologia (mais comum):
      • A imunoglobulina M (IgM) e os anticorpos IgG aparecem 7-10 dias após o início da doença.
      • Seroconversão: Aumento de 4x dos níveis de anticorpos IgG
    • Reação em cadeia da polimerase (PCR) numa amostra de sangue: baixa sensibilidade
    • Biopsia de pele:
      • Teste direto de imunofluorescência ou coloração de imunoperoxidase
      • Não disponível nos Estados Unidos
      • Sensibilidade de 70%, epecificidade de 100%
    • Cultura:
      • Difícil de realizar
      • Reservado para estudos
Imagem microscópica de rickettsia

R. rickettsii em coloração de Giemsa nas células de uma carraça

Imagem: “Gimenez stain” de CDC. Licença: Public Domain

Tratamento

Antibiótico

  • Se houver elevada suspeita clínica, deve ser iniciado empiricamente
  • De preferência nos primeiros 5 dias após o início dos sintomas
  • 1ª linha: doxiciclina (oral ou intravenosa)
  • Alternativa: cloranfenicol

Tratamento sintomático

  • Para casos graves que exijam internamento
  • Pode incluir:
    • Ventilação mecânica
    • Diálise
    • Transfusões de sangue e/ou plaquetas
    • Fármacos anticonvulsivantes

Prevenção

  • Prevenção de picadas de carraças
  • Deteção e remoção das carraças presas
  • Vigilância dos sintomas após picadas conhecidas de carraças
  • Não existem vacinas disponíveis

Prognóstico

  • Era pré-antibiótica: 20%–25% de mortalidade (faixa de variação: 20%–80%)
  • A mortalidade atual é de 3%–5%, principalmente devido ao atraso no diagnóstico e tratamento.
  • Fatores associados ao aumento da gravidade/mortalidade:
    • Sexo masculino
    • Aumento da idade
    • Deficiência de glucose-6-fosfato desidrogenase
    • Abuso crónico de álcool

Diagnóstico Diferencial

  • Meningite meningocócica: uma infeção meníngea por Neisseria meningitidis. Em pacientes com meningite meningocócica é frequente o aparecimento de febre, cefaleias e erupção cutânea. No entanto, geralmente não há histórico de exposição a carraças e os sintomas não melhoram com a doxiciclina. O diagnóstico é feito através de punção lombar. O tratamento é geralmente com ceftriaxona ou penicilina.
  • Mononucleose infecciosa: uma infeção viral causada pelo vírus Epstein-Barr. Os sintomas clínicos iniciais de FMMR e mononucleose infecciosa são muito semelhantes a qualquer infeção viral, com mal-estar e febre baixa. A mononucleose pode apresentar-se com erupção cutânea, mas normalmente poupa as palmas das mãos e as plantas dos pés. É diagnosticado com um teste “monospot”. O tratamento é de suporte.
  • Púrpura trombocitopénica trombótica (PTT): uma patologia com risco de vida causada por defeitos no fator de von Willebrand. A trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada (CID) são possíveis complicações da FMMR, que podem causar uma erupção purpúrica e confundir-se com PTT. O diagnóstico é feito com estudo laboratorial sanguíneo. O tratamento envolve plasmaférese e esteroides.
  • Sarampo: uma infeção viral associada a febre e erupção cutânea maculopapular. A erupção geralmente começa na face e depois avança para o tronco e extremidades, poupando as palmas das mãos e as plantas dos pés. O diagnóstico é feito clinicamente e confirmado pela serologia, e o tratamento é em grande parte de suporte.

Referências

  1. Riedel, S., Jawetz, E., Melnick, J. L., & Adelberg, E. A. (2019). Jawetz, Melnick & Adelberg’s Medical microbiology (pp. 357–361). New York: McGraw-Hill Education.
  2. Sexton, D., McClain, M. (2020). Clinical manifestation and diagnosis of Rocky Mountain spotted fever. UpToDate, Retrieved January 26, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-rocky-mountain-spotted-fever
  3. Sexton, D., McClain, M. (2019). Treatment of Rocky Mountain spotted fever. UpToDate, Retrieved January 26, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-rocky-mountain-spotted-fever
  4. Sexton, D., McClain, M. (2020). Biology of Rickettsia rickettsii infection. UpToDate, Retrieved January 26, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/biology-of-rickettsia-rickettsii-infection
  5. Walker DH. Rocky Mountain spotted fever: a seasonal alert. Clin Infect Dis. 1995;20(5):1111. doi: 10.1093/clinids/20.5.1111.

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