Echinococcus/Equinococose

A equinococose é uma doença parasitária causada pelas ténias de Echinococcus. A infeção ocorre mais frequentemente pela ingestão de ovos de Echinococcus em comida ou água contaminada por fezes de cão. Os sinais e sintomas ocorrem devido ao desenvolvimento do quisto-hidático nos órgãos viscerais e dependem da espécie. E. granulosus causa equinococose quística, que pode envolver qualquer órgão. As apresentações mais relevantes envolvem o fígado ou os pulmões, resultando em dor abdominal no quandrante superior direito, hepatomegalia, tosse ou dispneia. E. Multicularis causa equinococose alveolar, que tipicamente envolve o fígado. A serologia e a imagiologia podem ser usadas para estabelecer o diagnóstico, podendo a última evidenciar os achados característicos dos quistos hidáticos. O tratamento depende do tamanho e complexidade dos quistos, mas pode envolver atitude expectante, terapêutica anti-helmíntica, drenagem percutânea, ou cirurgia.

Última atualização: Jul 26, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais e Epidemiologia

Características gerais da Equinococose

A equinococose é uma doença parasitária causada pelas ténias de Echinococcus . As características incluem:

Ovos:

  • Pequenos
  • Redondos
  • Casca com espessura
  • Contêm um embrião de 6 ganchos (hexacanto)

Adultos:

  • Pequenos (1,2-7 mm de comprimento, dependendo da espécie)
  • Forma corporal em fita:
    • Escoléx:
      • Rostelo envolvido em ganchos
      • 4 ventosas laterais
    • Pescoço
    • Estróbilo com 3-6 proglótides:
      • Segmentado
      • Possui aparelhos de órgãos reprodutores
  • Pode reproduzir-se por autofertilização
  • Absorção de nutrientes:
    • Sem boca ou ânus
    • Sem sistema digestivo

Espécies clinicamente relevantes

  • Equinococose quística: E. granulosus (mais comum)
  • Equinococose alveolar: E. multilocularis
  • Equinococose poliquística:
    • E. vogeli
    • E. oligarthrus

Epidemiologia

E. granulosus:

  • Distribuição geográfica:
    • América do Sul
    • Médio Oriente
    • Mediterrâneo Oriental
    • África Subsariana
    • China Ocidental
    • Austrália e Nova Zelândia
  • Prevalência: 2%–6% em regiões endémicas
  • Incidência: Aproximadamente 50 casos por 100.000 pessoas por ano nas regiões endémicas
  • Idade média: 30-40 anos

E. multilocularis:

  • Distribuição geográfica:
    • Europa Central e do Norte
    • Sibéria
    • Ásia
    • América do Norte
  • Incidência: 1-20 casos por 100.000 pessoas por ano nas regiões endémicas
  • Idade média: > 50 anos

E. vogeli e E. oligarthrus:

  • Distribuição geográfica: América Central e do Sul
  • Raras

Patogénese

Hospedeiros

E. granulosus:

  • Hospedeiros definitivos: cães
  • Hospedeiros intermédios:
    • Ovelhas
    • Cavalos
    • Cabras
    • Veados
    • Camelos
  • Os humanos são hospedeiros acidentais.

E. multilocularis:

  • Hospedeiros definitivos:
    • Cães
    • Raposas
    • Coiotes
  • Hospedeiros intermédios: roedores
  • Os humanos são hospedeiros acidentais.

Transmissão

A transmissão ocorre através da ingestão de ovos, geralmente de alimentos ou água contaminados por fezes animais.

Ciclo de vida

E. granulosus:

  • A ténia adulta habita no intestino delgado do hospedeiro definitivo → liberta ovos → excretados nas fezes
  • Ingerido por um hospedeiro intermediário → os ovos eclodem no intestino delgado
  • As oncosferas penetram na parede intestinal → circulação sanguínea → atingem os órgãos viscerais
  • Desenvolvimento do quisto hidático → produz protoescólices e vesículas filhas de quistos
  • O hospedeiro definitivo ingere órgãos infetados.
  • Os protoescólices abandonam o quisto → fixam-se ao intestino → desenvolvem-se em ténias na forma adulta → continuação do ciclo
Echinococcosis

O ciclo de vida de Echinococcus granulosus

Imagem por Lecturio.

E. multilocularis:

  • A ténia adulta habita no intestino delgado do hospedeiro definitivo → liberta ovos → excretados nas fezes
  • Ingerido por um hospedeiro intermediário → os ovos eclodem no intestino delgado
  • As oncosferas penetram na parede intestinal → circulação sanguínea → atingem os órgãos viscerais
  • Desenvolvimento do quisto hidático mutilocular de parede fina (alveolar) → prolifera através da sua eclosão exógena → produção de protoescólices
  • O hospedeiro definitivo ingere órgãos infetados.
  • Os protoescólices abandonam o quisto → fixam-se ao intestino → desenvolvem-se em ténias na forma adulta → continuação do ciclo
Echinococcus

O ciclo de vida de Echinococcus multilocularis

Imagem por Lecturio.

Fisiopatologia

  • Ingestão humana de ovos → libertação de oncosferas no intestino
  • Migração para órgãos viscerais → quistos hidáticos
  • Rutura do quisto → libertação dos protoescólices → os quistos secundários podem desenvolver-se noutros locais

Apresentação Clínica

Tanto a equinococose quística como a alveolar são caracterizadas por períodos de incubação assintomática (meses a anos).

Equinococose quística

Os sintomas dependem:

  • Carga parasitária
  • Local dos quistos (qualquer órgão pode ser infetado)
  • Tamanho dos quistos (pode causar complicações por efeito de massa e obstrução)
  • Nota: A rutura dos quistos pode provocar choque anafilático.

Fígado (75% dos casos):

  • Sinais e sintomas gerais:
    • Muitas vezes assintomático
    • Dor abdominal
    • Náuseas e vómitos
    • Hepatomegalia
    • Massa abdominal
    • Icterícia
    • Febre
  • Complicações por rutura do quisto na árvore biliar:
    • Cólica biliar
    • Icterícia obstrutiva
    • Colangite
    • Pancreatite
  • Complicações por efeito de massa nos ductos biliares ou veias:
    • Colestase
    • Hipertensão portal
    • Síndrome de Budd-Chiari

Pulmões (5%–15% dos casos):

  • Sinais e sintomas gerais:
    • Tosse crónica
    • Dispneia
    • Dor torácica
    • Hemoptises
  • Complicações por rutura do quisto:
    • Pneumotórax
    • Derrame pleural
    • Infeção bacteriana secundária

Sistema nervoso central:

  • Cérebro:
    • Cefaleias
    • Tonturas
    • Alteração do estado de consciência
    • Convulsões
  • Medula espinhal:
    • Parestesias
    • Fraqueza

Outros sistemas de órgãos:

  • Coração: tamponamento pericárdico
  • Rins: hematúria
  • Ossos: fraturas patológicas
  • Olhos: quistos oculares

Equinococose alveolar

  • Mal-estar
  • Perda de peso
  • dor no quadrante superior direito
  • Hepatomegalia
  • Icterícia
  • Colangite
  • Hipertensão portal
  • Síndrome de Budd-Chiari

Diagnóstico

Imagiologia

A identificação dos quistos hidáticos por imagem é a base do diagnóstico.

Ecografia:

  • 90%–95% de sensibilidade
  • Achados da equinococose quística:
    • Quisto redondo, anecogénico, homogéneo
    • Septações internas → cistos filhas
    • Conteúdo fino e ecogénico (“areia hidática”) → protoescólices
    • “Calcificações em casca de ovo” → quistos com rebordo calcificado
  • Achados da equinococose alveolar:
    • Quistos irregulares sem paredes bem definidas
    • Necrose central
    • Calcificações irregulares da parede

TAC:

  • Preferível para determinar o número, tamanho e localização dos quistos
  • Preferível à ecografia para:
    • Deteção de quistos extra-hepáticos
    • Investigar possíveis complicações (por exemplo, rutura)

RM:

  • Não costuma ser necessária
  • Não apresenta vantagens sobre a TAC

Serologia

Os testes serológicos são utilizados para o diagnóstico da equinococose e para a sua monitorização após o tratamento.

  • Mais sensível para E. multilocularis do que para E. granulosus
  • Opções:
    • Aglutinação indireta
    • ELISA
    • Imunofluorescência indireta
    • Western Blot
    • Teste de aglutinação por látex

Tratamento e Prevenção

Tratamento

Existem 4 estratégias de tratamento: atitude expectante, terapêutica médica, drenagem percutânea e cirurgia.

A atitude expectante é apropriada:

  • Na presença de quistos hepáticos inativos
  • Na ausência de complicações

Terapêutica médica:

  • Terapêutica definitiva para quistos pequenos de um único compartimento
  • Muitas vezes usada como terapêutica adjuvante com drenagem percutânea e cirurgia
  • Opções:
    • Albendazole (preferencialmente)
    • Mebendazol
    • Praziquantel

Drenagem percutânea:

  • Envolve drenagem de fluido e injeção de soro hipertónico (substância escolicida) no interior do quisto
  • Risco de anafilaxia

Cirurgia:

  • Tratamento de eleição para quistos complicados
  • O objetivo é remover o quisto inteiro.
  • É injetado soro fisiológico hipertónico no quisto antes da tentativa de excisão cirúrgica.

Prevenção

  • Evitar que os cães se alimentem de gado ou roedores.
  • Controlar populações de cães vadios.
  • Evitar o contacto com raposas, coiotes e cães vadios.
  • Lavar as mãos após o contacto com cães.
  • Melhorar as condições de saneamento da água.
  • Evitar o consumo de alimentos contaminados.

Comparação de Espécies de Ténias

Tabela: Características e doenças de diferentes espécies de ténias
Microorganismo Diphyllobothrium latum Taenia saginata Echinococcus granulosus
Características
  • Aproximadamente 10 m de comprimento
  • Sem ganchos
  • Bothria presente
  • > 3000 proglótides
  • <5 m de comprimento
  • Sem ganchos
  • Sem pescoço
  • Aproximadamente 1000 proglótides
  • 2-7 mm de comprimento
  • Ganchos presentes
  • 3-6 proglótides
Transmissão Ingestão de peixe cru infetado Ingestão de carne bovina crua infetada Fecal-oral (ingestão de alimentos ou água contaminados)
Doença Difilobotríase Teníase Equinococose quística
Clínica
  • Desconforto abdominal
  • Perda de peso
  • Défice de vitamina B12
  • Obstrução intestinal
  • Frequentemente assintomática
  • Sintomas GI ligeiros
Dependente da localização e tamanho dos quistos hidáticos
Diagnóstico Ovos ou proglótides nas fezes Ovos ou proglótides nas fezes
  • Imagiologia
  • Serologia
Tratamento
  • Praziquantel
  • Niclosamida
  • Praziquantel
  • Niclosamida
  • Albendazole
  • Drenagem percutânea
  • Excisão cirúrgica
Prevenção
  • Congelar peixe.
  • Cozinhar bem o peixe.
  • Medidas de saneamento da água
Cozinhar bem a carne.
  • Higiene pessoal
  • Evitar o contacto com cães vadios.
  • Evitar alimentos potencialmente contaminados.
  • Melhorar o saneamento da água.

Diagnósticos Diferenciais

  • Ascaridiose: infeção causada pelo parasita Ascaris lumbricoides. A sua transmissão ocorre por ingestão de água ou alimentos contaminados com ovos de Ascaris. Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar tosse e hemoptises. Uma grande quantidade de larvas pode levar a obstrução intestinal e afetar o crescimento das crianças. A análise das fezes pode revelar a presença de larvas ou ovos. O tratamento é com fármacos anti-helmínticos.
  • Carcinoma hepatocelular: neoplasia primária do fígado mais comum. Geralmente surge num fígado cronicamente doente ou cirrótico. Os sintomas constitucionais são raros e a dor no quadrante superior direito geralmente não ocorre. Corresponde a uma massa bem definida com realce durante a fase arterial e washout durante a fase venosa. A base do tratamento é a resseção hepática.
  • Abcesso hepático piogénico: infeção polimicrobiana que ocorre por disseminação contígua ou hematogénica. Os pacientes podem manifestar-se com a tríade de febre, mal-estar e dor no quadrante superior direito. Na ecografia ou TAC poderá ser identificada uma lesão solitária, ou múltiplas lesões. Este tipo de lesões são frequentemente bem definidas e realçam com o contraste. O diagnóstico requer aspiração com coloração de Gram e cultura. A associação de drenagem com antibioterapia intravenosa é o principal método de tratamento.
  • Cirrose: fase tardia de necrose e fibrose hepática. A etiologia varia de infeciosa (hepatite vírica) a induzida por toxinas (álcool). Os sintomas da cirrose são frequentemente inespecíficos (e.g., fadiga, anorexia, perda de peso). A descompensação ocorre tardiamente na doença, com manifestações que incluem icterícia, ascite, hipertensão portal e insuficiência hepática. Ao contrário da equinococose, a ecografia demonstra nodularidade do fígado. O diagnóstico requer frequentemente uma biópsia hepática. O tratamento é sobretudo de suporte, sendo o transplante hepático o único tratamento curativo.
  • Cancro do pulmão: transformação maligna do tecido pulmonar. Os sintomas incluem tosse, dispneia, perda de peso e desconforto torácico. A propagação regional e metastática causa sintomas e complicações adicionais, dependendo do local e dos órgãos afetados. O diagnóstico definitivo e o estadiamento são feitos por biópsia, pesquisa de mutação genética com testes de biomarcadores e imagiologia. O tratamento é orientado pelo estadio do cancro e pelo perfil molecular associado.
  • Tuberculose: doença causada por Mycobacterium tuberculosis. Os sintomas incluem febre, tosse produtiva, suores noturnos e perda de peso. Podem ser identificadas por imagem lesões pulmonares cavitárias, que podem assemelhar-se ao quisto hidático. O diagnóstico é feito com a identificação de bacilos álcool-ácido resistentes em cultura de expetoração. São necessários vários fármacos antimicrobianos para o tratamento, nomeadamente isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol.

Referências

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