Doenças da Úvea

A uveíte é uma inflamação da úvea, a camada média pigmentada do olho, que consiste na íris, corpo ciliar e coróide. Esta patologia é caracterizada com base no local afetado; a uveíte anterior é a mais comum. A uveíte pode ser causada por uma infeção ou doença sistémica, no entanto, em alguns casos, a causa é idiopática. Os pacientes apresentam visão turva, hiperemia ocular e dor (frequentemente na uveíte anterior) ou diminuição da visão e moscas volantes (na uveíte intermédia e posterior). O diagnóstico é realizado através de fundoscopia e exame com lâmpada de fenda. O tratamento para a uveíte anterior é realizado com corticóides tópicos, enquanto a uveíte em locais mais profundos necessita de injeção. A uveíte por infeções ou doenças sistémicas requer tratamento dirigido à causa.

Última atualização: Jun 2, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A uveíte é uma inflamação da úvea, a camada média do olho, constituída pela íris, corpo ciliar e coróide.

Anatomia

  • Úvea anterior
    • Parte anterior do corpo ciliar (pars plicata):
      • Controla a acomodação através da modificação da forma do cristalino
      • O epitélio produz o humor aquoso.
    • Íris: diafragma pigmentado que controla a quantidade de luz que entra no olho através de midríase ou miose
  • Úvea intermédia
    • Parte posterior do corpo ciliar (pars plana)
    • Cavidade vítrea: contém o humor vítreo
  • Úvea posterior
    • Coróide:
      • Estrutura vascular que fornece suporte e nutrição à retina
      • Continua anteriormente com o corpo ciliar
    • Retina:
      • Camada mais interna
      • Contém fotorrecetores que convertem estímulos luminosos em impulsos nervosos
Representação da anatomia do olho

Esta imagem representa a anatomia do olho. Na catarata, existe turvação do cristalino, que opacifica a luz quando esta se projeta na retina; assim, quando os níveis de luz se encontram reduzidos, essencialmente à noite, existe diminuição da visão.

Imagem por Lecturio.

Tipos

  • Uveíte anterior
    • Mais comum
    • Irite: íris
    • Ciclite anterior: corpo ciliar
    • Iridociclite: íris e corpo ciliar
  • Uveíte intermédia
    • Pars planitis: pars plana
    • Vitreíte/hialite: humor vítreo
  • Uveíte posterior
    • Coroidite: coróide
    • Corioretinite/retinocoroidite: coróide e retina
    • Retinite: retina
    • Neurorretinite: retina e nervo ótico
  • Panuveíte
    • Inflamação de todas as camadas
Componentes da úvea

Esquerda: os componentes da úvea, a camada média vascular do olho
Direita: estrutura geral do olho

Imagem por Lecturio.

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Incidência: 25 casos por 100.000 indivíduos
  • A uveíte anterior, o tipo mais prevalente, é responsável por 50% dos casos.
  • A patologia sistémica subjacente afeta a predisposição racial:
    • Afro-americanos: sarcoidose, lúpus eritematoso sistémico
    • Asiáticos: doença de Behçet
    • Caucasianos: espondilartropatia antigénio leucocitário humano B27 (HLA-B27), esclerose múltipla
    • Descendência do médio oriente: doença de Behçet

Etiologia

  • Infeções víricas:
    • Vírus herpes simplex (VHS) 1 e 2
    • Citomegalovírus (CMV): em pacientes imunodeprimidos (VIH com baixa contagem de CD4)
    • Vírus varicela zoster (VVZ)
  • Infeções bacterianas:
    • Sífilis
    • Tuberculose (TB)
    • Bartonella henselae (doença da arranhadura do gato)
  • Infeções fúngicas:
    • Histoplasmose
    • Blastomicose
    • Candidíase
  • Infeções parasitárias:
    • Toxoplasmose
    • Cisticercose
    • Oncocercose
  • Causas sistémicas imunomediadas:
    • Sarcoidose
    • Doenças associadas ao HLA-B27
      • Uveíte unilateral: espondilite anquilosante, artrite reativa
      • Uveíte bilateral: artrite psoriática, doença de Crohn, colite ulcerosa
    • Artrite idiopática juvenil
    • Nefrite túbulo-intersticial e uveíte (TINU)
    • Doença de Behçet: frequentemente com panuveíte recorrente
    • Esclerose múltipla
    • Lúpus eritematoso sistémico
    • Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada
  • Fármacos:
    • Rifabutina
    • Fluoroquinolonas: moxifloxacina, ciprofloxacina
    • Fármacos intravítreos: cidofovir, vancomicina
    • Inibidores da quinase BRAF: dabrafenibe, vemurafenibe, trametinibe
  • Sem envolvimento extraocular:
    • Pars planitis: uveíte intermédia que afeta a pars plana
    • Oftalmia simpática: inflamação ocular após trauma penetrante no olho contralateral
    • Coriorretinopatia/uveíte de Birdshot: atinge a úvea posterior e apresenta associação com HLA-A29
    • Trauma: cirurgias intraoculares podem provocar uveítes autolimitadas
  • Idiopática
Uveíte anterior bilateral não granulomatosa

Uveíte anterior bilateral não granulomatosa associada à sífilis. (A): Lesão compatível com cancro sifilítico na base da língua; (B): Exame com lâmpada de fenda: pequenos precipitados queráticos (direita) e depósitos de fibrina a cobrir o endotélio corneano (esquerda) na retroiluminação

Imagem: “initial presentation of syphilis” por Hospital de Olhos Santa Luzia, Estrada do Encanamento 909, CEP 52070-000, Recife-Pernambuco, Brazil. Licença: CC BY 2.0

Fisiopatologia

  • Fatores de risco que promovem uveíte:
    • Doença inflamatória sistémica, especialmente síndromes HLA-B27
    • Imunodepressão
    • Tabagismo
  • Mecanismos propostos:
    • Contaminação microbiana: em casos de trauma, lesão direta e necrose é desencadeada uma resposta inflamatória local.
    • Mimetismo molecular: antigénios de agentes infeciosos ou agentes estranhos desencadeiam reação cruzada com autoantigénios oculares.
    • Efeito indireto da infeção: antigénios de agentes infeciosos permanecem não detetados nos tecidos oculares e conduzem a danos imunomediados recorrentes no tecido.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Apresentação clínica

  • Uveíte anterior:
    • Unilateral ou bilateral
    • Dor, fotofobia, hiperemia, lacrimejo excessivo e diminuição da acuidade visual
    • Pupila contraída ou irregular: pela sinéquia posterior (aderências da íris ao cristalino anterior)
  • Uveíte intermédia e posterior:
    • Geralmente sem dor ou hiperemia
    • Diminuição da acuidade visual, moscas volantes, defeitos de campo visual
  • Panuveíte: apresenta-se com qualquer um dos sintomas supramencionados
Uveíte anterior

Imagem representativa de uveíte anterior, com hiperemia conjuntival e pupila irregular

Imagem: “Anterior-uveitis” por Jonathan Trobe, M.D. Licença: CC BY 3.0

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado através de fundoscopia e exame com lâmpada de fenda. A depressão escleral é uma manobra adicional utilizada para visualizar estruturas posteriores ao cristalino.

Achados

  • Uveíte anterior:
    • Leucócitos na câmara anterior
    • “Flare”: acumulação de proteínas no humor aquoso através de alterações vasculares
    • Precipitados queráticos: característicos da irite
    • Rubor ciliar: hiperemia difusa no limbo
    • Hipópion: camadas de leucócitos na câmara anterior do olho
    • Achados que indicam complicações:
      • Catarata
      • Glaucoma
      • Queratopatia em banda: depósitos de cálcio na córnea
      • Formação de sinéquias
  • Uveíte intermédia:
    • Vitrite: células inflamatórias e proteínas no humor vítreo
    • “Bolas de neve”: inflamação exuberante no humor vítreo
    • “Banco de neve”: exsudados na pars plana
    • Edema macular quistóide: áreas semelhantes a quistos com fluido na mácula
  • Uveíte posterior:
    • Manchas coriorretinianas focais
    • Branqueamento da retina
    • Descolamento da retina
    • Edema do nervo ótico

Exames laboratoriais e exames de imagem adicionais estão indicados quando existem sinais e sintomas extraoculares que podem ser atribuídos a uma doença específica (e.g., sarcoidose, sífilis).

Tratamento

Uveíte infeciosa

  • Tratamento dirigido ao agente causal
  • Antibióticos (i.e., trimetoprim/sulfametoxazol para a coriorretinite por toxoplasmose) ou antivíricos (i.e., aciclovir para a uveíte herpética)

Uveíte não infeciosa

  • Uveíte anterior:
    • Corticóides tópicos: dose depende da gravidade da doença
    • Agente cicloplégico (ciclopentolato):
      • Alivia a dor ao evitar o espasmo dos músculos pupilares
      • Impede a formação de sinéquias
  • Uveíte intermédia ou posterior:
    • Não responsiva à medicação tópica
    • Injeção periocular ou intraocular de glucocorticóides
  • Tratamento sistémico ou imunossupressores
    • Para os casos que não conseguem ser tratados com injeção local ou apresentem resistência à terapêutica inicial
    • Glucocorticóides orais
    • Antimetabolitos (metotrexato, azatioprina, micofenolato)
    • Anti fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa) (adalimumabe)
  • Implante intraocular com libertação de glucocorticóide
    • Para a uveíte posterior resistente
    • Efeito de longa duração, até 3 anos
    • Complicações: endoftalmite, formação de catarata, hipertensão ocular

Diagnóstico Diferencial

  • Conjuntivite: inflamação da conjuntiva, a camada externa do olho. A etiologia pode ser infeciosa ou não infeciosa. Os pacientes apresentam hiperemia e secreção ocular em um ou ambos os olhos. A conjuntivite bacteriana geralmente apresenta-se com secreção purulenta, enquanto as causas víricas apresentam-se com secreção aquosa.
  • Hemorragia subconjuntival: aparecimento de áreas com extravasamento de sangue imediatamente abaixo da superfície ocular. Normalmente é assintomática e pode ocorrer espontaneamente ou com mecanismos associados à manobra de Valsalva (e.g., tosse, espirro ou vómito). O diagnóstico é confirmado pela ausência de secreção, fotofobia ou sensação de corpo estranho, assim como uma acuidade visual normal. A hemorragia subconjuntival geralmente resolve em 1–2 semanas.
  • Descolamento da retina: separação da retina do epitélio pigmentar da retina, resultando num rápido dano aos fotorrecetores. Os sintomas incluem alterações indolores da visão, como “flashes” luminosos súbitos, moscas volantes, alteração da visão periférica ou aparecimento de sombras no campo visual. O descolamento de retina é uma emergência que requer cirurgia de correção.
  • Linfoma vítreo-retiniano: é o distúrbio linfoproliferativo intraocular mais comum e uma síndrome mascarada que representa um verdadeiro dilema diagnóstico. Os pacientes apresentam défice visual gradual com moscas volantes. O gold standard de diagnóstico é o exame citopatológico do fluido ocular ou a biópsia coriorretiniana.

Referências

  1. Duplechain, A., Conrady, C., Patel, B. (2020). Uveitis. www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK540993
  2. Forrester, J., Kuffova, L., Dick, A. (2018) Autoimmunity, Autoinflammation, and Infection in Uveitis. American Journal of Ophthalmology 189: 77–85. https://www.ajo.com/article/S0002-9394(18)30094-1/pdf
  3. Gonzalez, M., Solano, M., Porco, T., Oldenburg, C., Acharya, N., Lin, S., Chan, M. (2018). Epidemiology of Uveitis in a US population-based study. J Ophthalmic Inflamm Infect. 8:6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5904090/
  4. Muchatuta, M., Shlamovitz, G. (2019). Iritis and Uveitis. Medscape. Retrieved September 20, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/798323-overview
  5. Rosenbaum, J., Thorne, J., Romain, P. (2020) Uveitis: Etiology, Clinical Manifestations and Diagnosis. UpToDate. Retrieved September 20, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/uveitis-etiology-clinical-manifestations-and-diagnosis?search=uvea&source=search_result&selectedTitle=1~16&usage_type=default&display_rank=1
  6. Rosenbaum, J., Trobe, J., Romain, P. (2020) Uveitis: Treatment. UpToDate. Retrieved September 20, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/uveitis-treatment?search=uvea&source=search_result&selectedTitle=2~16&usage_type=default&display_rank=2

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