Doenças Cerebelares

Os distúrbios cerebelares são um conjunto específico de sinais e sintomas neurológicos causados por condições locais ou sistémicas que afetam o cerebelo; o sinal clássico é a ataxia, além de várias outras alterações motoras que afetam a coordenação. As causas dos distúrbios cerebelares variam da intoxicação alcoólica aguda a doenças hereditárias. A apresentação clínica é com a descoordenação dos movimentos musculares voluntários, movimentos oculares, fala, marcha, equilíbrio e tónus muscular. O diagnóstico é inicialmente feito clinicamente e depois seguido por estudos de imagem para determinar a etiologia; o tratamento depende da etiologia específica.

Última atualização: Jun 14, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Os distúrbios cerebelares são um conjunto específico de sinais e sintomas neurológicos causados por condições locais ou sistémicas que afetam o cerebelo; o sinal clássico é a ataxia, além de várias outras alterações motoras que afetam a coordenação.

Epidemiologia

  • Etiologias hereditárias/congénitas: geralmente diagnosticadas ao nascimento ou durante a infância
  • Etiologias vasculares: observadas em torno ≥ 50 anos de idade
  • Ambos os sexos são afetados igualmente, mas os homens apresentam mais alterações na marcha.

Etiologias

  • Vascular: acidente vascular cerebral da circulação posterior (e.g., síndrome medular lateral)
  • Autoimune:
    • Esclerose múltipla (desmielinização)
    • Lúpus eritematoso sistémico
    • Síndrome de Sjögren
  • Lesões ocupantes de espaço:
    • Tumores da fossa posterior (e.g., meduloblastoma, astrocitoma, hemangioblastoma, lesões metastáticas)
    • Neurofibromatose
    • Schwannomas
  • Tóxico/metabólico:
    • Hipotiroidismo
    • Deficiência de vitamina B12
    • Doença celíaca
    • Doença de Wilson
    • Uso crónico de álcool
  • Infeções:
    • Enterovírus
    • VIH (leucoencefalopatia)
    • Neurosífilis
    • Toxoplasmose
    • Borreliose (doença de Lyme)
    • Doenças de priões (e.g., doença de Creutzfeldt-Jakob)
  • Hereditário/congénito:
    • Ataxia Telangiectasia
    • Ataxia de Friedreich
    • Síndrome de Von Hippel-Lindau
    • Malformação de Chiari
    • Síndrome de Dandy-Walker
    • Ataxias espinocerebelares
    • Ataxias episódicas
  • Fármacos/ingestões:
    • Fenitoína
    • Carbamazepina
    • Lítio
    • Quimioterapia com citarabina (ara-C)
    • Óxido nitroso
    • Álcool
  • Outras causas:
    • Enteropatia por glúten
    • Síndromes paraneoplásicas (e.g., cancro do pulmão de pequenas células)

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Detalhes relacionados com a fisiopatologia e a apresentação dependem da etiologia subjacente específica.

Fisiopatologia

  • Lesão cerebelar → perda da função cerebelar adequada → sinais e sintomas neurológicos relacionados à área de lesão
  • Os sintomas estão relacionados à anatomia afetada:
    • Verme: controla o equilíbrio axial (equilíbrio) → postura troncular anormal
    • Hemisférios: controla o equilíbrio periférico (extremidades) → ataxia
    • Lobo floculonodular: controla os movimentos dos olhos

Apresentação clínica

Mnemónica: “DANISH”

  • D ysdiadococinesia (Disdiadocinésia) (dificuldade nos movimentos alternados rápidos) / dysmetria (dismetria) (incapacidade de parar o movimento no ponto pretendido)
  • Ataxia (Ataxia) (marcha instável ou de base larga)
  • Nystagmus (Nistagmo)
  • Itention tremor (Tremor de intenção)
  • S peech (Discurso) (arrastado ou pouco fluido)
  • Hypotonia (Hipotonia)

Diagnóstico

O diagnóstico começa com os achados do exame clínico e é confirmado por imagens de diagnóstico e/ou estudos laboratoriais quando necessários pela suspeita clínica.

História

  • Sintomas e duração
  • História médica pregressa pertinente
  • Fármacos
  • Nutrição
  • Uso de substâncias: se suspeita de degeneração cerebelar relacionada com o álcool, o questionário CAGE ( Cut down, Annoyed, Guilty, Eye opener) (Redução de consumos, Irritabilidade, Culpa, Ao acordar) ou uma triagem semelhante pode ser útil.
Tabela: Causas para o aparecimento de distúrbios cerebelares
Tipo Causas
Agudo
  • Transitória: intoxicação aguda (e.g., com álcool)
  • Reversível: hipotiroidismo (mixedema)
  • Efeitos duradouros:
    • Trauma
    • Vascular (e.g., acidente vascular cerebral)
Subagudo
  • Lesões ocupantes de espaço
  • Problemas nutricionais relacionados com o abuso de álcool (e.g., deficiência de vitamina B12)
  • Degeneração cerebelar paraneoplásica
  • Esclerose múltipla (desmielinização)
  • Abcesso cerebral
  • Leucoencefalopatia relacionada com o VIH
  • Doenças de priões (e.g., doença de Creutzfeldt-Jakob)
Crónico
  • Doença celíaca
  • Doença de Wilson
  • Ataxias hereditárias (e.g., ataxia de Friedreich)
  • Malformações congénitas (e.g., malformação de Chiari)

Exame físico

  • Exame neurológico completo, incluindo:
    • Olhos:
      • Movimentos extraoculares
      • Avaliação do nistagmo
      • Atrofia óptica na fundoscopia (ataxia de Friedreich)
    • Testar nervos cranianos
    • Avaliar a marcha:
      • Ataxia/marcha de base larga
      • Início lento do movimento
      • Tremor atáxico de “intenção”: oscilação lateral à medida que o movimento se aproxima de um alvo no espaço
      • Passos irregulares e inconsistentes, cambalear (especialmente ao virar)
    • Procurar disartria:
      • Fala arrastada
      • Disartria de varredura (discurso cerebelar em staccato, com divisão silábica das palavras)
    • Avaliar o equilíbrio:
      • Sinal de Romberg: dificuldade em manter-se ereto com os pés juntos e os olhos fechados
      • Movimentos rápidos alternados para pesquisa de disdiadococinésia
      • Movimentos de ponto em ponto para pesquisa de dismetria
    • Tónus muscular/exame motor:
      • Hipotonia
      • Perda de força muscular
      • Alterações posturais
    • Sinais de doença do neurónio motor superior (desmielinização)
    • Avaliação sensitiva: pode ser encontrada neuropatia periférica.
    • Reflexos
  • Exame físico geral:
    • Sinais de hipotiroidismo
    • Telangiectasias nos olhos e pele (ataxia telangiectasia)
    • Exame do estado mental
    • Hepatomegalia

Exames complementares de diagnóstico

  • Estudo analítico:
    • Hemograma
    • Velocidade de sedimentação eritrocitária (ESR, pela sigla em inglês)
    • Testes de função hepática (AST, ALT, fosfatase alcalina (FA))
    • Níveis de vitamina B12
    • Função tiroideia (hormona estimuladora da tiroide (TSH, pela sigla em inglês))
    • Níveis de cobre se suspeita de doença de Wilson
    • Anticorpo antitransglutaminase tecidual se suspeita de doença celíaca
  • Considerar outros testes:
    • Punção lombar (avaliação do LCR)
    • Eletromiografia (EMG) e estudos de condução nervosa
    • Potenciais evocados visuais
    • Teste genético se:
      • História familiar de doença semelhante
      • Possibilidade de doenças hereditárias, como doença de Wilson
  • Imagem: RMN cerebral e da medula espinhal para visualizar qualquer alteração desmielinizante, vascular ou estrutural

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Tratamento e Prognóstico

Tratamento

O tratamento dos distúrbios cerebelares requer uma abordagem multidisciplinar, com especialidades de áreas que incluem a neurologia, a endocrinologia, a genética e/ou a psiquiatria, dependendo do diagnóstico específico. Assim, o tratamento implica numa abordagem multidisciplinar.

  • Terapeutas físicos e ocupacionais:
    • Treino de marcha
    • Auxiliares da marcha
    • Medidas de prevenção de quedas
    • Treino de coordenação e resistência para melhorar a marcha e o equilíbrio
  • Fonoaudiologia para a disartria
  • Abordagem social ou gestão de casos

Complicações

  • Quedas (especialmente preocupante em idosos)
  • Tonturas
  • Paralisia (risco aumentado de ficar confinado à cama)
  • Distúrbios da marcha
  • Agravamento do tremor

Prognóstico

  • Depende da causa subjacente
  • Causas metabólicas, infeciosas, tóxicas e iatrogénicas → resolvem com tratamento apropriado
  • Causas genéticas/hereditárias, vasculares e traumáticas → efeitos a longo prazo

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Parkinson: doença neurodegenerativa crónica e progressiva que se apresenta clinicamente com tremor de repouso, bradicinésia, rigidez e instabilidade postural. A doença de Parkinson é diagnosticada clinicamente com base em sinais e sintomas característicos. Encontrar corpos de Lewy no cérebro após a morte é a única confirmação da doença. O tratamento inclui cuidados de suporte físicos e emocionais, para além de fármacos como a levodopa/carbidopa, inibidores da monoamina oxidase tipo B e agonistas da dopamina.
  • Distúrbio neurocognitivo major (NCD, pela sigla em inglês): também conhecido como demência. Os principais distúrbios neurocognitivos são um grupo de doenças caracterizadas por um declínio na memória e nas funções executivas de um indivíduo. Estes distúrbios são doenças progressivas e persistentes com várias etiologias distintas. O diagnóstico é clínico com suporte em testes do estado mental e requer frequentemente entrevistas aos cuidadores. Embora existam fatores de risco conhecidos e medidas para prevenir as principais DNTs, não existem tratamentos curativos eficazes.
  • Esclerose lateral amiotrófica (ELA): também conhecida como “doença de Lou Gehrig”. A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurodegenerativa que afeta os neurónios motores superiores e inferiores e é caracterizada por sinais de degeneração dos neurónios motores inferiores. O diagnóstico é feito clinicamente após a exclusão de outros distúrbios. O tratamento é de suporte e sintomático, eventualmente progredindo para cuidados no final da vida.
  • Acidente vascular cerebral isquémico: lesão neurológica aguda resultante de isquemia cerebral. O AVC isquémico apresenta-se com sintomas neurológicos com vários graus de perda motora e sensitiva, correspondendo à área cerebral afetada e à extensão do dano tecidual. O diagnóstico é feito através do exame objetivo e exames de imagem. O tratamento é idealmente com terapêutica trombolítica para restaurar o fluxo sanguíneo se o prazo e a situação clínica o permitirem. Após o evento agudo, a reabilitação de longo prazo com terapia física, ocupacional e fonoaudiológica é importante.

Referências

  1. Ropper, A. H., Samuels, M. A., Klein, J. P., & Prasad, S. (2019). Ataxia and Disorders of Cerebellar Function. In Ropper A.H., et al., (Eds.), Adams and Victor’s Principles of Neurology, 11th ed. McGraw-Hill Education. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1162589702
  2. Ataullah, A.H.M., Naqvi, I.A. (2021). Cerebellar dysfunction. StatPearls. Retrieved August 30, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK562317/
  3. Rosenberg, R.N. (2018). Ataxic disorders. In: Jameson, J. L., et al. (Eds.), Harrison’s Principles of Internal Medicine, 20th ed. McGraw-Hill Education. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1180749951
  4. Kuo, S.-H., Lin, C.-C., Ashizawa, T. (2022). Cerebellar ataxia. In: Jankovic, J., Mazziotta, J.C., Pomeroy, S.L., Newman, N.J. (Eds.). pp. 288-309.e9.
  5. Ilg, W., Bastian, A.J., et al. (2014). Consensus paper: management of degenerative cerebellar disorders. Cerebellum 13:248–268. https://doi.org/10.1007/s12311-013-0531-6

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