Digestão e Absorção de Hidratos de Carbono

Os hidratos de carbono armazenam energia e são 1 dos 3 principais macronutrientes (para além das proteínas e dos lípidos). Estes estão presentes em diversos alimentos, tais como cereais, frutas, leguminosas e muitos vegetais. Os polissacarídeos, a maioria sob a forma de amido, são a principal fonte alimentar de hidratos de carbono para os seres humanos. Para serem utilizados como energia pelos humanos, a maioria dos hidratos de carbono devem ser digeridos (decompostos) em monossacarídeos que, por sua vez, podem ser absorvidos e depois metabolizados. A digestão dos hidratos de carbono começa na boca com a ação das amilases salivares. O amido restante é ainda decomposto pela amilase pancreática e pelas enzimas da bordadura em escova nos intestinos. A oxidação de 1 g de hidratos de carbono fornece 4 kcal de energia.

Última atualização: Jul 21, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Revisão da Estrutura dos Hidratos de Carbono

Classificação

Tabela: Classificação dos hidratos de carbono com base no tamanho
Nome Definição Exemplos em humanos
Monossacarídeos Moléculas que consistem num grupo de açúcar simples
  • Glucose
  • Galactose
  • Frutose
    Dissacarídeos Combinação de 2 monossacarídeos
    • Maltose (glucose + glucose)
    • Lactose (glucose + galactose)
    • Sacarose (glucose + frutose)
      Oligossacarídeos Combinação de 3-10 monossacarídeos Geralmente ligados a:
      • Proteínas (formando glicoproteínas)
      • Lípidos (formando glicolípidos)
        Polissacarídeos Combinação de > 10 monossacarídeos
        • Glicogénio
        • Celulose
        • Glicosaminoglicanos (GAGs)
        • Amido (combinação de 2 polissacarídeos: amilose e amilopectina)

          Ligações glicosídicas

          • Ligam uma molécula de açúcar a qualquer outro componente
          • Ligações covalentes entre:
            • O grupo -OH e o carbono anomérico (geralmente C1) de um açúcar
            • O grupo -OH e outro composto (pode ser outra molécula de açúcar ou qualquer outro componente)
          • A formação da ligação resulta na perda de H2O
          • A nomenclatura baseia-se nos carbonos ligados e no anomerismo do carbono anomérico
            • E.g., ligações glicosídicas α-1,4 ligam o carbono C1 (anomérico) ao primeiro sacarídeo (com um grupo hidroxil orientado na configuração α) ao grupo hidroxilo no carbono C4 do sacarídeo seguinte
          Chemical structure of lactose and maltose demonstrating α versus β glycosidic bonds

          Estrutura química da lactose e maltose demonstrando ligações glicosídicas α versus β:
          Na lactose, o carbono anomérico na galactose (C1) está na configuração β (o grupo hidroxilo aponta para cima); portanto, quando se forma uma ligação da galactose com o C4 na glicose, forma-se uma ligação β-1,4-glicosídica. A maltose é constituída por 2 moléculas de glucose. O carbono anomérico na glucose (C1) tem a configuração α (o grupo hidroxilo aponta para baixo); portanto, a ligação na maltose é uma ligação α-1,4-glicosídica entre 2 moléculas de glucose.

          Imagem por Lecturio.

          Digestão dos Hidratos de Carbono

          Os hidratos de carbono são principalmente digeridos por amilases e enzimas da bordadura em escova. Os hidratos de carbono só podem ser absorvidos como monossacarídeos, pelo que estas enzimas decompõem grandes moléculas de amido até serem obtidos monossacarídeos únicos.

          Nota: Muitos hidratos de carbono dietéticos encontram-se sob a forma de amido, que é uma mistura de amilose e amilopectina (ambos são constituídos inteiramente por moléculas de glucose):

          • A amilose é uma cadeia linear de moléculas de glucose unidas a ligações α-1,4-glicosídicas.
          • A amilopectina inclui numerosos ramos formados por ligações α-1,6- glicosídicas.

          Amilases

          • Clivam ligações α-1,4-glicosídicas entre moléculas de açúcar
          • Criam cadeias de polissacarídeos cada vez mais pequenas até que a maioria das ligações α-1,4-glicosídicas sejam decompostas, resultando em:
            • Monossacarídeos
            • Dissacarídeos
            • Oligossacarídeos
            • Amidos indigestos (açúcares unidos por outros tipos de ligações)
          • Ativam na presença de um pH mais elevado:
            • Ativas na boca e no intestino delgado
            • Inativas no estômago
          • Tipos e localização da amilase:
            • Amilase salivar: secretada na boca, por glândulas salivares
            • Amilase pancreática: secretada no duodeno, pelo pâncreas exócrino
          Amylopectin is partially digested by amylase

          A amilopectina é parcialmente digerida pela amilase. As moléculas de amilopectina são cadeias de glucose, unidas por ligações glicosídicas α-1,4 (criam uma cadeia reta de moléculas de glucose) e ligações glicosídicas α-1,6 (criam um ramo fora da cadeia reta). A amilase quebra as ligações glicosídicas α-1,4.

          Imagem por Lecturio.

          Enzimas da bordadura em escova

          As enzimas de bordadura em escova são proteínas ligadas à membrana, na superfície luminal dos enterócitos, no intestino delgado. Existem 4 grandes enzimas da bordadura em escova envolvidas na digestão dos hidratos de carbono.

          • Isomaltase: cliva as ligações α-1,6-glicosídicas
          • Maltase:
            • Cliva a maltose → glicose + glicose
            • Cliva a maltotriose → glicose + glicose + glicose
          • Lactase: cliva a lactose → glicose + galactose
          • Sacarase:
            • Cliva a sacarose → glicose + frutose
            • Cliva outros oligossacarídeos pequenos

          Absorção de Hidratos de Carbono

          Após a digestão, os hidratos de carbono são absorvidos e transportados através da circulação sanguínea até à circulação portal. O transporte pode ser um mecanismo ativo, facilitado ou passivo.

          • O transporte ativo envolve o uso de enzimas transportadoras, que utilizam energia para movimentarem os hidratos de carbono através da membrana plasmática, mesmo contra o gradiente de concentração.
          • A difusão facilitada ocorre em níveis de concentração mais baixos com a ajuda adicional de enzimas transmembranares que não requerem energia.
          • A absorção passiva faz baixar os níveis de concentração dos açúcares sem assistência enzimática ou energia necessária; é o mecanismo mais lento.

          Os transportadores têm funções específicas e as suas funções podem ser ativas, facilitadas ou passivas.

          • Transportador de glucose tipo 1 (SGLT1, pela sigla em inglês):
            • Encontrado na membrana luminal dos enterócitos, no intestino delgado
            • Atua transportando glicose e galactose para o interior dos enterócitos
            • Depende de um gradiente de sódio gerado ativamente por uma ATPase Na+/K+
            • Transporta 2 iões sódio, 1 glucose ou galactose e água
          • Transportador de glucose 2 (GLUT2, pela sigla em inglês)
            • Encontrado nos rins, no fígado e no pâncreas e na membrana basolateral dos enterócitos do intestino delgado.
            • Transporta os 3 monossacarídeos primários (glucose, galactose e frutose) através de difusão facilitada
            • No que diz respeito à absorção: o GLUT2 transporta monossacarídeos para o exterior dos enterócitos e para o espaço intersticial.
            • A bidirecionalidade permite uma mudança de função dependendo das condições celulares.
          • GLUT5
            • Transporte de frutose através de difusões facilitadas

          A absorção passiva de glucose representa uma pequena parte da capacidade de absorção. A maior parte da absorção ocorre na 1.ª parte do intestino delgado (duodeno, jejuno).

          Ordem de eventos na absorção de monossacarídeos:

          1. Absorção para os enterócitos através da membrana apical:
            • Glucose e galactose: via SGLT1
            • Frutose: via GLUT5
          2. Libertação dos mesmos no espaço intersticial através do GLUT2, na membrana basolateral, através de difusão facilitada
          3. Absorção para os capilares a partir do espaço intersticial
          4. Os capilares drenam para as veias → veia portal → fígado para utilização no metabolismo
          Absorption monosaccharides

          Absorção de monossacarídeos através de enterócitos
          SGLT1: transportador ligado a glucose-sódio
          GLUT5: transportador de glicose 5
          GLUT2: transportador de glicose 2
          (pelas siglas em inglês)

          Imagem por Lecturio.

          Transporte de Monossacarídeos Dentro do Organismo

          Uma vez na circulação sanguínea, os monossacarídeos são transportados para diferentes células em todo o corpo e absorvidos pelas células periféricas, por vários transportadores diferentes. Vários transportadores de glicose importantes incluem:

          • GLUT4:
            • O transportador mais importante de absorção de glucose
            • Encontra-se expressa sobretudo no músculo esquelético e no tecido adiposo
            • Estimulado pela insulina para transportar glicose circulante para as células, para utilização e/ou armazenamento
          • SGLT2:
            • Localizado no túbulo contornado proximal (TCP) nos rins
            • Responsável por > 90% da reabsorção da glicose filtrada
          Tabela: Revisão dos transportadores
          Transportador Localização Função
          GLUT1 Maioria das células humanas: hemácias, SNC, córnea, placenta, tecido fetal…
          • Controla a absorção de glucose para o SNC através da barreira hemato-encefálica
          • Absorção basal de glucose em todas as células
          • Alta afinidade para a glicose
          GLUT2
          • Intestino delgado: membrana basolateral dos enterócitos
          • Fígado: hepatócitos
          • Células β dos ilhéus pancreáticos
          • Rim e intestino delgado
          • Transporta os monossacarídeos da membrana basolateral dos enterócitos para o sangue
          • Permite que os hepatócitos absorvam e libertem glucose para a glicólise e para a gluconeogénese
          GLUT3
          • Maioria das células humanas
          • SNC
          • Placenta
          • Transporta glucose através da barreira hemato-encefálica, mesmo em momentos de hipoglicemia relativa
          • Alta afinidade para a glicose
          GLUT4
          • Tecido adiposo
          • Tecido muscular
          • Regula a homeostasia da glicose
          • Estimulado pela insulina: captação e armazenamento controlado da glucose
          • Induzido pelo exercício físico
          GLUT5
          • Enterócitos
          • Espermatócitos
          • Transporta frutose
          SGLT1
          • Membrana apical dos enterócitos do intestino delgado
          • Absorção de glucose e galactose a partir do lúmen intestinal para os enterócitos
          SGLT2 Túbulo contornado proximal (TCP)
          • Proteínas de transporte de alta afinidade e baixa capacidade
          • Responsável por >90% da reabsorção de glucose

          Relevância Clínica

          • Intolerância à lactose: perturbação gastrointestinal de má absorção causada por deficiência de lactase, uma enzima da margem das vilosidades envolvida na digestão e absorção da lactose. A lactose é um dissacarídeo composto por glicose e galactose. Pacientes com intolerância à lactose apresentam dor abdominal, diarreia e flatulência após o consumo de produtos à base de lactose. O tratamento é a modificação alimentar ou suplementação com lactase em casos mais leves.
          • Galactosemia: doença autossómica recessiva que impede o processamento de galactose, devido ao défice em 1 de 3 enzimas chave, a mais comum sendo a galactose-1-fosfato uridiltransferase. A galactosemia é uma patologia grave que se apresenta cedo na vida dos lactentes, que sofrem de letargia, náuseas, vómitos, diarreia e icterícia. As manifestações tardias podem incluir sintomas do neurodesenvolvimento, cataratas, atraso no crescimento e insuficiência ovárica prematura. O tratamento passa pela reeducação alimentar.
          • Diabetes mellitus: doença metabólica causada por hiperglicemia crónica. A diabetes mellitus é devida a deficiência ou resistência à insulina. Os transportadores GLUT4 são insulinossensíveis e ajudam a promover o armazenamento de glicose em determinadas condições. Doentes com diabetes mellitus tipo 2 têm uma interrupção na resposta à insulina e, assim, a glicose acumula-se no sangue, causando hiperglicemia crónica. Os sintomas incluem frequência urinária, aumento da sede e aumento do apetite. As complicações graves da diabetes mellitus incluem cetoacidose diabética, doença cardiovascular, neuropatia e doença renal.

          Referências

          1. Barrett, K.E., Barman, S.M., Brooks, H.L., Yuan, J.X. (2019). Digestion & absorption of nutrients. Chapter 26 of Ganong’s Review of Medical Physiology, 26th ed. New York: McGraw-Hill Education. Retrieved June 25, 2021, from https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=2525&sectionid=204296544
          2. Holesh, J.E., Aslam, S., Martin, A. (2021). Physiology, carbohydrates. StatPearls. Retrieved June 25, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459280/
          3. Goodman, B.E. (2010). Insights into digestion and absorption of major nutrients in humans. Advances in Physiology Education 34(2):44–53. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20522896/

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