Benzodiazepinas

As benzodiazepinas atuam no recetor do ácido gama-aminobutírico tipo A (GABAA), tendo um efeito inibitório do SNC. Estes fármacos não mimetizam o GABA, o principal neurotransmissor inibitório do ser humano, mas potenciam a sua atividade. Esta classe farmacológica tem propriedades ansiolíticas, relaxantes musculares, hipnóticas, sedativas e anticonvulsivantes. A utilização prolongada destes medicamentos não está tipicamente recomendada, uma vez que os doentes podem desenvolver uma dependência fisiológica e psicológica. Nos efeitos colaterais inclui-se o défice cognitivo, a sonolência e a depressão respiratória.

Última atualização: Jun 27, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Estrutura Química e Farmacodinâmica

Estrutura química

  • As benzodiazepinas têm tipicamente um sistema de anéis heterocíclico, que corresponde à fusão entre os anéis de benzeno e diazepina.
  • A classe farmacológica das benzodiazepinas inclui vários medicamentos diferentes, que variam de acordo com o grupo de ligação lateral.
  • Os diferentes grupos laterais afetam a afinidade de ligação e a interação com os recetores GABA.
Estrutura dos benzodiazepínicos

Estrutura das benzodiazepinas:
Na imagem à esquerda observa-se o clássico anel de 1,4-benzodiazepina. Na imagem à direita observa-se o sistema de anéis mais comum desta classe.

Imagem : “Core chemical structure of the benzodiazepine ring system” por Boghog2. Licença: Public Domain

Mecanismo de ação

  • As benzodiazepinas ligam-se à subunidade gama do recetor GABAA → potenciam a capacidade de ligação do GABA à bolsa formada entre as subunidades α e 𝛃 do recetor GABAA
  • ↑ Frequência de abertura do canal de cloro → ↑ influxo de cloro → inibição do potencial de ação
  • O flumazenil é um antagonista competitivo da ligação das benzodiazepinas ao recetor GABAA.

Efeitos fisiológicos

GABA:

  • O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do SNC
  • Os neurónios que utilizam o GABA na transmissão de sinal contêm uma enzima chamada descarboxilase do ácido glutâmico (GAD, pela sigla em inglês), que converte o aminoácido glutamato em GABA.

Recetores GABA:

  • Os recetores GABAA e GABAC são recetores ionotrópicos
  • Os recetores GABAB são recetores acoplados à proteína G, ou metabotrópicos.
  • Os recetores GABAA e GABAB modulam a atividade inibitória do SNC.
  • Os recetores GABAC são encontrados nas células da retina do olho; a sua função exata é desconhecida.
  • Os recetores GABAA são estruturas pentaméricas que consistem em:
    • 2 subunidades α (alfa)
    • 2 subunidades 𝛃 (beta)
    • 1 subunidade γ (gama)
  • Localização e efeitos associados ao recetor GABAA:
    • Córtex cerebral → confusão, amnésia
    • Tálamo → desinibição, sedação, inibição da atividade motora
    • Estruturas límbicas → ansiolítico, sedação

Efeitos terapêuticos das benzodiazepinas:

  • Ansiolítico
  • Relaxante do músculo esquelético
  • Sedativo:
    • Diminui a excitação
    • Reduz a atividade
    • Promove a calma
  • Anticonvulsivante: controlo de crises epiléticas
  • Hipnótico:
    • Induzem sonolência e promovem o início e a manutenção do sono
    • ↓ sono REM (altura associada aos sonhos)
  • Anestesia
Curva de dose-resposta de benzodiazepina

Curva dose-resposta das benzodiazepinas:
Em cima observa-se a curva dose-resposta das benzodiazepinas. Estas apresentam propriedades ansiolíticas em baixas doses e têm um “efeito de teto”, em que apesar das doses crescentes se atinge o pico dos efeitos anestésicos.

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Farmacocinética

Absorção

As benzodiazepinas lipofílicas têm uma absorção mais rápida.

Distribuição

  • As benzodiazepinas e os seus metabolitos ligam-se extensamente às proteínas.
  • Ampla distribuição:
    • Entram no SNC (a lipossolubilidade também aumenta a taxa)
    • Atravessam a placenta

Metabolismo

  • Hepático
  • Isozimas do citocromo P450 envolvidas:
    • CYP3A4
    • CYP2C19
  • Alguns metabolitos podem ser ativos → aumentam a duração do efeito terapêutico
  • Conjugação dos metabolitos → glucuronídeos

Excreção

A eliminação ocorre através dos rins (os glucuronídeos são excretados na urina).

Tabela de comparação da farmacocinética

A tabela abaixo destaca as benzodiazepinas mais importantes e aborda as propriedades de cada uma. No que diz respeito à farmacocinética, é importante ter em atenção o início de ação, a metabolização e a eliminação.

Tabela: Farmacocinética das benzodiazepinas
Fármaco Início de ação Duração Metabolismo Metabolitos ativos importantes
Alprazolam Intermédio Intermédia CYP3A4 Não
Clordiazepóxido Intermédio Prolongada CYP3A4 Sim
Clonazepam Intermédio Intermédia CYP3A4 Não
Clorazepato Rápido Prolongada
  • Pró-fármaco
  • CYP3A4
Sim
Diazepam Rápido Prolongada
  • CYP2C19
  • 3A4
Sim
Flurazepam Rápido Prolongada CYP3A4 Sim
Lorazepam Intermédio Intermédia Glucoronidação Não
Midazolam Rápido Curta CYP3A4 Sim
Oxazepam Lento Curta Glucoronidação Não
Temazepam Lento Intermédia Glucoronidação Não
Triazolam Rápido Curta CYP3A4 Não
Início de ação: rápido = 15–30 min; intermédio = 30-45 min; lento = 45–90+ min.
Duração: curta = < 10 horas; intermédia = 10–36 horas; longa = > 48 horas.

Indicações

As benzodiazepinas são depressoras do SNC. Portanto, são clinicamente úteis em situações onde é necessário um agente sedativo. A tabela abaixo aborda os fármacos individualmente e as suas indicações. De seguida encontram-se listadas as indicações gerais para a utilização destes fármacos:

  • Epilepsia: útil no tratamento de crises epiléticas prolongadas em contexto de emergência
  • Abstinência alcoólica: alívio dos sintomas de abstinência e prevenção das crises epiléticas associadas
  • Perturbações de ansiedade:
    • Perturbação de pânico
    • Perturbação de ansiedade generalizada
  • Insónia: útil a curto prazo, mas não está recomendada uma utilização superior a um mês para este fim
  • Indução anestésica
Tabela: Benzodiazepinas e as suas indicações
Fármaco Formulação Indicações
Alprazolam Oral
  • Perturbações de ansiedade
  • Perturbação de pânico
Clordiazepóxido Oral
  • Perturbações de ansiedade
  • Abstinência alcoólica
  • Ansiedade pré-operatória
Clonazepam Oral
  • Perturbação de pânico
  • Crises epiléticas (monoterapia ou terapêutica adjuvante: síndrome de Lennox-Gastaut, crises acinéticas, mioclónicas e de ausência, refratárias a succinimidas)
Clorazepato Oral
  • Perturbações de ansiedade
  • Abstinência alcoólica
  • Crises epiléticas parciais: terapêutica adjuvante
Diazepam
  • Oral
  • IV
  • IM
  • Retal
  • Nasal
  • Perturbações de ansiedade
  • Abstinência alcoólica
  • Espasmos musculares
  • Crises epiléticas: terapêutica adjuvante
  • Estado de mal epilético: terapêutica adjuvante (apenas injetável)
Flurazepam Oral Insónia
Lorazepam (Ativan®)
  • Oral
  • IV
  • IM
  • Perturbações de ansiedade
  • Pré-anestesia na presença de ansiedade ou com o efeito de produzir amnésia/sedação
  • Estado de mal epilético
Midazolam (Versed®)
  • Oral
  • IV
  • IM
  • Nasal
  • Indução anestésica
  • Sedação/ansiólise/amnésia pré-operatórias
  • Sedação em doentes intubados/com ventilação mecânica
  • Crises epiléticas agudas e intermitentes
Oxazepam Oral
  • Perturbações de ansiedade
  • Abstinência alcoólica
Temazepam (Restoril®) Oral Insónia
Triazolam (Halcion®) Oral Insónia

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Efeitos Adversos e Contraindicações

Descrição Geral

Existem alguns pontos a ter em atenção na hora de considerar a prescrição de benzodiazepinas:

  • Esta classe farmacológica deve ser utilizada com cautela em doentes idosos e naqueles com lesões hepáticas ou renais.
    • Os principais metabolitos ativos, como o nordiazepam e N-desalquilflurazepam, têm uma semi-vida longa e acumulam-se ao longo do tempo.
    • Assim, em doentes idosos ou com insuficiência hepática/renal, a acumulação de metabolitos ativos pode cursar com sedação excessiva e amnésia anterógrada.
  • A utilização para efeitos hipnóticos provoca um efeito de rebound com aumento do sono REM aquando da descontinuação das benzodiazepinas. Este efeito ocorre especialmente com agentes de ação mais curta, como o triazolam.
  • Todas as benzodiazepinas devem ser utilizadas com cautela em combinação com opioides.

Efeitos adversos

  • Cardiovasculares: hipotensão
  • Musculoesqueléticos: fraqueza muscular
  • Neurológicos/psiquiátricos
    • Amnésia
    • Sonolência
    • Tonturas
    • Sedação
    • Euforia
    • Ataxia
  • Respiratórios: depressão respiratória
  • Dermatológicos: rash
  • Geniturinários: dificuldade na micção

Precauções

  • Critérios de Beers: aumento do risco de delirium, sedação e quedas nos idosos
  • Apresentam risco de abuso: podem causar euforia com risco de dependência e sintomas de abstinência
  • Substâncias controladas pela FDA C-IV
  • Alerta “black-box” da FDA: A utilização concomitante de benzodiazepinas e opioides pode resultar em sedação profunda, depressão respiratória, coma ou morte.

Contraindicações

  • Idade:
    • < 6 meses: diazepam oral
    • Prematuros: lorazepam injetável devido ao teor de álcool benzílico
  • Insuficiência hepática grave (clonazepam e diazepam)
  • Miastenia gravis
  • Respiratórias:
    • Apneia do sono
    • Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)
    • Bronquite
  • Oftálmicas:
    • Glaucoma de ângulo fechado
    • Glaucoma de ângulo aberto não tratado

Interações farmacológicas

  • Evitar outros depressores do SNC e sedativos (por exemplo, opioides, barbitúricos, etanol)
  • Está contraindicada a utilização de inibidores fortes da CYP3A4 ou CYP2C19 (por exemplo, itraconazol, cetoconazol) → ↑ níveis das benzodiazepinas
  • Indutores fortes da CYP3A4 ou CYP2C19 → ↓ níveis das benzodiazepinas

Overdose

Estes fármacos raramente provocam overdose isoladamente. Quando combinadas com outras classes farmacológicas, como o álcool e opioides, há um risco muito maior de toxicidade.

  • Sintomas de overdose:
    • Fala arrastada e sonolência
    • Hipotensão
    • Depressão respiratória
    • Coma
    • Paragem cardiorrespiratória
  • Tratamento:
    • Fármaco reversor: flumazenil
      • Antagonista das benzodiazepinas
      • Cuidado com o potencial de crises epiléticas em doentes a realizar tratamentos de longo prazo.
    • Tratamento de suporte
      • Manter a via aérea e intubar, se necessário.
      • Administrar fluidos IV na presença de hipotensão; vasopressores se o doente não responder a fluidos
      • A bradicardia deve ser tratada farmacologicamente (por exemplo, atropina).

Relevância Clínica

A seguir encontram-se listadas as utilizações terapêuticas das benzodiazepinas:

  • Perturbações de ansiedade: doenças mentais que (combinadas) são o tipo mais prevalente de patologia psiquiátrica nos Estados Unidos. Estas perturbações são caracterizados por preocupação e medo excessivos. Exemplos incluem a perturbação de ansiedade de separação, mutismo seletivo, fobias específicas, perturbação de ansiedade social, perturbação de pânico, agorafobia, pertrubação de ansiedade generalizada, perturbação de ansiedade induzida por uma substância ou medicação e perturbação de ansiedade causada por outra condição médica.
  • Perturbação de pânico: envolve ataques de pânico recorrentes e inesperados (sem fator desencadeante). Estes ataques ocorrem com uma sensação súbita de medo ou desconforto intenso, que atinge o pico em minutos e podem estar associados a sintomas como hipersudorese, palpitações, medo, náuseas e dispneia.
  • Abstinência alcoólica: conjunto de sintomas que se manifestam com a interrupção abrupta do consumo de etanol, após uma ingestão regular por um longo período de tempo. Os sintomas de abstinência alcoólica consistem em hiperatividade autonómica, alucinações, ansiedade, agitação e tremores. Podem ocorrer complicações fatais, como crises epiléticas, delirium e síndrome de Wernicke-Korsakoff.

Referências

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  5. Khanna, AK, et al. (2018). Respiratory depression in low acuity hospital settings-Seeking answers from the PRODIGY trial. J Crit Care. https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2018.06.014.  
  6. Griffin, CE, et al. (2013). Benzodiazepine pharmacology and central nervous system-mediated effects. The Ochsner Journal, 13(2): 214–223. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3684331/
  7.  Trevor, AJ, and Way, WL. (2012). Sedative-hypnotic drugs. In Katzung, B.G., Masters, S.B., and Trevor, A.J. (Eds.), Basic & Clinical Pharmacology (12th edition, pp. 373–382). McGraw-Hill Companies, Inc. https://accesspharmacy.mhmedical.com/content.aspx?bookid=514&sectionid=41817537

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