Atresia da Válvula Tricúspide (AVT)

A atresia da válvula tricúspide (AVT) é um defeito cardíaco congénito que consiste numa válvula tricúspide ausente ou rudimentar associada a um defeito do septo interauricular ou ventricular. Os pacientes apresentam cianose ao nascimento devido ao shunt de sangue desoxigenado da aurícula direita (AD) para a aurícula esquerda (AE). O diagnóstico pode ser feito in utero ou confirmado após o nascimento através de um ecocardiograma. O tratamento consiste num procedimento cirúrgico dividido em várias fases, iniciando-se o mesmo no período neonatal.

Última atualização: Jul 26, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A atresia da válvula tricúspide (AVT) é um defeito cardíaco congénito que consiste numa válvula tricúspide ausente ou rudimentar resultando numa má comunicação entre a aurícula direita (AD) e o ventrículo direito (VD). A atresia da válvula tricúspide (AVT) é considerada uma cardiopatia congénita cianótica, dado que a maioria dos pacientes apresenta cianose ao nascimento.

Variação anatómica

  • Morfologia da atresia:
    • Muscular (80%):
      • O pavimento muscular sólido na base da AD substitui a válvula tricúspide.
      • 95% associado a defeito do septo ventricular
    • Membranosa (10%) → substituída por septo auriculoventricular membranoso
    • Atresia valvular (5%) → válvula encontra-se presente, mas ocorre fusão das cúspides
    • Válvula Tricúspide deslocada para o VD (anomalia de Ebstein)
  • As lesões cardíacas associadas podem ser:
    • Defeito do septo auricular, foramen ovale patente
    • Defeito do septo ventricular
    • Transposição de grandes vasos
    • Hipoplasia ventricular direita
    • Estenose pulmonar
    • Coartação da aorta

Epidemiologia

  • 3ª cardiopatia congénita crítica mais frequente
  • Prevalência: 1 por 10.000 nados – vivos
  • Rácio M:F 1:1
  • Sem formas familiares

Etiologia

  • Patogénese desconhecida, mas pressupõe-se que:
    • Desenvolvimento anormal das válvulas a partir das almofadas endocárdicas
    • Desenvolvimento anormal das lâminas do miocárdio ventricular
  • A predisposição genética observa-se e encontra-se associada a alguns síndromes, tais como:
    • Trissomia do cromossoma 21 (Síndrome de Down)
    • Trissomia do cromossomo 18 (síndrome de Edwards)
    • Associação VACTERL – Anomalia vertebral, atresia anal, cardíaca, traqueia, esofágica, renal e ao nível dos membros (do inglês Vertebral, Anal Atresia, Cardiac, Trachea, Esophageal, Renal, Limb Defect)
Atresia tricúspide

Atresia tricúspide:
Observe o pavimento muscular bem desenvolvido da AD no lugar do VD na amostra do cadáver. A imagem demonstra não haver comunicação entre a AD e o VD.

Imagem “The new concept of univentricular heart” por Frescura C, Thiene G. Licenla: CC BY 3.0, editada por Lecturio.

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • Ausência de comunicação entre a AD e o VD
  • Não ocorre drenagem da AD –> Dilatação da AD (e VD hipoplásico)
  • A comunicação interauricular permite o fluxo para a aurícula esquerda.
  • Permite o retorno venoso, ocorrendo mistura com sangue oxigenado na aurícula esquerda → ventrículo esquerdo (VE) → circulação sistémica resultando em cianose
  • O sangue vai para o VD; a circulação pulmonar depende da presença do defeito do septo ventricular:
    • Se existir um grande defeito do septo ventricular, o ‘shunt’ esquerdo-direito (E-D) permite que o sangue misto entre no VD a partir do VE e na circulação pulmonar.
    • Se não existir defeito do septo ventricular ou se este não for muito marcado → A persistência do canal arterial (PCA) permite a circulação pulmonar
  • O VE atua como uma câmara única bombeando sangue para a circulação sistémica e pulmonar.
  • Se o paciente tem atresia pulmonar concomitante, significa que não tem fluxo sanguíneo pulmonar. Clinicamente, apresenta-se em choque quando o PCA encerra.
Fluxo sanguíneo cardíaco na atresia tricúspide:

Fluxo sanguíneo cardíaco na atresia tricúspide:
Imagem do fluxo sanguíneo num coração normal vs. um coração com Atresia da Válvula Tricúspide No coração com Atrésia da Válvula Tricúspide, o sangue desoxigenado entra na aurícula direita e passa para a aurícula esquerda através de comunicação interauricular O VE age como uma câmara única bombeando o sangue para a circulação sistémica e pulmonar através do defeito do septo ventricular

Imagem por Lecturio.

Apresentação clínica

  • 50% dos pacientes apresentam no 1º dia de vida.
  • 80% dos pacientes apresentam no 1º mês de vida.
  • A apresentação inclui:
    • Cianose
    • Respiração laboriosa
    • Períodos hipóxicos

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Diagnóstico

Exame físico

  • Cianose central
  • Oximetria de pulso: diminuição da saturação de oxigénio (Sp02)
  • Sinais de dificuldades respiratórias:
    • Taquipneia
    • Grunhido
    • Abertura das narinas
    • Dificuldade na alimentação
  • Auscultação:
    • Segundo Som cardíaco (S2) de um segundo
    • Sopro holosistólico do defeito do septo ventricular (borda esternal inferior esquerda)
  • Sinais adicionais baseados em lesões cardíacas associadas:
    • Atresia pulmonar com persistência do canal arterial (PCA) → sopro contínuo
    • Foramen Ovale patente restritivo ou defeito do septo auricular → hepatomegalia
    • Coartação da aorta → diminuição dos pulsos nas extremidades inferiores

Imagiologia

  • Radiografia de tórax: cardiomegalia na presença de defeito do septo ventricular de grandes dimensões
  • Eletrocardiograma (ECG):
    • Ondas p grande amplitude
    • Desvio do eixo esquerdo
    • hipertrofia do VE
  • Ecocardiograma
    • Diagnóstico definitivo
    • Pode ser realizado no período pré-natal
    • Revela a ausência de válvula tricúspide, foramen ovale patente e hipoplasia ventricular direita
    • Também avalia:
      • Presença e tamanho do defeito do septo ventricular
      • Grau de estenose pulmonar
      • Transposição de grandes vasos
      • Presença de coartação da aorta

Tratamento

Tratamento

Abordagem é efetuada com estabilização médica seguida de tratamento cirúrgico por etapas.

  • Abordagem médica inicial:
    • Prostaglandina E1 IV para manter a persistência do canal arterial
    • Suporte cardiorrespiratório:
      • Ventilação mecânica
      • Inotrópicos para suportar a pressão arterial
  • O objetivo cirúrgico é criar um sistema ventricular único e 2 circulações paralelas:
    • Etapa I:
      • Período neonatal
      • Shunt de Blalock-Taussig(cria canal arterial)
      • Septoestomia auricular (cria defeito do septo auricular)
    • Etapa II:
      • 3-6 meses
      • Anastomose shunt de Glenn: drenagem direta do retorno venoso da veia cava superior (VCS) para a artéria pulmonar (AP)
    • Etapa III:
      • 2-5 anos
      • Procedimento de Fontan: drena o retorno venoso da veia cava inferior diretamente para a AP

Prognóstico

  • Sem intervenção, 75% dos pacientes morrem na infância
  • 80% de taxa de sobrevivência (>10 anos) uma vez concluídas as 3 etapas de tratamento cirúrgico

Diagnóstico Diferencial

Cardiopatias congénitas críticas adicionais incluem:

  • Tetralogia de Fallot (TOF): cardiopatia congénita (DC) caracterizada pela presença de 4 características cardinais fundamentais: aorta superior, defeito do septo ventricular, obstrução da via de saída do ventrículo direito e hipertrofia do ventrículo direito. Pacientes presentes com cianose e antecedentes de tet spell. O diagnóstico é confirmado com ecocardiograma e o tratamento inclui cirurgia.
  • Transposição dos grandes vasos (TGV): defeito congénito do coração caracterizado por uma troca dos grandes vasos; a aorta tem origem no ventrículo direito e a AP tem origem no VE. O paciente apresenta cianose, taquipneia, insuficiência cardíaca e hipoxemia não responsiva ao oxigénio suplementar. O diagnóstico é confirmado com ecocardiograma e o tratamento inclui a cirurgia.
  • Truncus arteriosus (TA): A aorta e a artéria pulmonar emergem de um tronco comum sobrepondo-se ao defeito do septo ventricular. O paciente apresenta sintomas desde o 1º dia de vida. Os sintomas incluem cianose, insuficiência respiratória, insuficiência cardíaca, má alimentação e sudorese. O diagnóstico é confirmado com ecocardiograma e o tratamento inclui a cirurgia.
  • Retorno anómalo total das veias pulmonares (TAPVR): caracteriza-se por S2 de grande amplitude, a TAPVR é uma cardiopatia congénita rara em que as veias pulmonares drenam para outros locais que não a aurícula esquerda. O paciente apresenta cianose desde o nascimento, insuficiência cardíaca e problemas respiratórios. O diagnóstico é confirmado com ecocardiograma e o tratamento inclui a cirurgia.
  • Anomalia de Ebstein: cardiopatia congénita (DC) com deslocamento para baixo das cúspides da valva tricúspide causando obstrução da via de saída do ventrículo direito. O paciente apresenta cianose, arritmias e anomalias de desenvolvimento. O diagnóstico é confirmado com ecocardiograma e o tratamento inclui a cirurgia.

Referências

  1. Sowmya B & Teresa T (2020). Tricuspid valve atresia. UpToDate. Retrieved January 7, 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/tricuspid-valve-atresia
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  3. Kliegman, R. M., M.D. et al. (2020). Cyanotic congenital heart disease: Lesions associated with decreased pulmonary blood flow. Em R. M. Kliegman MD et al., Nelson textbook of pediatrics (pp. 239-2407.e1). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501004570
  4. Rao, P. S. (2009). Diagnosis and management of cyanotic congenital heart disease: Part I. The Indian Journal of Pediatrics, 76(1), 57-70. https://link.springer.com/article/10.1007/s12098-009-0030-4
  5. Hoffman, J. I. E., & Kaplan, S. (2002). The incidence of congenital heart disease. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109702018867?via%3Dihub
  6. Reller, M. D., Strickland, M. J., Riehle-Colarusso, T., Mahle, W. T., & Correa, A. (2008). Prevalence of congenital heart defects in metropolitan Atlanta, 1998-2005. The Journal of Pediatrics, 153(6), 807-813. https://www.jpeds.com/article/S0022-3476(08)00481-2/fulltext
  7. Freedom, R. M., Silver, M., & Miyamura, H. (1989). Tricuspid and pulmonary atresia with coarctation of the aorta: a rare combination possibly explained by persistence of the fifth aortic arch with a systemic-to-pulmonary arterial connection. International journal of cardiology, 24(2), 241–245. https://www.internationaljournalofcardiology.com/article/0167-5273(89)90314-8/pdf

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