Aspergillus/Aspergilose

A aspergilose é uma infeção fúngica oportunista causada pela espécie Aspergillus, que inclui fungos formadores de esporos comummente encontrados no meio ambiente. Como as espécies de Aspergillus são oportunistas, causam doença principalmente em doentes imunocomprometidos. Os órgãos mais frequentemente envolvidos são os pulmões e os seios perinasais. A aspergilose invasiva pode disseminar-se por via hematogénica pondendo envolver o cérebro, o coração e a pele. Os sintomas podem variar consoante o órgão envolvido, sendo que os sintomas pulmonares podem incluir dispneia, sibilos, tosse e hemoptises. O diagnóstico é feito com base em estudos de imagem, culturas fúngicas e análise de amostras serológicas ou respiratórias. O tratamento depende da apresentação clínica, podendo incluir tratamento antifúngico e resseção cirúrgica na doença grave.

Última atualização: Mar 10, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características gerais do Aspergillus

Características:

  • Existe apenas na forma de fungo com hifas e produtor de esporos (não dimórfico)
  • Aeróbico
  • Cresce em plantas, no solo, no pó doméstico e nos alimentos
  • Obtém os nutrientes a partir da matéria morta e em decomposição
  • É melhor visualizado com coloração de prata

Morfologia:

  • Hifas
    • Estruturas longas e filamentosas
    • Septos frequentes
    • Formam ramos dicotómicos (ângulos de 45 graus)
    • As paredes são tipicamente paralelas
  • Conídios
    • Esporos assexuados e imóveis
    • Esféricos
    • Têm origem em conidióforos (ramo da hifa especializado)

Espécies clinicamente relevantes

Existem mais de 250 espécies de Aspergillus; no entanto, apenas as espécies a seguir estão mais frequentemente associadas à aspergilose:

  • A. fumigatus (mais comum)
  • A. niger
  • A. flavus
  • A. terreus

Formas de aspergilose

A aspergilose pode ter várias apresentações clínicas, sendo os pulmões e a pele os órgãos mais frequentemente envolvidos. Essas apresentações da doença incluem:

  • Aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA)
  • Sinusite por Aspergillus
  • Aspergiloma
  • Aspergilose pulmonar crónica
  • Aspergilose invasiva
  • Aspergilose cutânea

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Epidemiologia e Patogénese

Epidemiologia

Estão disponíveis estatísticas limitadas acerca da aspergilose.

  • A ABPA afeta potencialmente:
    • 1% – 15% dos doentes com fibrose quística
    • 2,5% dos doentes com asma
  • Aspergilose invasiva:
    • É incomum e ocorre principalmente em indivíduos imunocomprometidos
    • Incidência: 1-2 casos em 100.000 indivíduos nos Estados Unidos
      • Mais elevada em doentes que se submeteram a um transplante
      • Associado a aproximadamente 15.000 internamentos

Fatores de risco do hospedeiro

Os humanos inalam esporos diariamente, mas geralmente não desenvolvem a doença se tiverem um sistema imunitário competente. A aspergilose ocorre geralmente em pessoas com comorbilidades subjacentes, como:

  • Imunossupressão:
    • VIH
    • Quimioterapia
    • Neoplasia hematológica
    • Uso crónico de corticoides
    • Recetores de transplante
  • Doença pulmonar:
    • Tuberculose
    • Asma
    • Fibrose quística
    • Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)
    • Sarcoidose
    • Cancro do pulmão

Transmissão

  • Inalação de esporos (mais comum)
  • Invasão através da pele danificada

Fisiopatologia

A patogénese de cada tipo de aspergilose não está completamente esclarecida.

Em doentes imunocompetentes:

  • Inalação de conídios → absorvidos por macrófagos
  • Germinação em hifas → reconhecimento imunológico por componentes da parede celular
  • Recrutamento de neutrófilos → destruição das hifas

Em doentes imunocomprometidos:

  • As hifas invadem os tecidos e as paredes dos vasos sanguíneos → aspergilose invasiva
  • A invasão resulta nas seguintes complicações (mais frequentemente no pulmão):
    • Enfarte tecidual
    • Hemorragia
    • Necrose

Em doentes com doença pulmonar subjacente:

  • A invasão tecidual não é tão comum, a menos que esteja presente uma imunodeficiência concomitante.
  • O Aspergillus pode habitar as cavidades pulmonares → pode-se desenvolver uma massa emaranhada de hifas, fibrina e células inflamatórias → Aspergiloma (bola fúngica)
  • A presença de Aspergillus pode desencadear uma reação de hipersensibilidade → ABPA

Apresentação Clínica

A apresentação clínica varia conforme a forma de aspergilose presente.

Sintomas constitucionais frequentes

Os seguintes sintomas podem estar presentes em qualquer forma de aspergilose:

  • Febre
  • Arrepios
  • Suores noturnos
  • Perda ponderal
  • Mal-estar

Aspergilose broncopulmonar alérgica

Deve-se suspeitar de aspergilose broncopulmonar alérgica nos doentes com asma ou fibrose quística que apresentam exacerbações recorrentes. Os sintomas incluem:

  • Dispneia
  • Tosse:
    • Produtiva
    • Rolhões mucosos verdes ou castanhos
  • Hemoptises
  • Sibilos / pieira

Sinusite por Aspergillus

A sinusite por Aspergillus pode ser alérgica ou invasiva. Os sintomas incluem:

  • Congestão nasal
  • Corrimento nasal purulento
  • Diminuição do olfato
  • Desconforto facial e/ou dor nos seios perinasais
  • Cefaleia

Aspergilose pulmonar crónica e aspergiloma

Alguns doentes com aspergilose pulmonar crónica e aspergiloma são assintomáticos. Os indivíduos sintomáticos podem apresentar:

  • Dor torácica
  • Dispneia
  • Tosse (seca ou produtiva)
  • Hemoptises
  • Nota: Os sintomas constitucionais ocorrem frequentemente na aspergilose pulmonar crónica, mas não no aspergiloma.

Aspergilose invasiva

Manifestações pulmonares:

  • Febre
  • Tosse
  • Hemoptises
  • Dor torácica de características pleuríticas
  • Dificuldade respiratória

Infeção disseminada:

  • Endoftalmite
  • Endocardite
  • Aspergilose do SNC:
    • Convulsões
    • Défices neurológicos focais
    • Aneurismas micóticos → hemorragia subaracnoideia

Aspergilose cutânea

A aspergilose cutânea pode ocorrer por inoculação direta ou por infeção disseminada. Os doentes podem apresentar:

  • Lesões eritematosas com placas endurecidas vermelhas ou violáceas.
  • Pápulas e nódulos endurecidos ou umbilicados
  • Pode aparecer uma escara preta sobrejacente.
Aspergilose cutânea

Lesões cutâneas de aspergilose:
A e B: Lesões nodulares
C: Eritema e necrose de um dedo do pé
D: Placa necrótica grande com eritema circundante no tórax de um doente

Imagem : “Cutaneous aspergillosis” do Dermatology Department, UPEC (CB, SI-H-O, OC), Paris, France. Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico

Imagiologia

Geralmente são solicitadas imagens torácicas por raio-X ou TC. Achados possíveis:

  • ABPA: bronquiectasias centrais e opacidades pulmonares
  • Aspergiloma: sinal do crescente de ar (um crescente de ar à volta de uma bola de fungo, no interior de uma cavidade)
  • Aspergilose invasiva:
    • Nódulos únicos ou múltiplos → podem progredir para cavitação
    • Consolidação irregular ou segmentar
    • Aparência de “árvore em brotamento” se existir bronquiolite
    • Sinal do halo: opacidade em vidro despolido na envolvência de um nódulo pulmonar que resulta da invasão direta de um vaso pulmonar

Avaliação laboratorial

  • Testes para a Aspergilose invasiva:
    • Deteção do antigénio galactomanano:
      • Polissacarídeo da parede celular do Aspergillus
      • Realizada através de um imunoensaio enzimático
    • 1,3 beta-D-glucano:
      • Componente da parede celular de muitos fungos
      • Menos sensível que o teste para detetar galactomanano
  • A avaliação para a ABPA pode revelar:
    • Eosinofilia
    • Níveis séricos elevados de IgE contra Aspergillus
    • Reatividade cutânea positiva no teste de antigénio de Aspergillus
  • Teste para a Aspergilose pulmonar crónica: anticorpo IgG contra Aspergillus

Cultura e histopatologia

  • Modalidade para diagnóstico definitivo
  • Amostra de tecido ou de fluido do órgão afetado
  • O fungo pode ser identificado por coloração com prata metenamina ou com ácido periódico de Schiff.
Histopatologia da aspergilose

Corte de tecido corado com prata de metenamina mostrando as hifas septadas da espécie Aspergillus

Imagem: “Histopathology and growth on culture medium” do Department of Orthopaedics, All India Institute of Medical Sciences, New Delhi 110029, India. Licença: CC BY 4.0

Tratamento e Prevenção

Tratamento da ABPA

  • Corticosteroides orais
  • O itraconazol está reservado para os doentes que não toleram a redução gradual dos corticoides.
  • Otimizar o tratamento da fibrose quística e da asma.

Aspergilose pulmonar crónica e aspergiloma

  • O aspergiloma não requer tratamento se for assintomático e não responde ao tratamento antifúngico.
  • Tratamento antifúngico para a aspergilose pulmonar crónica:
    • Itraconazol
    • Voriconazol
  • Embolização da artéria brônquica se hemoptise maciça
  • Resseção cirúrgica na doença grave

Tratamento da aspergilose invasiva

As seguintes opções podem ser utilizadas na doença invasiva, incluindo na sinusite invasiva, na doença cutânea e na doença disseminada:

  • Tratamento antifúngico:
    • Voriconazol (preferencial)
    • Anfotericina B
    • Caspofungina
  • Tratamento da imunossupressão:
    • Descontinuação dos corticosteroides
    • Terapia antirretroviral para o VIH
  • Cirúrgico:
    • Desbridamento do tecido necrótico
    • Substituição da válvula na endocardite

Prevenção

  • O Posaconazol é frequentemente usado para profilaxia nos doentes imunocomprometidos.
  • Reduzir a exposição ao bolor (se a fonte for conhecida).

Diagnósticos Diferenciais

  • Coccidioidomicose: infeção causada pelos fungos Coccidioides que se pode apresentar em doentes imunocompetentes ou imunocomprometidos. O Coccidioides é conhecido por causar doença tanto pulmonar e como extrapulmonar. A coccidioidomicose é diagnosticada por serologia, exame microscópico de amostras e culturas de fungos. O tratamento médico é feito principalmente com fluconazol, itraconazol ou anfotericina B (para a doença grave).
  • Paracoccidioidomicose: infeção oportunista causada por Paracoccidioides. Os doentes podem apresentar doença mucocutânea, linfática ou visceral. A paracoccidioidomicose é diagnosticada com base na avaliação microscópica de amostras e na cultura. O tratamento médico é feito principalmente com itraconazol ou anfotericina B (para os casos graves).
  • Blastomicose: doença pulmonar causada pela inalação de esporos de Blastomyces. Os doentes podem desenvolver pneumonia ou doença extrapulmonar disseminada. O diagnóstico é feito com exames de imagem e culturas. Se os doentes não melhorarem espontaneamente, pode ser administrado itraconazol. O tratamento médico inclui fluconazol, itraconazol ou anfotericina B (em casos graves).
  • Histoplasmose: infeção causada por Histoplasma capsulatum. Os sintomas podem ser inespecíficos ou consistentes com os da pneumonia. A histoplasmose é diagnosticada com base em culturas de fungos ou em testes de antigénios de urina e soro. Pode ser administrado itraconazol se os doentes não apresentarem melhoria dos sintomas.
  • Criptococose: infeção oportunista causada pelas leveduras Cryptococcus neoformans ou C. gattii. Os doentes podem desenvolver pneumonia, meningite ou doença cutânea. As culturas fúngicas e os testes de antigénio criptocócico podem fornecer o diagnóstico. O tratamento depende da apresentação, no entanto pode incluir fluconazol e anfotericina B (para a meningite).

Referências

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