Apendicectomia

A apendicectomia é um procedimento cirúrgico invasivo realizado com o objetivo de ressecar e extrair o apêndice vermiforme através de uma abordagem aberta ou laparoscópica. A indicação mais comum é a apendicite aguda, razão pela qual as apendicectomias são geralmente realizadas de forma urgente. É um dos procedimentos abdominais emergentes mais frequentemente realizados. Pode estar associada a várias complicações pós-operatórias; no entanto, a maioria dos pacientes apresenta um bom resultado e uma rápida recuperação.

Última atualização: Jun 18, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Anatomia Cirúrgica

Definição

A apendicectomia é a remoção cirúrgica do apêndice vermiforme.

Embriologia

É importante rever o desenvolvimento dos órgãos abdominais para compreender a localização do apêndice na cavidade abdominal e as suas possíveis variantes.

  • O cego e o apêndice derivam do intestino médio.
  • O cego é visível durante a 5.ª semana de gestação.
  • O apêndice surge como uma bolsa do cego por volta da 8.ª semana.
  • A base do apêndice move-se gradualmente em direção à válvula ileocecal.
  • Durante a rotação normal do intestino médio embrionário, o cego e o apêndice terminam no quadrante abdominal inferior direito. Na má rotação congénita, estes podem ser encontrados na zona abdominal médio-superior.

Anatomia

É importante rever a anatomia do cólon para mais facilmente localizar e reconhecer o cego e o apêndice na cavidade abdominal durante a cirurgia.

  • O apêndice é uma bolsa fina e oca, com fundo cego, presa ao cego proximal.
  • O orifício apendicular está sempre localizado na confluência da taenia coli.
  • Em média, o apêndice apresenta cerca de 9 cm de comprimento, mas pode variar entre 2 a 22 cm.
  • Mesentério do apêndice:
    • Chamado mesoapêndice
    • Fixa-se ao cego e apêndice proximal
    • Contém a artéria e a veia apendiculares
  • Fornecimento sanguíneo:
    • A artéria apendicular é um ramo da artéria ileocólica.
    • A veia apendicular é uma tributária da veia ileocólica.
  • Posições do apêndice:
    • Retrocecal na cavidade peritoneal (65%)
    • Pélvica (30%)
    • Subcecal
    • Ileocecal (pré-ileal ou pós-ileal)
    • Retroperitoneal
  • Ponto de McBurney:
    • Localizado entre o terço lateral e medial da linha que une o umbigo à espinha ilíaca ântero-superior
    • A dor localizada neste ponto é um sinal clássico de apendicite.
    • Neste ponto podem ser realizadas as incisões de McBurney e Rocky-Davis numa apendicectomia aberta.

Indicações e Contraindicações

Indicações

  • Apendicite aguda:
    • Emergência cirúrgica abdominal mais comum
    • A apendicectomia é o tratamento de primeira linha.
  • Neoplasias do apêndice (0,5%–0.9% das apendicectomias):
    • Na maioria das vezes, estas são descobertas durante a cirurgia ou no pós-operatório pelo relatório da patologia, após uma apendicectomia para uma presumível apendicite.
    • Tumores do apêndice mais comuns:
      • Tumor neuroendócrino ou carcinóide
      • Carcinoma de células caliciformes
      • Linfoma
      • Adenocarcinoma primário
      • Neoplasia mucinosa
    • Podem exigir uma cirurgia adicional (hemicolectomia direita), dependendo do estadio do tumor
  • Apendicectomia profilática:
    • Remoção de um apêndice vermiforme macroscopicamente normal, geralmente durante a cirurgia, por outra indicação
    • A apendicectomia profilática é controversa e não está recomendada por rotina.
    • Por vezes, este procedimento é realizado para evitar incertezas diagnósticas no futuro.
    • Algumas condições que justificam uma apendicectomia profilática:
      • Durante o procedimento de Ladd para a má rotação
      • Cirurgia para a doença de Crohn, se o cego não apresentar inflamação severa
      • “Apendicite crónica” (dor abdominal inferior crónica): o apêndice pode parecer macroscopicamente normal, mas apresentar anomalias histológicas.
      • Apêndice macroscopicamente normal durante a cirurgia para uma presumível apendicite

Contra-indicações

  • A maioria das apendicectomias é realizada em contexto de urgência para uma apendicite e não existem contraindicações absolutas.
  • Em circunstâncias específicas, quando um paciente apresenta alto risco de complicações, a apendicite pode ser tratada com antibióticos e a cirurgia adiada ou evitada por completo.
  • Algumas contraindicações relativas incluem:
    • Apêndice perfurado em paciente estável com fleimão ou abcesso do cego extensos
    • Tratamento anticoagulante: o tratamento com antiagregantes plaquetários (e.g., aspirina, clopidogrel) não é considerado uma contraindicação.
    • Doença cardíaca grave:
      • Enfarte do miocárdio recente (nos últimos 6 meses)
      • Insuficiência cardíaca descompensada
      • Estenose aórtica grave
    • Doença pulmonar grave: se existir alto risco de não ser possível remover o ventilador do paciente após a cirurgia

Procedimento

Preparação pré-operatória

  • Tratamento de suporte inicial:
    • Ressuscitação com fluidos
    • Correção eletrolítica
    • Tratamento da dor e náuseas
    • Repouso intestinal (sem alimentação por via oral)
  • Antibiótico pré-operatório:
    • Deve ser administrado 30 a 60 minutos antes da incisão
    • Deve cobrir a flora intestinal e cutânea
    • Cefalosporina de primeira geração ou fluoroquinolona + cobertura para anaeróbios (e.g., cefazolina-metronidazol, ciprofloxacina-metronidazol)
  • Anestesia:
    • Geralmente, a anestesia geral é a mais utilizada para abordagens abertas e laparoscópicas.
    • A anestesia raquidiana ou regional pode ser utilizada na apendicectomia aberta não complicada.
  • Cateter de Foley:
    • Opcional
    • Muitas vezes colocado numa abordagem laparoscópica para evitar lesões do trocarte na bexiga

Tipos e etapas dos procedimentos

Ambas as abordagens, aberta e laparoscópica, são consideradas aceitáveis. A escolha deve ser feita com base na experiência do cirurgião e na preferência do paciente. As apendicectomias laparoscópicas estão associadas a internamentos hospitalares ligeiramente mais curtos e melhores scores de dor.

Apendicectomia aberta:

  1. O paciente é colocado em decúbito dorsal, com pelo menos 15 graus de inclinação de cabeça para baixo (posição de Trendelenburg).
    • Essa posição permite que o intestino delgado se separe do quadrante inferior direito para proporcionar uma melhor exposição do cego e do apêndice.
  2. É realizada uma incisão através do ponto de McBurney, que pode ser:
    • Oblíqua (incisão de McBurney)
    • Transversal (incisão de Rocky-Davis)
  3. Seccionando as seguintes camadas da parede abdominal é possível entrar na cavidade peritoneal:
    • Pele
    • Fáscia de Camper (tecido adiposo subcutâneo)
    • Fáscia de Scarpa (camada membranosa da parede abdominal anterior)
    • Fáscia e músculo oblíquo abdominal externo
    • Músculo oblíquo abdominal interno
    • Músculo transverso do abdómen
    • Fáscia transversal
    • Gordura pré-peritoneal
    • Peritoneu
  4. O mesoapêndice é seccionado e os vasos apendiculares são ligados.
  5. O apêndice é seccionado na base com um agrafador ou com uma tesoura e o coto é ligado/suturado.
  6. O apêndice é removido da cavidade abdominal.
  7. A parede abdominal é encerrada em camadas.
Incisão de mcburney e rocky-davis

Incisões de McBurney e Rocky-Davis

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Apendicectomia laparoscópica:

  1. O paciente é colocado na posição de Trendelenburg.
  2. Geralmente, são colocados três trocartes:
    • Um através do umbigo, um no quadrante inferior esquerdo e um suprapúbico
    • Outras variações são possíveis, dependendo da preferência do cirurgião.
  3. O mesoapêndice é dividido com dispositivos energéticos ou um agrafador para controlar a hemorragia dos vasos apendiculares.
  4. O apêndice é seccionado na sua base com um agrafador ou tesoura e endoloop.
  5. O apêndice é colocado num saco e removido da cavidade abdominal através de um dos locais do trocarte, geralmente o umbigo.
Apêndice-entfernung

Apendicectomia laparoscópica

Imagem: “Appendix-Entfernung” por Life-of-hannes.de.  Licença: Public Domain

Considerações especiais

Lavagem peritoneal ou “sanitária”:

  • Se existir pus no abdómen, é realizada uma lavagem extensa da cavidade peritoneal com uma solução de NaCl 0,9%.
  • No caso de um abcesso localizado, é colocado um dreno de Jackson-Pratt.

Laparotomia exploradora:

  • Geralmente realizada através de uma incisão na linha média vertical
  • Abordagem preferencial num paciente com apêndice rompido e peritonite generalizada
  • Permite melhor visualização, lavagem abdominal e conversão para uma cirurgia mais extensa, se necessário

Mulheres grávidas:

  • A abordagem laparoscópica é geralmente segura.
  • Deve ser utilizada uma pressão intra-abdominal mais baixa.
  • É necessário modificar a colocação do trocarte para evitar lesões no útero gravídico.
  • Durante os estadios finais da gravidez, uma abordagem aberta pode ser mais viável, porque um útero grande desloca o apêndice e dificulta a visualização e manipulação laparoscópica.

Cuidados pós-operatórios

  • Apendicectomia não complicada com apêndice não perfurado:
    • Os antibióticos devem ser descontinuados em 24 horas.
    • A dieta geralmente progride rapidamente.
    • O paciente geralmente recebe alta para casa em 24 horas.
  • Apêndice perfurado:
    • Geralmente 3 a 5 dias de antibiótico pós-operatório
    • A dieta progride conforme a tolerância do paciente, dependendo da sua recuperação.
    • A alta hospitalar ocorre quando o paciente se encontrar afebril, com tolerância da dieta e com níveis de dor aceitáveis.

Complicações

  • Infeção do local cirúrgico (mais comum):
    • Infeção da ferida:
      • Ocorre em <5% das apendicectomias
      • Mais comum com as apendicectomias abertas e na apendicite perfurada
      • O encerramento tardio da ferida primária não diminui a taxa de infeção.
    • Abcesso pélvico:
      • Ocorre em 9,4% das apendicectomias
      • Ligeiramente mais comum com a abordagem laparoscópica
      • Mais comum na apendicite perfurada
  • Íleo pós-operatório:
    • Desaceleração transitória da motilidade intestinal
    • Especialmente comum com o apêndice perfurado
    • Tratamento com repouso intestinal, descompressão por sonda nasogástrica e fluidoterapia EV
  • Obstrução do intestino delgado:
    • Secundária a aderência/inflamação
    • Mais comum após uma abordagem aberta e apêndice perfurado
    • Pode ocorrer no pós-operatório precoce ou anos mais tarde
    • Inicialmente é realizado tratamento não cirúrgico, mas, por vezes, pode ser necessária lise cirúrgica de aderências.
  • Apendicite do coto:
    • Pode ocorrer se o apêndice não for completamente ressecado (coto do apêndice > 0,5 cm)
    • É necessária a resseção do coto (via laparoscópica ou aberta).
    • O coto apendicular perfurado pode exigir uma resseção intestinal mais extensa.
  • Infertilidade:
    • Muito rara
    • Resulta de danos intraoperatórios nas trompas de Falópio
  • Mortalidade:
    • Taxa geral < 1%
    • Preditores de mortalidade:
      • Idade > 80 anos
      • Imunossupressão
      • Doença cardiovascular grave
      • Apêndice perfurado
      • Tratamento antimicrobiano anterior

Referências

  1. Dahdaleh F.S., & Heidt D, & Turaga K.K. (2019). The appendix. Brunicardi F, & Andersen D.K., & Billiar T.R., & Dunn D.L., & Kao L.S., & Hunter J.G., & Matthews J.B., & Pollock R.E.(Eds.), Schwartz’s Principles of Surgery, 11e. McGraw-Hill Education. https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=2576&sectionid=216215350
  2. Craig, S. (2022). Appendicitis. In B. E. Brenner (Ed.), Medscape. Retrieved June 18, 2025, from https://emedicine.medscape.com/article/773895-overview
  3. Quick CRG, Biers SM, Arulampalam THA. (2020). Appendicitis. In: Quick CRG, Biers SM, Arulampalam THA, Tan HA (Eds.), Essential surgery: Problems, diagnosis and management (pp. 366–373). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780702076312000262
  4. Richmond B. (2018). Apéndice. In: Townsend CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL (Eds.), Sabiston. tratado de cirugía (pp. 1296–1311). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9788491131328000500
  5. Valente MA. (2021). Appendectomy. In Delaney CP (Ed.), Netter’s Surgical Anatomy and Approaches (pp. 263–274). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323673464000256

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