Acumulações Celulares

As substâncias podem acumular-se no citoplasma, no núcleo ou nos organelos como resultado de uma disfunção celular intrínseca ou de anomalias metabólicas. As substâncias vistas com maior frequência são pigmentos, cálcio, ferro, gordura, colesterol e glicogénio. Estas substâncias são produzidas pela célula e podem aumentar em quantidade quando há remoção inadequada da substância ou uma falha na degradação do metabolito. Defeitos no enovelamento, no armazenamento e no transporte de proteínas, tanto genéticos como adquiridos, também levam a acumulação de substâncias. Em alguns casos, o depósito é de uma fonte externa, como o pó de carvão. A célula não tem um mecanismo de eliminação inerente, portanto o material acumula-se no local de exposição.

Última atualização: May 24, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Acumulações intracelulares

  • Etiologia:
    • Distúrbios metabólicos
    • Anomalias intrínsecas na função celular (doenças genéticas)
    • Fonte exógena
  • Efeito: As substâncias que se acumulam podem ou não ser nocivas.

Mecanismos

  • Metabolismo anormal:
    • Substância normal produzida → defeito no armazenamento e no transporte → acumulação da substância
    • Visto na esteatose hepática (aumento das partículas lipídicas)
  • Enovelamento e transporte anormal de proteínas:
    • Substância anómala (proteínas com defeito no enovelamento) produzida → ultrapassa os mecanismos de reparação → acumulação no retículo endoplasmático (RE)
    • Visto no défice de ɑ-1 antitripsina
  • Falta de enzima:
    • Substrato → falência da conversão para o produto final (sem enzima) → aumento da quantidade de substrato
    • Visto nas doenças de deposição lisossomal
  • Deposição de um material exógeno ou de uma substância indigestível:
    • Substância exógena → célula sem capacidade de a degradar ou transportar → acumulação
    • Visto na silicose (sílica) e na antracose (carvão)

Pigmentos

Pigmentos exógenos

Pigmentos que vêm de fora do corpo:

  • Tatuagens: pigmentos fagocitados por macrófagos, muitas vezes sem resposta inflamatória
  • Carvão ou pó de carvão:
    • Pigmento antracótico ou de carvão: resíduos carbonosos da vida urbana, minas de carvão e fumo de cigarro.
    • Associado à antracose, acumulação de um pigmento preto nos pulmões
    • Pneumoconiose do carvoeiro: doença fibrótica pulmonar que se desenvolve a partir da reação ao pó de carvão acumulado nos pulmões

Pigmentos endógenos

Os pigmentos endógenos são sintetizados dentro do corpo.

Lipofuscina ou lipocromo:

  • Desgaste ou envelhecimento do pigmento
  • Derivada da peroxidação lipídica e acumulada nos lisossomas
  • Encontrada mais frequentemente no coração e no fígado
  • Atrofia castanha: Quantidades significativas de lipofuscina dão uma descoloração castanha ao órgão afetado.
  • Morfologia microscópica: grânulos de pigmento amarelo-acastanhados frequentemente em redor do núcleo

Hemossiderose (ferro):

  • Acumulação de hemossiderina, uma forma de armazenamento de ferro, nos macrófagos sem efeitos secundários
  • Fisiologia do ferro:
    • O ferro tem 2 formas de armazenamento: ferritina e hemossiderina
    • ↑ Ferro → ferritina forma grânulos de hemossiderina (pigmento de hemossiderina = agregados de micelas de ferritina)
  • Morfologia microscópica: manchas de hemossiderina positivas no azul prussiano
  • Encontrado em:
    • Contusão local ou células sanguíneas extravasadas para o local da lesão
    • Transfusões múltiplas (sobrecarga de ferro exógeno)
    • Anemia hemolítica (a lise de eritrócitos liberta ferro)
    • Defeito genético do metabolismo do ferro (hemocromatose)

Hemocromatose (ferro):

  • O ferro acumula-se no parênquima devido à absorção excessiva de ferro.
  • Associada a efeitos secundários
  • Tipos:
    • Hereditária: devido a mutação genética
    • Secundária: devido à administração parentérica de ferro (por exemplo, transfusões)
  • Encontrado em:
    • Fígado: cirrose
    • Pele: pigmentação anormal (especialmente nas áreas expostas ao sol)
    • Pâncreas: diabetes mellitus
    • Coração: miocardiopatia, arritmias
    • Articulações: sinovite
  • Morfologia microscópica: grânulos castanhos-amarelados

Bilirrubina:

  • Composto amarelo alaranjado produzido a partir da decomposição de heme dos eritrócitos
  • Heme → biliverdina (“bílis verde”) → bilirrubina (“bilís vermelha”)
  • Conjugada no fígado e excretada na bílis
  • Icterícia: coloração amarela das membranas mucosas e da pele devido à acumulação de bilirrubina
  • Encontrado em:
    • Doença hepática ou biliar (bilirrubina conjugada)
    • Hemólise (bilirrubina não conjugada)

Melanina:

  • Pigmento castanho-escuro formado pelos melanócitos e transferido para os queratinócitos
  • Síntese: oxidação da tirosina em dopaquinona, catalisada pela tirosina cinase
  • Principais formas de melanina:
    • Eumelanina (castanha/preta): maior proteção contra a radiação ultravioleta (UV)
    • Feomelanina (amarela/laranja): menos protecção UV, produz radicais livres e contribui para o stress oxidativo.
    • Neuromelanina: encontrada no cérebro
  • Correlação clínica:
    • Acumulações benignas (sardas, sinais): nevus
    • Indivíduos de pele clara ou populações que vivem mais longe do equador: feomelanina mais rica, maior risco de carcinogénese

Acumulação de Cálcio

Calcificação metástática

  • Deposição de cálcio nos tecidos normais ou anormais devido a hipercalcemia
  • Hipercalcemia:
    • Excesso da hormona paratiroideia (PTH) ou hiperparatiroidismo:
      • Tumores das paratiroides
      • Tumores malignos que secretam proteínas relacionadas com a PTH
    • Hiperparatiroidismo secundário a doença renal (devido à retenção de fosfato)
    • Reabsorção de tecido ósseo:
      • Imobilização
      • Metástases ósseas
      • Aumento do turnover ósseo (doença de Paget)
      • Doenças malignas da medula óssea (mieloma múltiplo, leucemia)
    • Distúrbios da vitamina D (intoxicação por vitamina D, sarcoidose)
  • Afeta as células secretoras de ácido (o ambiente alcalino predispõe à calcificação metastática):
    • Mucosa gástrica
    • Pulmões
    • Rins (nefrocalcinose)
    • Artérias sistémicas
    • Veias pulmonares

Calcificação distrófica

  • Deposição de cálcio em tecidos anormais (necróticos) com níveis normais de cálcio
  • Morfologia bruta: grânulos ou depósitos duros e amarelados
  • Morfologia microscópica:
    • Sais de cálcio: aspeto granular basofílico e amorfo
    • Corpos de Psammomas: estruturas concêntricas lameladas a partir da acumulação de cálcio (no cancro papilar da tiroide, meningioma, cistadenocarcinoma seroso papilar ovárico)
  • Encontrado em:
    • Vasos sanguíneos (ateromas de aterosclerose)
    • Válvulas cardíacas danificadas
    • Envelhecimento
    • Infeções (por exemplo, tuberculose, toxoplasmose)

Acumulação de Proteínas

Morfologia microscópica

  • Eosinofílica
  • Agregados intracelulares, vacúolos ou gotículas

Causas

  • Aumento da reabsorção proteica no túbulo renal proximal:
    • Afeta os rins (proteinúria na síndrome nefrótica)
    • Mais perda de proteínas através do filtro glomerular, mais reabsorção de proteínas em vesículas
    • Morfologia microscópica: gotículas de hialina rosa no citoplasma do túbulo
  • Aumento da produção de proteínas:
    • Síntese abundante de imunoglobulinas em plasmócitos → acumulação de proteínas no RE → corpos de Russell
  • Aumento das proteínas citoesqueléticas:
    • Proteínas do citoesqueleto:
      • Suporte da membrana plasmática e da organização dos organelos
      • Microtúbulos, filamentos de actina, filamentos de miosina ou filamentos intermediários
    • Encontrado em:
      • Doença de Alzheimer: Uma das características é o emaranhado neurofibrilar (proteínas tau associadas a microtúbubos).
      • Doença hepática alcoólica: tem hialina alcoólica ou hialina de Mallory, uma inclusão citoplasmática (feita de filamentos intermediários de queratina)
  • Defeito no transporte intracelular e na secreção de proteínas:
    • Défice de ɑ-1 antitripsina: A mutação genética leva a um defeito no enovelamento de ɑ-1 antitripsina.
    • ɑ-1 antitripsina anómala acumulada no RE do fígado → cirrose
    • Falta de ɑ-1 antitripsina funcional → danos alveolares nos pulmões
  • Proteínas anormais (doenças de agregação de proteínas):
    • Deposição de proteínas com erros no enovelamento que perturbam as funções dos tecidos
    • Pode ser intracelular e/ou extracelular
    • Amiloidose:
      • Deposição extracelular de amiloide, uma proteína fibrilar insolúvel
      • A amiloide adquire uma coloração rosa ou vermelha na coloração de vermelho do Congo e birefringência verde maçã sob luz polarizada.

Acumulação de Lípidos

Triglicéridos

  • Alteração da gordura ou esteatose
    • Representa uma lesão reversível ou uma anomalia no metabolismo dos lípidos.
    • Órgãos afetados:
      • Fígado (órgão principal do metabolismo dos lípidos)
      • Rim
      • Coração
      • Músculo esquelético
    • Encontrado em:
      • “Fígado gordo”: associado ao abuso de álcool e à esteatose hepática não alcoólica
      • Outros: lesão por toxinas, diabetes mellitus, anóxia, obesidade
  • Morfologia macroscópica: descoloração amarela do órgão
  • Morfologia microscópica:
    • Vacúolos com conteúdo lipídico dentro das células
    • Os vacúolos têm bordos bem definidos.

Colesterol

  • Acumula-se em células fagocíticas devido à sobrecarga de lípidos
  • Morfologia microscópica: vacúolos intracelulares
  • Encontrado em:
    • Aterosclerose
      • Placa aterosclerótica: acumulação de colesterol, visto como vacúolos, nas células musculares lisas da íntima e nos macrófagos.
    • Xantomas
      • Placas ou nódulos de colesterol intracelular no tecido conjuntivo subepitelial da pele e dos tendões
      • Encontrado no metabolismo lipídico alterado
    • Colesterolose
      • Macrófagos carregados de colesterol ou células espumosas na lâmina própria da vesícula biliar
      • Coexiste frequentemente com os cálculos biliares de colesterol
    • Doença de Niemann-Pick, tipo C
      • Doença autossómica recessiva de depósitos lisossómicos devido a mutações no NPC1 ou no NPC2
      • Transporte de colesterol para fora do lisossoma deficiente
      • Associado a doença progressiva do sistema nervoso central

Fosfolípidos

  • Libertados das membranas celulares danificadas na lesão celular
  • Figuras de mielina (fosfolipídios em espiral):
    • Acumulam-se no citosol
    • Degradados em ácidos gordos ou fagocitados quando a célula morre

Acumulação de Glicogénio

  • Glicogénio: normalmente armazenado no fígado e no músculo esquelético
  • Encontra-se depósitos intracelulares excessivos de glicogénio em:
    • Anomalias do metabolismo da glicose (diabetes mellitus)
    • Doenças de armazenamento do glicogénio
  • Morfologia microscópica:
    • Glicogénio: vacúolos transparentes no citoplasma
    • Cor rosa a violeta quando corado com a colaração carmim de Best ou PAS (periodic acid-Schiff)
    • A diastase remove o glicogénio da secção histológica.
  • Órgãos afetados: fígado, coração, músculo esquelético, rins e pâncreas
Acumulação de glicogénio

Biopsia do fígado:
(a) PAS (periodic acid-Schiff) positivo para acumulação de glicogénio (rosa-violeta)
(b) O glicogénio é eliminado após o pré-tratamento com diastase.

Imagem: “Liver Biopsy” por US National Library of Medicine. Licença: CC BY 4.0

Alteração Hialina

Descrição

  • Não é um padrão de acumulação, mas um achado histológico visto também em várias substâncias retidas
  • Pode ser intra ou extracelular
  • Morfologia microscópica: aspeto vítreo, aparência homogénea rosa na célula (cora com hematoxilina e eosina)

Achados celulares

  • Extracelular
    • Hialinose arteriolar:
      • As paredes arteriolares espessadas mostram um material hialino rosa homogéneo.
      • Devido ao extravazamento de proteínas plasmáticas e à deposição concêntrica de material extracelular
      • Vista na hipertensão arterial e na diabetes
    • Amiloide
  • Intracelular
    • Gotículas de reabsorção proteica na proteinúria
    • Corpos de Russell
    • Hialina alcoólica (corpos de Mallory ou hialina)
    • Corpos de Councilman ou corpos acidófilos:
      • Da apoptose hepatocitária (encolhimento celular, picnose, cariorexia e fragmentação celular)
      • Vistos na febre amarela, na hepatite
Doença de castleman

Biópsia dos gânglios linfáticos (hematoxilina e eosina): 2 folículos com alterações hialinovasculares (seta amarela), centros germinativos regressivos (setas pretas) circundados por camadas concêntricas de linfócitos pequenos (setas brancas)

Imagem: “Castleman’s Disease” por 1st Department of Internal Medicine and Diabetes Center, Tzaneio General Hospital of Piraeus, 18536 Piraeus, Greece. Licença: CC BY 4.0

Referências

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  4. Nasti, T., Timares, L. (2015). Invited Review MC1R, Eumelanin and Pheomelanin: their role in determining the susceptibility to skin cancer. Photochem Photbiol 91 (1):188–200. doi: 10.1111/php.12335
  5. Oakes, S. (2020). Cell injury, cell death and adaptation in Kumar, V., Abbas, A., Aster, J. & Robbins, S. Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease (10th Ed., pp. 33–65, 83). Elsevier, Inc.
  6. Reisner, H.M. (2020). Cell injury, cell death, and aging in Pathology: A Modern Case Study, 2e. McGraw-Hill. https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=2748&sectionid=230839558
  7. Schlessinger, D., Anoruo, M., Schlessinger, J. (2020). Biochemistry, Melanin. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459156/#!po=2.77778
  8. Torres, K., Elston, D., Wells, M. (2019). Xanthomas Clinical Presentation. Retrieved 24 Oct, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/1103971

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