Acidose Tubular Renal

A acidose tubular renal (ATR) é um desequilíbrio no pH fisiológico, causado pela incapacidade do rim em acidificar a urina e manter o pH do sangue em níveis fisiológicos. A acidose tubular renal existe em vários tipos, incluindo ATR distal (tipo 1), ATR proximal (tipo 2), ATR mista (tipo 3) e ATR hipercalémica (tipo 4). Dependendo do tipo de ATR, existem vários mecanismos a causar disfunção da regulação ácido-base renal, resultando em acidose metabólica sem gap aniónico. Todas as ATRs apresentam, clinicamente, algum grau de acidose metabólica; no entanto, a ATR distal e a ATR proximal também apresentam hipocalémia, enquanto que a ATR hipercalémica não. O diagnóstico é estabelecido, sobretudo, com base na história e nas análises laboratoriais, incluindo a medição dos gaps aniónicos sérico e urinário. O tratamento envolve a correção da acidose metabólica crónica com agentes alcalinizantes, para prevenir os seus efeitos catabólicos a longo prazo nos ossos e músculos, bem como a abordagem das causas subjacentes que levam a esta condição.

Última atualização: Nov 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A acidose tubular renal (ATR) é um desequilíbrio no pH fisiológico, causado pela incapacidade do rim em acidificar a urina e manter o pH do sangue em níveis fisiológicos.

Classificação

A ATR pode ser classificada com base nas características clínicas e no defeito fisiológico:

  • Tipo 1: ATR distal
  • Tipo 2: ATR proximal
  • Tipo 3: ATR mista (muito rara)
  • Tipo 4: ATR hipercalémica

Comparação dos tipos de ATR, incluindo as características clínicas, defeitos fisiológicos e potenciais etiologias:

Tabela: ATR tipo 1 (distal) – secreção ácida prejudicada
Características Secreção de H+ prejudicada nos segmentos distais
  • pH da urina > 5,3
  • Plasma HCO3 variável
Defeito renal
  • ↑ H+–K+–ATPase
  • ↑ Permeabilidade tubular, permitindo refluxo de H+
  • ↓ Reabsorção Na+
Etiologia
  • Doenças autoimunes familiares (síndrome de Sjögren, artrite reumatoide)
  • Fármacos, toxinas
Tabela: ATR tipo 2 (proximal) – secreção de bicarbonato prejudicada
Características Reabsorção proximal de HCO3 prejudicada
  • pH da urina variável
  • Plasma HCO3 12–20 mM/L
Defeito renal Disfunção tubular inespecífica ou mutações em genes envolvidos na reabsorção de HCO3
Etiologia
  • Familiar
  • Síndrome de Fanconi
  • Fármacos, toxinas
  • Inibidores da anidrase carbónica
Tabela: ATR tipo 3 (mista)— combina o distal com o proximal
Características Mutações hereditárias da anidrase carbónica tipo II
  • Muito rara
  • Apresenta-se na infância
Defeito renal Mutações hereditárias da anidrase carbónica tipo II
Etiologia
  • Padrão hereditário autossómico recessivo
  • A maioria dos casos são reportados no Norte de África, em áreas com grande prevalência de consanguinidade
Tabela: ATR tipo 4 (hipoaldosteronismo) – secreção ácida prejudicada
Características Alteração da libertação de aldosterona ou da sua resposta
  • pH da urina < 5,3
  • Plasma HCO3 > 17 mM/L
  • Hipercalemia
Defeito renal Reabsorção de Na+, via canal epitelial de Na+, prejudicada
Etiologia Hipoaldosteronismo congénito (Doença de Addison)
  • Resistência à aldosterona
  • Nefropatia diabética
  • Fármacos
  • Diuréticos

Epidemiologia

  • O ATR hipercalémica (tipo 4) é a mais comum nos Estados Unidos.
    • Mais frequentemente causada por nefropatia diabética
    • Leva ao hipoaldosteronismo hiporreninémico e à obstrução do trato urinário
  • A ATR proximal (tipo 2) e distal (tipo 1) são raras.
  • A ATR mista (tipo 3) é excecionalmente rara.
  • A ATR associada ao uso de fármacos está a aumentar a sua incidência:
    • Fármacos antivirais
    • Fármacos relacionados com transplantes (incidência de 20% de ATR hipercalémica em transplantes renais)

Etiologia

Acidose tubular renal distal (tipo 1)

Em adultos, as causas mais comuns são:

  • Doenças autoimunes:
    • Síndrome de Sjögren
    • Artrite reumatoide
    • Lúpus eritematoso sistémico
  • Hipercalciúria:
    • Intoxicação por vitamina D
    • Hiperparatiroidismo
    • Sarcoidose
    • Hipercalciúria idiopática (familiar)

Em crianças, a causa mais comum é genética:

  • Autossómica dominante ou autossómica recessiva:
    • Mutações do trocador Cl /HCO3
    • Mutações da bomba H+–ATPase
  • Outras associações genéticas:
    • Síndrome de Marfan
    • Síndrome de Ehlers-Danlos
    • Drepanocitose
    • Obstrução congénita do trato urinário

Outras causas:

  • Fármacos:
    • Lítio
    • Anfotericina B
    • AINEs
    • Ifosfamida (mais comum na ATR tipo 3)
  • Uropatia obstrutiva
  • Rejeição de transplante renal
  • Rim esponjoso medular
  • Doença de Wilson
Nefrocalcinose

Nefrocalcinose:
Em casos de hipercalciúria são visíveis depósitos de cálcio renais. Esta condição pode surgir de múltiplas causas, incluindo hiperparatiroidismo, intoxicação por vitamina D e sarcoidose e pode resultar em acidose tubular renal tipo 1.

Imagem: “Nephrocalcinosis” por FastilyClone. Licença: Public Domain

Acidose tubular renal proximal (tipo 2)

Em adultos, a causa mais comum é a gamopatia monoclonal:

  • Mieloma múltiplo
  • Amiloidose

Em crianças, as causas mais comuns são:

  • Idiopática
  • Ifosfamida
  • Cistinose

Outras causas:

  • Causas autoimunes (especialmente síndrome de Sjögren)
  • Genética:
    • Autossómica dominante ou autossómica recessiva
    • Antiporte apical Na+/H+ das células tubulares proximais
    • Cotransportador basolateral de Na+/HCO3 de células tubulares proximais
  • Fármacos:
    • Metais pesados (chumbo, mercúrio)
    • Inibidores da anidrase carbónica (como a acetazolamida e o topiramato)
    • Aminoglicosídeos
    • Antirretrovirais (especificamente, tenofovir)
    • Ifosfamida
    • Cisplatina, oxaliplatina
    • Ácido valpróico
  • Diversos:
    • Nefrite intersticial
    • Défice de vitamina D
    • Hiperparatiroidismo secundário
    • Transplante renal
    • Outras doenças associadas à síndrome de Fanconi:
      • Tirosinemia
      • Cistinose
      • Galactosemia
      • Intolerância hereditária à frutose
      • Doença de von Gierke (doença de armazenamento de glicogénio tipo I)
      • Doença de Wilson
      • Doença de Lowe
      • Hemoglobinúria paroxística noturna

Acidose tubular renal mista (tipo 3)

  • Sem casos reportados em adultos.
  • Em crianças, a causa mais comum é a deficiência da anidrase carbónica tipo II.

Acidose tubular renal hipercalêmica (tipo 4)

Em adultos, as causas mais comuns são:

  • Nefropatia diabética
  • Nefrite intersticial
  • DRC leve a moderada

Outras causas:

  • Genética:
    • Drepanocitose
    • Défice de 21-hidroxilase
    • Pseudohipoaldosteronismo
  • Autoimune (particularmente lúpus)
  • Fármacos:
    • Diuréticos poupadores de potássio
    • AINEs
    • Inibidores da calcineurina (ciclosporina, tacrolimus)
    • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)
    • Bloqueadores do recetor de angiotensina (ARA)
    • Inibidores da renina
    • Heparina
    • Trimetoprim
    • Pentamidina
  • Diversos:
    • Obstrução crónica do trato urinário
    • Insuficiência adrenal primária
    • Doença grave

Fisiopatologia

Acidose tubular renal distal (tipo 1)

A fisiopatologia da ATR distal (tipo 1) é a alteração da secreção ácida no ducto coletor do túbulo distal.

Processo normal de acidificação urinária:

  • As células intercaladas participam da excreção ácida:
    • Localizadas no ducto coletor do túbulo distal
    • Células α-intercaladas:
      • ATPase-H+/K+ apical (1 H+ para fora da célula, 1 K+ para dentro da célula)
      • ATPase-H+ apical (1 H+ para fora da célula)
      • ATPase-Na+/K+ basolateral
      • Trocador Cl/HCO3 basolateral
    • Células β-intercaladas:
      • Trocador Cl /HCO3 apical (1 HCO3 para fora da célula, 1 Cl para dentro da célula)
      • ATPase-H+/K+ apical (1 H+ para fora da célula, 1 K+ para dentro da célula)
      • ATPase-Na+/K+ basolateral
      • ATPase-H+ basolateral
  • Efeito final
    • As células intercaladas secretam H+ no lúmen tubular
    • O H+ combina-se com NH3+ (amónia) e outros compostos (ácidos tituláveis)
    • São excretados NH4+ (amónio) e ácidos tituláveis.
    • A homeostase ácido-base é mantida

Processos anormais que levam à ATR distal:

  • ↓ Atividade de ATPase-H+/K+ apical (↓ secreção H+ no lúmen tubular)
  • ↑ Permeabilidade do ducto coletor ao H+ :
    • O ducto coletor é normalmente impermeável ao H+:
      • Impede o refluxo de H+ secretado recentemente
      • Permite a excreção de urina mais ácida que o plasma
    • Exemplo: toxicidade pela anfotericina
  • ↓ Reabsorção Na+
  • Alteração da atividade do trocador Cl/HCO3 :
    • ↑ Atividade do trocador apical Cl/HCO3
      • ↑ secreção HCO3 → perda de HCO3 → acidose metabólica
      • Ocorre nas células β-intercaladas
    • ↓ Atividade do trocador Cl/HCO3 basolateral :
      • ↓ secreção HCO3 → acumulação de HCO3 intracelular → ↑ pH intracelular
      • Ocorre ↓ da secreção de H+ via ATPases apicais para corrigir o pH intracelular.
      • Ocorre nas células α-intercaladas

Complicações:

  • Pode ocorrer acidose metabólica grave na ATR distal (tipo 1):
    • HCO3 sérico < 10 mEq/L se não tratada
    • Ocorre no nefrónio distal → não existem processos a jusante para compensar
  • Hipocalemia
  • Hipocitratúria (predispõe à nefrolitíase)
Células intercaladas na rta distal (tipo 1)

Células intercaladas na ATR distal (tipo I)

Imagem por Lecturio.

Acidose tubular renal proximal (tipo 2)

A fisiopatologia da ATR proximal (tipo II) baseia-se na alteração da reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal.

Processo normal de reabsorção de HCO3 no túbulo proximal:

  • Em circunstâncias normais, 80% do HCO3 filtrado é reabsorvido no túbulo proximal.
  • Requer um mecanismo complexo porque o HCO3 não é livremente permeável (devido à carga):
    • O trocador 3 de iões sódio-hidrogénio (NHE3, pela sigla em inglês) absorve Na+ e secreta H+.
    • O H+ secretado combina-se com o HCO3 filtrado para formar H2CO3 no lúmen tubular.
    • O H2CO3 é convertido em H2O e CO2 pela anidrase carbónica apical IV.
    • O CO2 difunde-se livremente através da membrana apical, de volta para a célula.
    • A anidrase carbónica II intracelular converte CO2 + H2O novamente em H2CO3.
    • O H2CO3 pode, então, dissociar-se em H+ e HCO3:
      • O H+ é reciclado em NHE3
      • O HCO3 é absorvido através da membrana basolateral via cotransportador Na+–HCO3 e trocador HCO3 –Cl.
  • Resultados finais de todo o processo:
    • Excreção de H+
    • Absorção de HCO3

Processos anormais que levam à acidose tubular renal proximal (tipo 2):

  • Mieloma múltiplo: as cadeias leves são diretamente tóxicas para as células do túbulo proximal
  • Fármacos que causam toxicidade às células do túbulo proximal através de múltiplos mecanismos
  • Mutações no:
    • NHE3 apical
    • Cotransportador Na+/HCO3 basolateral

Complicações:

  • Acidose metabólica moderada
    • HCO3 sérico de 14–20 mEq/L, mesmo sem tratamento
    • A maioria da capacidade de reabsorção de HCO3 no túbulo proximal está mantida:
      • O limiar para a reabsorção de HCO3, no túbulo proximal, está reduzido
      • HCO3 sérico ↓ até que atinja o novo limite (estado estacionário)
      • A acidificação distal está mantida → a carga ácida diária é controlada sem agravamento da acidose
  • Hipocalemia
  • Síndrome de Fanconi
Reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal

Reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal

CA-IV, pela sigla em inglês: anidrase carbónica IV
CA-II, pela sigla em inglês: anidrase carbónica II

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Acidose tubular renal mista (tipo 3)

O defeito subjacente na ATR do tipo 3 consiste em anomalias tubulares renais proximais e distais, que resultam em acidémia sistémica grave.

  • Mutação AR no gene CA2 no cromossoma 8q22:
    • Deficiência de anidrase carbónica II (CAII, pela sigla em inglês):
      • Defeito na reabsorção proximal de bicarbonato
      • Incapacidade de acidificar a urina, distalmente, no tubo coletor
    • Grave desperdício de bicarbonato:
      • Níveis de bicarbonato sérico perigosamente baixos
      • Desperdício renal concomitante de potássio
    • Hipocalemia:
      • Devido à falha da reabsorção de potássio, dependente da anidrase carbónica
      • Ocorre no nefrónio distal → nenhum processo a jusante para compensar

Acidose tubular renal hipercalémica (tipo 4)

O mecanismo clássico, na maioria dos indivíduos com ATR hipercalémica (ou seja, nefropatia diabética e DRC leve a moderada), é o hipoaldosteronismo hiporreninémico.

  • Ações normais da aldosterona:
    • O efeito final é:
      • Reabsorção de Na+
      • Secreção de K+
      • Secreção de H+
    • Estimula o canal epitelial de Na (ENaC, pela sigla em inglês) na célula principal
      • ↑ Reabsorção de Na+ → ↑ gradiente elétrico para secreção de K+
      • A secreção de K+ ocorre através do canal de potássio medular externo (ROMK, pela sigla em inglês) nas células principais renais.
  • A hipercalemia contribui para a acidose metabólica:
    • O ↑ K+ inibe a amoniagénese no túbulo proximal
    • ↓ do amónio urinário → ↓ excreção ácida
  • Todas as outras etiologias também envolvem algum distúrbio no SRAA → ↓ aldosterona, que pode ser absoluta ou relativa (ou seja, resistência à aldosterona).

Apresentação Clínica

As acidoses tubulares renais, muitas vezes, não têm uma apresentação clínica específica e só são consideradas quando a acidose metabólica é descoberta. Embora alguns indivíduos sejam assintomáticos, muitos apresentam sintomas significativos causados pela etiologia subjacente da ATR, em vez de sintomas da própria acidose.

Acidose tubular renal distal (tipo 1)

  • Adultos:
    • Nefrolitíase inexplicada
    • Síndrome de Sjögren com acidose metabólica inexplicada
  • Crianças:
    • Má progressão estaturo-ponderal
    • Osteomalácia
    • Raquitismo
Mordida aberta em rta

Apresentação dentária de raquitismo, observado na acidose tubular renal distal:
O raquitismo pode ser encontrado em indivíduos com acidose tubular renal distal, pois envolve a perda de cálcio na urina.

Imagem: “Showing open bite” por Department of Pedodontics and Preventive Dentistry, Sharad Pawar Dental College, Sawangi (M), Mahartashtra State, Wardha 442102, India. Licença: CC BY 3.0

Acidose tubular renal proximal (tipo 2)

  • Geralmente ocorre como parte da síndrome de Fanconi, em vez de ocorrer ATR isolada:
    • A síndrome de Fanconi refere-se à disfunção difusa do túbulo proximal
    • Alteração da reabsorção de fósforo, ácido úrico, aminoácidos e glicose
    • Ocorre perda urinária de todas estas substâncias
  • Adultos:
    • Indivíduos com mieloma múltiplo e síndrome de Fanconi
    • Síndrome de Fanconi devido a fármacos
  • Crianças:
    • Doença genética que cause síndrome de Fanconi (cistinose, tirosinemia)
    • Síndrome de Fanconi devido a fármacos

Acidose tubular renal mista (tipo 3)

  • Observada apenas em áreas onde a consanguinidade é comum:
    • Norte de África
    • Arábia Saudita
  • Observada apenas em crianças:
    • Defeitos metabólicos muitas vezes incompatíveis com a sobrevivência até à idade reprodutiva
    • Aqueles que sobrevivem têm poucas probabilidades de se reproduzirem.
  • Observa-se que as crianças afetadas têm:
    • Baixa estatura
    • Doença do “marble brain” → atraso mental
    • Calcificações cerebrais → surdez e cegueira devido à compressão nervosa
    • Dismorfismo facial
    • Osteoporose → fraturas ósseas
    • Nefrolitíase
    • Paralisia hipocalémica aguda (associada a insuficiência respiratória diafragmática)
    • Coma
    • Choque

Acidose tubular renal hipercalémica (tipo 4)

  • Em adultos, geralmente é um achado laboratorial incidental relacionado com:
    • Diabetes
    • DRC leve a moderada
    • Fármacos (AINEs, diuréticos poupadores de K, IECA, ARAs, heparina, trimetoprima)
  • Em crianças, geralmente é causada por doenças genéticas raras:
    • Pseudohipoaldosteronismo tipo 2 (síndrome de Gordon)
    • Hipoaldosteronismo isolado congénito

Diagnóstico

A acidose tubular renal deve ser considerada como diagnóstico diferencial da acidose metabólica sem gap aniónico (NAGMA, pela sigla em inglês).

Passo 1

Uma vez identificada a NAGMA, considerar no diagnóstico diferencial:

  • ATR
  • Diarreia
  • Acidose dilucional (ou seja, soro fisiológico IV excessivo)
  • DRC (precoce a moderada)
  • Derivação urinária para o trato GI (ou seja, fístula ureterossigmoide)
  • Toxicidade do tolueno (cola “huffing”)

Passo 2

Verificar o gap osmolal urinário (UOG, pela sigla em inglês) e/ou o gap aniónico urinário (UAG, pela sigla em inglês).

  • Diferencia a ATR de outra causa de NAGMA, uma vez que as fórmulas aproximam a excreção urinária de amónio:
    • As acidoses tubulares renais, geralmente, não cursam com excreção aumentada de amónio.
    • Outras causas de NAGMA regulam positivamente a excreção de amónio.
  • O gap osmolal urinário é mais útil do que o gap aniónico urinário:
    • O gap aniónico urinário é impreciso em muitas situações clínicas comuns:
      • Hipovolemia
      • Aniões urinários não medidos (isto é, cetoacidose)
      • Disfunção renal
    • O gap osmolal urinário tem em conta estas condições, mas é impreciso se:
      • Infeção do trato urinário positiva para urease
      • Intoxicação por álcool tóxico (e.g., metanol, etilenoglicol)
  • Gap osmolal urinário = osmolalidade urinária medida – osmolalidade urinária calculada
    • Osmolalidade da urina = 2(Na+ + K+) + (BUN/2,8) + (glicose/18)
    • Intervalo de variação do gap osmolal da urina:
      • 10 a 100 = normal
      • < 150 = ATR
      • > 400 = NAGMA não causada por ATR
  • Gap aniónico urinário = urina (Na+ + K+ – Cl)
    • 0–20: normal ou ATR
    • –20 a –50: NAGMA não causada por ATR (ou seja, diarreia)

Passo 3

Para diferenciar os tipos de ATR, avaliar:

Nível de bicarbonato sérico:

  • Distal (tipo 1): < 10 mEq/L
  • Proximal (tipo 2): 14–20 mEq/L
  • Mista (tipo 3): < 3 mEq/L
  • Hipercalémica (tipo 4): >15 mEq/L

pH da urina:

  • Distal (tipo 1): ≥ 5,5
  • Proximal (tipo 2): variável
    • ≥ 5,5 se HCO3 sérico > que o limiar de reabsorção do túbulo proximal
      • No início do curso da doença → ainda não se encontra em estado estacionário
      • Durante o tratamento com bicarbonato
    • < 5,5 se HCO3 sérico ≤ que o limiar de reabsorção do túbulo proximal
      • Não tratado e em estado estacionário
      • Não ocorre perda de HCO3 urinário
  • Mista (tipo 3): variável
  • Hipercalémica (tipo 4): < 5,5

Potássio sérico:

  • Distal (tipo 1): baixo
  • Proximal (tipo 2): baixo
  • Hipercalêmico (tipo 4): alto

Passo 4

Se o diagnóstico ainda não for claro, pode ser realizado um teste de infusão de bicarbonato:

  • Ajuda a diferenciar a ATR distal (tipo 1) da proximal (tipo 2)
  • Raramente realizado na prática
  • O bicarbonato IV é administrado até HCO3 sérico = 18–20 mEq/L.
  • ATR distal (tipo 1)
    • O pH da urina não muda, apesar de ↑ HCO3 sérico
    • A excreção fracionada de HCO3 é < 3% (nível normal)
  • ATR proximal (tipo 2)
    • O pH da urina aumenta à medida que o HCO3 sérico aumenta.
    • A excreção fracionada de HCO3 é > 15% (↑ devido à perda de HCO3).

Tratamento

Princípios gerais na acidose tubular renal distal e proximal

  • O objetivo da terapêutica é normalizar o bicarbonato sérico.
  • A base da terapêutica é a reposição de bases (ou seja, bicarbonato).
  • Podem ser usados o bicarbonato ou o citrato oral:
    • O citrato é convertido em bicarbonato no fígado.
    • Rácio1:1: 1 mEq de citrato torna-se 1 mEq de bicarbonato.
    • O citrato é benéfico no tratamento da nefrolitíase.
  • O potássio sérico deve ser considerado:
    • As preparações com potássio podem ser preferidas se existir hipocalemia.
    • As preparações com sódio são usadas de outra forma.
    • A reposição oral à parte de potássio é frequentemente necessária.
  • A carga de comprimidos é um grande problema:
    • A maioria dos comprimidos de bicarbonato e citrato tem doses relativamente baixas de bicarbonato
    • A dosagem é muitas vezes de vários comprimidos por dose, administrados várias vezes por dia.
    • Predispõe à baixa adesão terapêutica e a uma má qualidade de vida
  • Opções de fármacos:
    • Bicarbonato de sódio sem receita
      • 1 colher de chá = 54 mEq de bicarbonato de sódio
      • Opção mais económica
      • Útil quando são necessárias altas doses para ajudar a reduzir a carga de comprimidos
    • Comprimidos de bicarbonato de sódio
    • Comprimidos de bicarbonato de potássio
    • Citrato de sódio líquido
    • Comprimidos de citrato de potássio ou líquido

Acidose tubular renal distal (tipo 1)

  • Bicarbonato oral (ou equivalente): 1–2 mEq/kg/dia em doses divididas
  • Relativamente fácil de corrigir, porque a reabsorção de HCO3 no túbulo proximal é normal
  • Também pode exigir suplementação de potássio

Acidose tubular renal proximal (tipo 2)

O tratamento da ATR proximal é mais complicado do que simplesmente substituir o bicarbonato:

Justificação:

  • Algum bicarbonato suplementar será sempre desperdiçado na urina:
    • São necessárias doses muito mais altas de bicarbonato.
    • Muitas vezes incapazes de normalizar o bicarbonato sérico, independentemente do tratamento
  • A perda de bicarbonato resulta no agaravamento da hipocalemia:
    • O HCO3 viaja através do nefrónio ligado ao Na + (NaHCO3).
    • ↑ NaHCO3 → ↑ entrega distal de Na+ às células principais do ducto coletor
    • ↑ Reabsorção de Na+ pelo canal ENaC → ↑ Secreção de K+ pelo canal ROMK

O tratamento envolve uma abordagem combinada:

  • Interromper qualquer fármaco/medicação ofensiva, se possível.
  • Tratar a condição subjacente, se possível.
  • Suplementar com bicarbonato:
    • Bicarbonato oral
    • A hidroclorotiazida pode ser usada para melhorar a carga de comprimidos:
      • Diurético → contração leve do volume → estimula a reabsorção de Na+ e HCO3 no túbulo proximal
      • O efeito colateral é o agravamento da hipocalemia
  • Suplementação de potássio:
    • Muito mais problemático do que na ATR distal (tipo 1)
      • Exacerbado pela bicarbonatúria
      • Exacerbado pelo uso de tiazida
    • Geralmente, requer mais K+ do que o incluído nos suplementos de bicarbonato
    • Podem ser usados diuréticos poupadores de K+ para ↓ necessidade de suplementação de K
  • Pode ser necessária suplementação adicional na síndrome de Fanconi:
    • Fósforo
    • Vitamina D
  • Monitorização laboratorial frequente de HCO3 , K+ e fosfato séricos

Acidose tubular renal mista (tipo 3)

Devido à sua raridade, não há consenso sobre o tratamento da ATR tipo 3.

  • NaHCO₃ se acidose aguda
  • Suplementação de potássio
  • Suplementação de Vitamina D
  • Litotripsia se cálculos renais
  • Fixação cirúrgica de fraturas ósseas
  • Monitorização laboratorial frequente do HCO3 e K+ séricos

Acidose tubular renal hipercalémica (tipo 4)

O tratamento da ATR hipercalémica difere significativamente das outras formas de ATR, principalmente porque a terapêutica com bicarbonato oral não é o tratamento de primeira linha.

  • Fludrocortisona:
    • Oral de aldosterona análogo
    • O efeito colateral da retenção de Na+ pode limitar a sua utilidade
      • Agrava a hipertensão
      • Pode levar à sobrecarga de volume (edema periférico e pulmonar)
  • Dieta pobre em K+
  • Diuréticos da ansa ou tiazídicos (principalmente se não for possível usar fludrocortisona)
  • A terapêutica oral com bicarbonato geralmente não é usada.

Diagnóstico Diferencial

  • Mieloma múltiplo: discrasia maligna de células plasmáticas que leva a níveis tóxicos de paraproteína sérica. A apresentação cursa com a síndrome CRAB, que inclui hiperCalcemia, insuficiência Renal, Anemia e lesões/dor óssea (Bone lesions/pain). A ATR proximal (tipo 2) também pode estar presente. O diagnóstico é realizado através da eletroforese de proteínas séricas (SPEP, pela sigla em inglês) com imunofixação (IFE, pela sigla em inglês), que identifica a paraproteína anormal (conhecida como M-spike no SPEP). Exames complementares adicionais incluem a eletroforese de proteínas na urina (UPEP, pela sigla em inglês) e a proporção de cadeias leves livres no soro. O tratamento envolve quimioterapia e transplante de células-tronco hematopoiéticas.
  • Pseudohipoaldosteronismo tipo 1: doença rara que se apresenta no período neonatal como hiponatremia, hipercalemia e acidose metabólica (ATR hipercalémica tipo 4). O pseudo-hipoaldosteronismo tipo 1 pode ser diagnosticado através da constatação do aumento da atividade da renina plasmática e de um nível elevado de aldosterona. O tratamento inclui suplementação de sódio e terapêutica agressiva com fluidos e eletrólitos.
  • Cistinose: doença de depósitos lisossómicos autossómica recessiva. É a causa hereditária mais comum da síndrome de Fanconi em crianças e é causada por uma mutação num gene que codifica a proteína transportadora cistinosina. A cistina intralisossomal acumula-se em todo o corpo, inclusive nas células do túbulo proximal, durante o 1º ano de vida (resultando em ATR proximal tipo 2 e síndrome de Fanconi). Ocorre dano renal progressivo (incluindo no glomérulo) e a doença renal em estágio final ocorre durante a infância. O tratamento inclui o agente depletor de cistina cisteamina e terapêutica de substituição renal (incluindo transplante renal).
  • Síndrome de Sjögren: doença autoimune em que tecidos glandulares, como as glândulas salivares e lacrimais, são infiltrados por linfócitos, causando sintomas como olhos secos e boca seca. Há uma ampla gama de manifestações extraglandulares da síndrome de Sjögren, incluindo ATR distal (tipo 1), fenómeno de Raynaud, neuropatia e vasculite cutânea. O diagnóstico é validado pelo exame clínico, estudos serológicos e biópsia das glândulas salivares. É necessária uma abordagem multidisciplinar para tratar os indivíduos afetados e o tratamento visa o alívio dos sintomas.
  • Lúpus eritematoso sistémico (LES): doença autoimune crónica que causa deposição de imunocomplexos nos órgãos, resultando numa ampla gama de possíveis manifestações sistémicas. As características clínicas típicas incluem erupção cutânea malar, artrite não destrutiva, nefrite lúpica, serosite, citopenias, doença tromboembólica, convulsões e/ou psicose. A ATR hipercalémica (tipo 4), também pode estar presente. O diagnóstico é realizado através do preenchimento de critérios clínicos, que incluem anticorpos antinucleares, anticorpos específicos para LES e achados clínicos específicos. As opções de tratamento incluem hidroxicloroquina e fármacos imunossupressores (e.g., prednisona, metotrexato, micofenolato mofetil).
  • Tirosinemia: alteração genética autossómica recessiva causada por um defeito na quebra do aminoácido tirosina, resultando em défice de crescimento durante o 1º mês de vida. Outras manifestações clínicas incluem ATR proximal (tipo 2), síndrome de Fanconi, fezes sanguinolentas, odor a repolho, icterícia, hepatomegalia e vómitos. Sem tratamento, desenvolvem-se cirrose e carcinoma hepatocelular. O tratamento inclui nitisinona e uma dieta pobre em tirosina (ou seja, pobre em proteínas).
  • Doença de Wilson: também conhecida como degeneração hepatolenticular. A doença de Wilson é um distúrbio autossómico recessivo associado a mutações no gene ATP7B, que resultam na acumulação de cobre no fígado, cérebro e córnea. A apresentação cursa com sintomas hepáticos, neurológicos e psiquiátricos. A ATR distal (tipo 1), também pode estar presente. O diagnóstico é estabelecido pela deteção de depósitos de cobre na córnea (anéis de Kayser-Fleischer), ceruloplasmina plasmática baixa e/ou níveis elevados de cobre na urina. O tratamento baseia-se no uso de agentes quelantes de cobre, tais como a penicilamina.

Referências

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