Abcesso Cerebral

O abcesso cerebral é uma condição potencialmente fatal que envolve a acumulação de pus no parênquima cerebral causada por infeção por bactérias, fungos, parasitas ou protozoários. A apresentação mais comum é a cefaleia, a febre com calafrios, convulsões e défices neurológicos. O diagnóstico é feito principalmente por imagem, pois é difícil alcançar um diagnóstico definitivo apenas com base na apresentação clínica. O tratamento inclui a administração de antibioterapia empírica e intervenção cirúrgica. O tratamento imediato é necessário; caso contrário, podem ocorrer complicações neurológicas graves.

Última atualização: Feb 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

O abcesso cerebral é uma coleção infeciosa de pus incomum, mas com risco de vida, no parênquima cerebral.

Epidemiologia

  • Raro em países desenvolvidos, mas a incidência é alta em países em desenvolvimento
  • Mais predominante nos homens que nas mulheres (2:1)
  • Maior incidência em doentes com SIDA
  • A taxa de mortalidade diminuiu com os avanços na imagem cerebral.

Etiologia

Existem 2 vias de propagação da infeção para o cérebro:

  1. A propagação direta, de infeções adjacentes da região da cabeça e pescoço, apresenta-se geralmente como um único abcesso:
    • Otite média (disseminação para o lobo temporal inferior e cerebelo)
    • Mastoidite (propagação para o lobo temporal inferior e cerebelo)
    • Infeção dos seios paranasais (propagação para os lobos frontais)
    • Infeção dentária (propagação para os lobos frontais)
    • Traumatismo craniano/facial
    • Procedimento neurocirúrgico
  2. A disseminação hematogénica de infeções de outras regiões do corpo geralmente apresenta-se com abcessos multifocais na distribuição da artéria cerebral média:
    • Endocardite bacteriana
    • Infeção pulmonar crónica:
      • Abcesso pulmonar
      • Empiema
    • Infeção pélvica
    • Infeção intra-abdominal

Organismos que causam abcesso cerebral:

  • Bactérias:
    • Staphylococcus aureus (mais comum)
    • Streptococcus viridans (2º mais comum)
    • Bacteroides
    • Prevotella
    • Nocardia
  • Fungos:
    • Candida
    • Aspergillus
    • Rhizopus arrhizus
    • Coccidioides
    • Blastomyces dermatitidis
    • Histoplasma capsulatum
  • Protozoários:
    • Toxoplasma gondii
    • Trypanosoma cruzi
    • Entamoeba histolytica
    • Naegleria
    • Acanthamoeba
  • Helmintas:
    • Taenia solium
    • Schistosoma
    • Paragonimus

Fatores de risco:

  • VIH/ SIDA
  • Doentes sob imunossupressores
  • Indivíduos imunocomprometidos
  • Lesão na cabeça ou cirurgia recente
  • Procedimento odontológico recente
  • Utilizadores de drogas IV

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Patogénese

  • O dano ao tecido cerebral é causado pela resposta inflamatória aguda.
  • Fase inicial:
    • Cerebrite
    • 1–2 semanas
    • Apresenta-se com congestão vascular e edema localizado
    • Sem necrose tecidual
  • Fase tardia:
    • Desenvolve-se em 2–3 semanas
    • Liquefação e necrose do tecido
    • Desenvolvimento de cápsula fibrótica composta por 3 camadas:
      • Camada astroglial externa
      • Camada média de colágeno
      • Camada interna de tecido de granulação

Estádios de desenvolvimento do abcesso cerebral após infeção

Cerebrite precoce (dias 1-3):

  • Infiltrado inflamatório agudo
  • Organismos visíveis na coloração
  • Edema circundante

Cerebrite tardia (dias 4-9):

  • Predominantemente macrófagos
  • Infiltrado linfocitário

Formação inicial da cápsula (dias 10-13):

  • O centro necrótico diminui de tamanho.
  • Edema
  • Desenvolvimento da cápsula de colagénio.

Formação tardia da cápsula (dia 14 +):

A cápsula torna-se espessa e é passível de excisão.

Locais (por ordem de frequência)

  • Frontotemporal
  • Frontoparietal
  • Parietal
  • Cerebelar
  • Occipital

Apresentação clínica

  • Tríade clássica:
    1. Cefaleia (sintoma de apresentação mais comum; 70% dos doentes):
      • A dor geralmente localiza-se do lado do abcesso.
      • Não diminui com analgésicos
    2. Febre com calafrios (50%)
    3. Défices neurológicos focais (50%):
      • Afasia
      • Hemiparesia
      • Defeitos de campo visual
  • Convulsões (25%):
    • Especialmente se a lesão estiver localizada no lobo frontal
    • Pode ser devido a lesão focal ou aumento da pressão intracraniana
  • Rigidez do pescoço (15%):
    • Abcesso localizado no lobo occipital
    • Vazamento para o ventrículo lateral
  • Pressão intracraniana aumentada (PIC):
    • Náuseas e vómitos
    • Alteração do estado de consciência
    • Paralisia do 3º e 6º pares cranianos
    • Papiledema (25%)

Diagnóstico

Exame físico

  • Febre
  • Cefaleia focal/unilateral
  • Sinais de aumento de PIC:
    • Papiledema (edema do disco ótico)
    • Défices de pares cranianos unilaterais
    • Hemiparesia

Imagiologia

  • RMN:
    • Mais sensível do que a TAC
    • Realizada com gadolínio
    • Útil no início da cerebrite e para detetar lesões satélite
    • Estima a extensão da necrose e edema cerebral
    • Observa-se a clássica “captação em anel”.
  • TAC:
    • Não é tão sensível quanto a RMN e, portanto, é usada maioritariamente apenas em emergências
    • Realizado com e sem contraste
    • A cerebrite inicial aparece como uma área irregular de baixa densidade.
    • O realce em anel não é tão claro quanto na RMN.

Punção lombar

  • Realizada para:
    • Excluir meningite/meningoencefalite dos diagnósticos diferenciais
    • Obter LCR para análise serológica
  • Obter, primeiro, imagens cerebrais para excluir massa intracerebral, pelo risco de herniação do tronco cerebral.
  • Contraindicado se papiledema ou défices neurológicos focais pelo risco de herniação do tronco cerebral

Aspirado/biópsia do abcesso

  • Obtido por meio de aspiração guiada por imagem ou durante intervenção cirúrgica
  • Testes realizados na amostra:
    • Coloração de Gram
    • Cultura bacteriana aeróbia e anaeróbia
    • Cultura de fungos e micobactérias
    • Histopatologia:
      • Dá um diagnóstico definitivo
      • A amostra é obtida durante a cirurgia ou por biópsia cerebral guiada por imagem.

Serologia de sangue e LCR

  • Indicado se suspeita de abcesso parasitário
  • Pode detetar anticorpos contra T. gondii
  • Pode detetar anticorpos anticisticercos

Vídeos recomendados

Tratamento

O tratamento é baseado numa combinação de tratamento médico e cirúrgico.

Tratamento médico

Antibióticos:

  • O tratamento empírico é direcionado à suspeita etiológica e à origem do abcesso.
  • A administração é por via IV por um período mínimo de 4-8 semanas.
  • Infeção de uma fonte direta:
    • Metronidazol + ceftriaxona/cefotaxima
  • Infeção por disseminação hematogénica:
    • MRSA: vancomicina + metronidazol + ceftriaxona/cefotaxima
    • MSSA: nafcilina/oxacilina + metronidazol + ceftriaxona/cefotaxima
  • Infeção pós-cirúrgica (área da cabeça e pescoço):
    • MRSA: vancomicina + ceftazidima/cefepima ou meropenem
    • MSSA: naficilina/oxacilina + ceftazidima/cefepima ou meropenem
  • Infeção por trauma penetrante:
    • MRSA: vancomicina + ceftriaxona/cefotaxima
    • MSSA: nafcilina/oxacilina + ceftriaxona/cefotaxima
    • Suspeita de infeção por Pseudomonas: vancomicina + cefepima
  • Fonte desconhecida:
    • Esquema normal: vancomicina + metronidazol + ceftriaxona/cefotaxima
    • Suspeita de infeção por Pseudomonas: vancomicina + metronidazol + cefepima

Glucocorticoides:

  • Os glicocorticoides são considerados se efeito de massa substancial.
  • Devem ser descontinuados assim que o estado mental e as manifestações neurológicas tiverem melhorado devido a complicações associadas

Tratamento cirúrgico

Aspiração por agulha:

  • Associado a menos complicações do que a excisão cirúrgica (preferencial)
  • É feito um orifício sob a orientação de imagem.
  • É passada uma agulha de aspiração pelo orifício trepanado.
  • O aspirado é enviado para análise laboratorial/patológica.
  • Contraindicações:
    • Cerebrite precoce sem necrose central evidente (liquefação)
    • Abcesso em regiões vitais ou regiões inacessíveis

Excisão cirúrgica:

  • Associado a mais complicações do que a aspiração por agulha
  • Tratamento preferencial se:
    • Abcesso cerebral traumático (com farpas ósseas/corpos estranhos)
    • Abcessos multiloculados
    • Abscesso cerebral fúngico encapsulado
  • Indicações para excisão cirúrgica após aspiração com agulha:
    • Ausência de melhoria clínica 1 semana após a punção aspirativa
    • Depressão do estado de consciência
    • Aumento da pressão intracraniana
    • Aumento progressivo do diâmetro do abcesso

A intervenção cirúrgica pode ser evitada se:

  • O doente apresenta cerebrite precoce sem evidência de necrose
  • O abcesso está num local vital ou inacessível

Prognóstico

  • A mortalidade é de aproximadamente 10%.
  • A taxa de recuperação total é de 70%.
  • As sequelas neurológicas mais comuns são as convulsões.

Diagnóstico Diferencial

  • Neurocisticercose: cistos no cérebro causados por uma infeção do parasita Taenia solium. Apresenta-se com epilepsia, cefaleia, pressão intracraniana elevada, demência e disartria. O diagnóstico é confirmado por imagem. O tratamento inclui antiparasitários e possível intervenção cirúrgica.
  • Tumor intracraniano: um crescimento benigno ou maligno de células no cérebro que se apresenta como dor de cabeça, náuseas ou vómitos inexplicáveis, visão turva e dificuldade na fala ou audição. O diagnóstico baseia-se sobretudo na imagem (RMN ou TAC) e no exame neurológico. O tratamento inclui radiação, quimioterapia e cirurgia.
  • Encefalite: inflamação infeciosa do parênquima cerebral. Apresenta-se com febre, dor de cabeça, dores nos músculos e articulações e fadiga. Diagnosticado por imagem, análise de LCR, exames laboratoriais e eletroencefalograma. Raramente se apresenta com rigidez nucal e fotofobia. As convulsões são comuns. Para tratar a encefalite são usados fármacos anti-inflamatórios e antivirais e tratamento de suporte.
  • Meningite: inflamação das meninges geralmente causada por uma infeção bacteriana ou viral. Apresenta-se clinicamente com cefaleia, febre e rigidez da nuca e é diagnosticado com base na apresentação clínica, análises sanguíneas, análise de LCR e imagem. O tratamento inclui tratamento de suporte e antimicrobianos direcionados contra o agente infecioso.

Referências

  1. Southwick FS. (2020). Pathogenesis, clinical manifestations, and diagnosis of brain abscess. UpToDate. Retrieved April 22, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-clinical-manifestations-and-diagnosis-of-brain-abscess
  2. Southwick FS. (2019). Treatment and prognosis of bacterial brain abscess. UpToDate. Retrieved April 22, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prognosis-of-bacterial-brain-abscess
  3. Brook I. (2021). Brain Abscess. Medscape. https://reference.medscape.com/article/212946-overview
  4. Cerebral Abscess. Johns Hopkins Medicine. https://www.hopkinsmedicine.org/health/conditions-and-diseases/cerebral-abscess
  5. Bokhari MR, Mesfin FB. (2020). Brain Abscess. NCBI. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441841/

Aprende mais com a Lecturio:

Complementa o teu estudo da faculdade com o companheiro de estudo tudo-em-um da Lecturio, através de métodos de ensino baseados em evidência.

Estuda onde quiseres

A Lecturio Medical complementa o teu estudo através de métodos de ensino baseados em evidência, vídeos de palestras, perguntas e muito mais – tudo combinado num só lugar e fácil de usar.

User Reviews

Details