Perturbação de Conversão

A perturbação de conversão (PC), também conhecida por perturbação dos sintomas neurológicos funcionais, é uma condição psiquiátrica caracterizada por défices motores ou sensoriais proeminentes que não são compatíveis com qualquer condição médica neurológica conhecida. Estes défices não são produzidos de forma consciente. Os doentes apresentam normalmente prejuízo na sua vida social e profissional, mas também podem não se preocupar adequadamente com os seus sintomas. O tratamento baseia-se em educação e psicoterapia.

Última atualização: Nov 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Os valores estimados de prevalência variam, sendo mais prevalente nos serviços de neurologia.
  • Mais frequente no sexo feminino e em doentes com más condições socioeconómicas
  • Surge na adolescência e no início da vida adulta
  • Mais prevalente em doentes com comorbilidades neurológicas ou psiquiátricas

Etiologia

  • A etiologia exata continua desconhecida.
  • Pensa-se resultar numa combinação de fatores psicodinâmicos, de desenvolvimento, biológicos e sociais.
  • Eventos ‘stressores’ na vida são potenciais desencadeadores dos sintomas físicos.
  • Existe evidência de uma má comunicação entre a amígdala e a área motora suplementar, o que causa excitação cortical excessiva.

Apresentação Clínica

A perturbação de conversão apresenta sintomas neurológicos inconsistentes com doença estrutural.

  • Os doentes podem apresentar queixas sensoriais que não representam as distribuições nervosas conhecidas (por exemplo, fraqueza/paresestesias em toda a perna).
  • Os doentes que apresentam convulsões não epileptiformes podem ter características anormais (olhos bem fechados) e devem ser monitorizados com vídeo EEG.

Sintomas motores comuns:

  • Convulsões não epileptiformes (convulsões psicogénicas)
  • Tremor (tremor psicogénico)
  • Alterações da marcha
  • Fraqueza/paralisia

Sintomas sensoriais comuns:

  • Anestesia
  • Alterações da visão (cegueira, diminuição do campo visual)
  • Dificuldades auditivas
  • Alucinações

Diagnóstico

Abordagem geral

  • Associado ao que é conhecido por “la belle indifference”: Os doentes não parecem estar suficientemente preocupados com a gravidade dos seus sintomas.
  • A colheita de história e o exame físico devem começar desde sala de espera até que o doente saia do consultório, uma vez que é possível que se encontrem incongruências.
  • Exames de primeira linha devem incluir:
    • Hemograma
    • Painel metabólico básico
    • Perfil hepático
    • Perfil tiroideo
    • Urinálise
    • Exames toxicológicos
    • Podem ser necessários métodos de imagem.

Critérios de diagnóstico

  • ≥ 1 sintomas de função motora ou sensorial alterada
  • Os achados clínicos evidenciam incompatibilidade entre os sintomas e os achados dos exames médicos.
  • Os sintomas não são explicados por outra perturbação mental ou médica.
  • Os sintomas causam disfunção social, ocupacional ou outra disfunção relacionada com o sofrimento causado pelos sintomas.

Achados específicos

Os seguintes testes podem ajudar na distinção da perturbação de conversão da doença orgânica (se os respetivos défices neurológicos estiverem presentes).

  • Sinal do Hoover:
    • Teste de diagnóstico para distinguir paresia orgânica da perna da não orgânica
    • O doente deve estar em posição supina; o examinador deve colocar as duas mãos debaixo dos calcanhares do doente.
    • O doente é instruído a flexionar o quadril da perna sem paresia
    • O examinador deve segurar o calcanhar contralateral na palma da sua mão.
    • Quando o doente é solicitado para flexionar o quadril da perna com paresia, o examinador deve igualmente sentir o calcanhar contralateral com a palma da sua mão.
    • Positivo: falha do calcanhar contralateral em deprimir→ a cintura do quadril não é ativada para levantar a perna com paresia→ sugestivo de perturbação de conversão
  • Teste de queda do braço:
    • Com o doente está deitado, o braço prejudicado deve ser elevado acima do doente e libertado.
    • Nos doentes com perturbação de conversão, o braço não vai bater no rosto.
Tabela: Diferentes testes para ajudar na distinção entre perturbação de conversão e doença neurológica orgânica
Sintoma Manobra de exame físico Achados característicos na perturbação de conversão
Tremor Distração A intensidade do tremor diminui.
Fraqueza/paralisia
  • Sinal da Hoover
  • Teste de queda do braço
  • Sinal da Hoover: positivo
  • Teste com queda do braço: O braço não vai bater na cara.
Alteração da marcha Teste de cadeira A marcha está prejudicada, mas o doente consegue balançar a cadeira para frente e para trás enquanto se senta.
Anestesia Teste de dermatomas A perda de sensibilidade não é compatível com a distribuição dos nervos ao longo dos dermatomas.
Cegueira Teste dedo ao dedo
  • Pede-se ao doente que junte as pontas dos seus dedos indicadores.
  • As dificuldades para completar a tarefa são sugestivas de perturbação de conversão.
  • Uma pessoa com cegueira real não tem dificuldade em completar a tarefa (a propriocepção é mais importante do que o campo visual).
Surdez Teste de susto O doente fica assustado em resposta a ruídos inesperados.
Tabela: Características da perturbação de conversão em relação a condições semelhantes
Sintomas Preocupação excessiva Achados nos exames clínicos
Perturbação de sintomas somáticos + +
Perturbação de ansiedade de doença +
Perturbação de conversão + Atípicos

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

  • Os médicos devem assegurar aos doentes que os seus sintomas são reais, mas que não representam problemas irreversíveis.
  • Uma abordagem multidisciplinar e uma boa relação terapêutica são aspetos muito importantes.
  • O tratamento de escolha é a psicoterapia, geralmente a TCC.
  • A fisioterapia está indicada para a avaliação e o tratamento do stress subjacente.
  • A farmacoterapia deve ser utilizada quando existem outras doenças psiquiátricas comórbidas, como episódios depressivos ou de ansiedade.

Prognóstico

  • O prognóstico é pobre, com baixas taxas de resposta às atuais opções terapêuticas
  • Uma boa relação médico-doente e uma menor duração dos sintomas são fatores associados a um melhor prognóstico.

Diagnóstico Diferencial

  • Miastenia gravis (MG): doença neuromuscular autoimune causado por disfunção dos recetores de acetilcolina na junção neuromuscular. Os sintomas incluem fadiga, ptose, diplopia, disfagia, dificuldades respiratórias e fraqueza progressiva nos membros, levando a dificuldades de movimento. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica, bem como na deteção de anticorpos e estudos eletrofisiológicos, que são negativos na DC.
  • Perturbação de sintomas somáticos: uma condição em que os doentes se apresentam com 1 ou múltiplas queixas somáticas e pensamentos excessivos sobre a gravidade dos seus sintomas. O tratamento baseia-se na TCC. A perturbação de sintomas somáticos é um diagnóstico de exclusão, pois não há achados nos exames físicos, ao contrário do que acontece na PC.
  • Perturbação de ansiedade de doença: é uma condição crónica caracterizada por uma preocupação prolongada e exagerada com a saúde e possíveis doenças. Os doentes temem ou estão convencidos de que têm uma doença e interpretam sintomas corporais leves ou normais como sinais de uma condição médica grave. O tratamento baseia-se em TCC. Os doentes com CD não apresentam estas preocupações excessivas com a saúde/doença.

Referências

  1. Ali, S, Jabeen, S, Pate, RJ, Shahid, M, Chinala, S, Nathani, M, & Shah, R. (2015). Conversion Disorder- Mind versus Body: A Review. Innovations in clinical neuroscience, 12(5-6), 27–33.
  2. American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: Author
  3. Mehndiratta, MM, Kumar, M, Garg, H, & Pandey, S. (2014). Hoover’s sign: Clinical relevance in Neurology [Abstract]. Journal of Postgraduate Medicine, 60(3), 297-299.
  4. Peeling JL, Muzio MR. Conversion Disorder. (2020). In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK551567/
  5. Sadock, BJ, Sadock, VA, & Ruiz, P. (2014). Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry: Behavioral sciences/clinical psychiatry (11th ed.). Chapter 13, Psychosomatic medicine, pages 465-503. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins.
  6. Harvey, SB, Stanton, BR, & David, AS. (2006). Conversion disorder: Towards a neurobiological understanding. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 2(1), 13–20.

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