Insuficiência Ovárica Primária

A insuficiência ovárica primária (IOP) é uma patologia que resulta da depleção ou disfunção dos folículos no ovário, levando à cessação da ovulação e da menstruação antes dos 40 anos. Esta doença é predominantemente idiopática, mas também pode ocorrer em associação com defeitos cromossómicos e genéticos, incluindo a síndrome de Turner (cariótipo 45, X) e a pré-mutação FMR1. As doentes apresentam sinais e sintomas de menopausa antes dos 40 anos, incluindo oligomenorreia ou amenorreia, secura vaginal (muitas vezes causando dispareunia) e infertilidade. Os principais achados laboratoriais são a elevação da hormona folículo-estimulante (FSH, pela sigla em inglês) e níveis baixos de estrogénio. Após o diagnóstico de IOP estar estabelecido, as doentes devem ser rastreadas com a pesquisa de anticorpos autoimunes contra a suprarrenal, um cariótipo, pesquisa da pré-mutação FMR1 e realização de uma DEXA para avaliação de base. O tratamento inclui a terapêutica de reposição hormonal (TRH), abordagem às questões da fertilidade, conforme desejado, e suporte psicológico.

Última atualização: Jan 25, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definição e Epidemiologia

Definição

A insuficiência ovárica primária (IOP) é uma patologia que resulta da depleção ou disfunção dos folículos no ovário, levando à cessação da ovulação e da menstruação. Esta patologia acompanha-se de níveis elevados de FSH antes dos 40 anos.

Epidemiologia

  • Incidência:
    • 1:100 mulheres com 40 anos
    • 1:250 mulheres com 35 anos
  • 90% dos casos são idiopáticos.
  • 10%–15% das mulheres têm uma familiar em primeiro grau afetada.
  • Patologias associadas:
    • Doenças autoimunes:
      • Insuficiência da suprarrenal/doença de Addison
      • Hipotiroidismo
      • Hipoparatiroidismo
      • Artrite reumatoide
      • Lúpus eritematoso sistémico
    • Alterações cromossómicas e genéticas:
      • Síndrome de Turner
      • Pré-mutação FMR1 do X frágil
    • Outras patologias:
      • Miastenia gravis
      • Síndrome do olho seco

Fisiopatologia

Fisiologia normal do eixo hipotálamo-hipófise-ovário (HPO, pela sigla em inglês)

Hipotálamo:

  • Secreção pulsátil da hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH, pela sigla em inglês)
  • Afetado pelo stress e desnutrição (perturbações alimentares, exercício físico excessivo)

Hipófise:

  • A secreção pulsátil de GnRH estimula a hipófise a libertar gonadotrofinas:
    • FSH
    • Hormona luteinizante (LH, pela sigla em inglês)
  • A FSH estimula a/o:
    • Maturação dos folículos ováricos e dos seus oócitos
    • Desenvolvimento folicular para a secreção de estrogénio
  • A LH estimula a:
    • Produção de testosterona (um precursor do estrogénio)
    • Ovulação, com um pico de LH a meio do ciclo
  • As gonadotrofinas são inibidas pelo estrogénio.

Ovário:

  • Produz os esteróides sexuais sob a influência da FSH e LH
  • O estrogénio estimula a/o:
    • Proliferação endometrial
    • Lubrificação vaginal
    • Crescimento ósseo
  • A progesterona tem ação na:
    • Maturação do endométrio
    • Prevenção da hiperplasia endometrial
    • O término da produção de progesterona desencadeia a hemorragia de privação (menstruação).

Relevância clínica do funcionamento do eixo HPO em mulheres jovens:

  • Fertilidade
  • Função sexual
  • Prevenção da osteoporose
  • ↓ Risco de doença cardiovascular

Fisiopatologia da IOP

  • A IOP ocorre quando:
    • Número de oócitos viáveis remanescentes ↓ gravemente
    • Outra disfunção ovárica → ausência de ovulação regular
  • ↓ Ovulação → ↓ fertilidade
  • ↓ Estrogénio e progesterona ováricos:
    • Ausência de estimulação endometrial → ausência de menstruação
    • Sintomas de menopausa:
      • Sintomas vasomotores: sensações súbitas de calor, suores noturnos
      • Distúrbios do sono
      • Secura vaginal e dispareunia
      • Perturbações do humor
    • ↓ Estrogénio → ↓ inibição da hipófise → FSH

Etiologia

A insuficiência ovárica primária pode ser causada por defeitos cromossómicos e genéticos, um processo autoimune ou toxinas ováricas; no entanto, na grande maioria dos casos, não se identifica uma causa evidente.

Causas genéticas e cromossómicas

  • Síndrome de Turner:
    • Ausência do 2º cromossoma X (cariótipo 45,X), importante para o desenvolvimento das gónadas
    • Devido à presença de células germinativas anormais, a atresia dos oócitos é acelerada
    • A apresentação clínica é variável pela existência de mosaicismo
  • Pré-mutações do gene FMR1:
    • Corresponde ao gene que causa a síndrome do X frágil (FXS, pela sigla em inglês)
    • Pré-mutações: 55–200 repetições CGG
    • O mecanismo de associação com IOP é desconhecido.
  • Outras doenças genéticas:
    • Disgenesia gonadal 46,XX
    • Translocações ou deleções que envolvem o cromossoma X
    • Mutações do recetor de FSH ou LH (por exemplo, síndrome de Savage)
    • Galactosemia

Causas autoimunes

  • Ooforite autoimune:
    • Infiltração linfocítica nas células da teca → inflamação → disfunção folicular
    • Os folículos primordiais não são afetados.
    • Quase sempre associada a anticorpos contra a suprarrenal → insuficiência da suprarrenal
  • Insuficiência poliglandular autoimune (tipos I e II): síndromes associadas a autoanticorpos contra múltiplos órgãos endócrinos e outros

Toxinas ováricas

  • Quimioterapia
  • Radiação
  • Toxinas ambientais

Apresentação Clínica

À apresentação, as principais queixas são geralmente a oligomenorreia ou amenorreia (primária ou secundária). A gravidez deve ser sempre excluída em primeiro lugar, mesmo em doentes que negam relações sexuais.

  • Alterações do ciclo menstrual:
    • Amenorreia primária: a doente nunca teve um ciclo menstrual.
    • Amenorreia secundária:
      • Ausência de menstruação durante 3 meses com uma história pregressa de ciclos regulares
      • Ausência de menstruação durante 6 months com uma história pregressa de ciclos irregulares
      • Ausência de menstruação durante 3 períodos correspondentes a ciclos típicos da doente
    • Oligomenorreia: ↓ frequência da menstruação (ciclos > 35 dias)
  • Sinais e sintomas de défice estrogénico:
    • Sintomas vasomotores:
      • Sensações súbitas de calor
      • Suores noturnos
    • Distúrbios do sono
    • Secura vaginal (atrofia) → relação sexual dolorosa (dispareunia)
    • Perturbações do humor (especialmente irritabilidade)
  • Infertilidade
  • Sintomas de patologias associadas:
    • Sinais da síndrome de Turner:
      • Baixa estatura
      • Tórax em escudo com os mamilos muito afastados
      • Implantação baixa do cabelo
    • Sinais e sintomas de doenças da tiroide:
      • Aumento de volume da tiroide
      • Mudança dos hábitos intestinais (obstipação/diarreia)
    • Sinais de insuficiência da suprarrenal:
      • Hipotensão
      • Vitiligo
      • Perda de pelos púbicos e axilares
Sintomas da menopausa

Sintomas da menopausa que também são observados na IOP

Imagem: “Symptoms of menopause” por Mikael Häggström. Licença: CC0

Diagnóstico

Critérios de diagnóstico (são necessários os 3)

  • < 40 anos
  • Oligomenorreia ou amenorreia durante, pelo menos, 4 meses
  • ↑ FSH
    • Necessita de 2 medições com níveis ↑ com > 1 mês de intervalo
    • Nas doentes que menstruam, deve ser medida no dia 3 do ciclo

Avaliação laboratorial e imagiológica inicial

  • Níveis hormonais:
    • FSH
    • ↓ Estradiol
    • ↓ Hormona anti-Mülleriana (AMH, pela sigla em inglês): teste da reserva ovárica
  • Excluir outras causas de irregularidades menstruais:
    • Teste de gravidez
    • Hormona estimuladora da tiroide
    • Prolactina
  • Ecografia pélvica:
    • Avaliar o número de folículos presentes.
    • Procurar por sinais que sugiram outras causas de alterações menstruais (por exemplo, ovários de aparência poliquística, anomalias müllerianas).
Histologia normal vs células tumorais do ovário

Imagens histológicas que demonstram a diferença entre uma biópsia ovárica normal à esquerda, com um número normal de folículos, e uma biópsia ovárica de uma doente com IOP à direita, onde se observa uma diminuição significativa do número de folículos e oócitos ováricos.
É de salientar que as biópsias ováricas não são tipicamente obtidas para fins diagnósticos.

Imagem à esquerda: “Granulosa Cell Tumor of the Ovary” por Ed Uthman. Licença: CC BY 2.0
Imagem à direita: “Histological analysis” por Department of Neuroscience and Biomedical Technologies, University of Milan-Bicocca, via Cadore 48, 20052, Monza, Italy. Licença: CC BY 2.0, editada por Lecturio.

Avaliações de follow-up, após o diagnóstico de IOP

  • Cariótipo: procurar a síndrome de Turner
  • Ratreio da pré-mutação FMR1
  • Anticorpos contra a suprarrenal (anticorpos 21-hidroxilase): Procurar por insuficiência da suprarrenal.
  • Exame DEXA: Avaliar a densidade óssea basal.

Tratamento e Complicações

Terapêutica de reposição hormonal

A terapêutica de reposição hormonal (TRH) serve para prevenir a osteoporose e doenças cardiovasculares. Os regimes terapêuticos devem incluir estrogénio e progestagénios.

  • Deve realizar-se uma substituição fisiológica da hormona, com o intuito de imitar o ciclo natural:
    • Estradiol:
      • Administrado continuamente
      • A via transdérmica tem um risco menor que a oral
    • Progestagénios:
      • Administrado ciclicamente (por exemplo, realizado durante 2 semanas, pausa de 2 semanas)
      • Progesterona micronizada (fisiológica)
      • Acetato de medroxiprogesterona (sintético)
  • Se a doente deseja realizar contraceção: pílulas anticoncecionais orais combinadas (OCPs, pela sigla em inglês)

Tratamento de outros problemas associados e potenciais complicações

  • Assistência à fertilidade (se desejada)
  • Aconselhamento/apoio emocional
  • Rastrear e tratar complicações:
    • Insuficiência da suprarrenal
    • Hipotiroidismo autoimune
    • Osteoporose
    • Doença cardiovascular

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome do ovário poliquístico (SOP): Corresponde a uma síndrome de anovulação crónica, que se apresenta clinicamente com ciclos menstruais irregulares e infrequentes, bem como com sinais de hiperandrogenismo. Associa-se à síndrome metabólica, sobretudo com a resistência à insulina. As doentes, normalmente, são obesas. Geralmente, apresentam níveis elevados de LH e androgénio com FSH normal. Na ecografia podem visualizar-se ovários de aparência poliquística. Tipicamente, o tratamento passa pela prescrição de OCPs e abordagem às questões da fertilidade.
  • Amenorreia hipotalâmica funcional: patologia com hipogonadismo hipotalâmico causado pela inibição de todo o eixo HPO. Geralmente causada por stress ou subnutrição (por exemplo, perturbações do comportamento alimentar, exercício físico excessivo). Pode apresentar-se de forma semelhante à IOP, no entanto, na amenorreia hipotalâmica funcional a FSH está diminuída, enquanto na IOP está elevada. O tratamento envolve a abordagem do problema subjacente, geralmente com psicoterapia e/ou melhoria dos hábitos nutricionais e de exercício.
  • Candro do ovário: pode levar a uma alteração da função ovárica normal, causando amenorreia. Os tumores do estroma dos cordões sexuais podem secretar estrogénio ou andrógenos, o que leva a perturbações na ovulação. A ecografia pélvica faz o diagnóstico; o tratamento inicial geralmente é cirúrgico. Na presença de folículos viáveis remanescentes, pode ser retomada a ovulação após o tratamento.
  • Insuficiência da suprarrenal/doença de Addison: perda da função da suprarrenal, o que resulta na diminuição da produção de mineralocorticoides, glucocorticoides e esteroides sexuais, particularmente os androgénios. Os doentes apresentam-se frequentemente com choque por perda salina e hipotensão. Aproximadamente, 25% das mulheres têm amenorreia; estas mulheres podem não ter pelos púbicos e axilares, devido à baixa produção de androgénios pela suprarrenal. O tratamento é complexo, mas envolve esteroides e o controlo de fluidos e eletrólitos.
  • Hipotiroidismo: défice de hormona tiroideia. Esta patologia pode apresentar-se com oligomenorreia ou amenorreia, afetando negativamente a fertilidade. Estes efeitos devem-se provavelmente às semelhanças estruturais entre a hormona estimuladora da tiroide com a FSH e LH, bem como à diminuição nos níveis da globulina de ligação às hormonas sexuais (SHBG, pela sigla em inglês). Outros sintomas incluem a queda de cabelo, pele seca, unhas quebradiças, edema periorbital, obstipação e fadiga. Devido aos níveis baixos de tiroxina, a hormona estimuladora da tiroide está elevada. O tratamento é feito com levotiroxina.
  • Hiperprolactinemia: patologia onde os níveis elevados de prolactina inibem a secreção pulsátil de GnRH, que diminui a FSH, suprimindo o desenvolvimento folicular. Além das alterações menstruais, as doentes podem apresentar secreções mamilares ou galactorreia. As causas mais comuns incluem medicamentos que aumentam a prolactina e os adenomas hipofisários. O tratamento dos adenomas é com agonistas da dopamina, que diminuem a prolactina.

Referências

  1. Welt, C. K. (2020). Clinical manifestations and diagnosis of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). In Martin, K. A. (Ed.), UpToDate. Retrieved February 3, 2021 from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-spontaneous-primary-ovarian-insufficiency-premature-ovarian-failure
  2. Welt, C. K. (2020). Pathogenesis and causes of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). In Martin, K. A. (Ed.), UpToDate. Retrieved February 3, 2021 from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-and-causes-of-spontaneous-primary-ovarian-insufficiency-premature-ovarian-failure
  3. Welt, C. K. (2020). Management of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). In Martin, K. A. (Ed.), UpToDate. Retrieved February 3, 2021 from https://www.uptodate.com/contents/management-of-spontaneous-primary-ovarian-insufficiency-premature-ovarian-failure
  4. Pellegrini, V.A. (2016). Ovarian insufficiency. In Lucidi, R.S. (Ed.) Medscape. Retrieved February 4, 2021 from https://emedicine.medscape.com/article/271046-overview

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