Hidrocefalia de Pressão Normal

A hidrocefalia de pressão normal (HPN) é uma doença neurodegenerativa que cursa com ventrículos aumentados, com pressão de abertura normal na punção lombar. Clinicamente, caracteriza-se pela tríade de alterações da marcha, demência e urgência ou incontinência urinária. Esta patologia pode ser idiopática, ou secundária a hemorragia intraventricular ou subaracnoideia. Os sintomas podem ser semelhantes aos observados nas doenças de Alzheimer e Parkinson. O diagnóstico da HPN é clínico, sendo realizada a punção lombar e neuroimagem. O tratamento consiste na criação de um shunt cirúrgico para drenar o excesso de líquido cefalorraquidiano (LCR) dos ventrículos cerebrais.

Última atualização: Jun 23, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A hidrocefalia de pressão normal (HPN) é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela tríade de demência, alterações progressivas da marcha e urgência ou incontinência urinária.

Epidemiologia

  • Forma mais frequente de hidrocefalia em adultos
  • Incidência: 2–20 casos por milhão por ano
  • Prevalência:
    • HPN secundária: A prevalência não é determinada pela idade.
    • HPN idiopática: A prevalência aumenta com a idade (normalmente > 60 anos):
      • 0,2% em indivíduos com 70–79 anos
      • 6% em indivíduos com idade > 80 anos
  • Representa cerca de 6% de todos os casos de demência
  • Distribuição igualitária por sexo

Etiologia

  • Idiopática: sem causas identificáveis
  • Causas secundárias:
    • Mais comum: hemorragia intraventricular e subaracnoideia (mais comum)
    • Meningite aguda ou crónica
    • Traumatismo cranioencefálico (TCE)
    • Doença de Paget (rara)

Fisiopatologia

A fisiopatologia da HPN não está esclarecida.

  • Possíveis mecanismos que contribuem:
    • Hidrocefalia congénita subclínica
    • LCR com fluxo hiperdinâmico
    • Espaço subaracnóideo com complacência reduzida
    • Diminuição da reabsorção do LCR
    • Fluxo sanguíneo cerebral reduzido
    • Aumento da pressão venosa central
  • Consequências:
    • Acumulação de LCR no crânio
    • Aumento da Pressão Intracraniana (PIC) → compressão das fibras do trato corticoespinhal (proximal aos ventrículos laterais) e tronco encefálico (núcleo pedunculopontino) → alterações da marcha
    • Aumento dos ventrículos → má perfusão intersticial e isquemia → consequente desvio do córtex cerebral contra os ossos do crânio → demência
    • Compressão das fibras sacrais periventriculares do trato corticoespinhal → perda do controlo supraespinhal na contração da bexiga → incontinência urinária

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Os familiares ou cuidadores podem descrever mudanças de personalidade e/ou comportamento e polaquiúria ou incontinência urinária.

Apresentação clínica

  • Tríade clássica de sintomas:
    • Alterações progressivas da marcha
    • Demência
    • Urgência e/ou incontinência urinária
    • Mnemónicas:
      • “Molhado, maluco e trémulo” = incontinência, demência e disfunção da marcha
      • “AID” = ataxia, incontinência e demência
  • Alterações da marcha:
    • 1.º sintoma e o mais comum
    • Marcha arrastada ou de base alargada
    • Rotação externa dos pés
    • Necessidade de múltiplos passos para se voltar
    • ‘Freezing’ da marcha (marcha congelada)
  • Demência:
    • Disfunção executiva
      • Processos complexos que requerem a integração de tarefas e comportamentos detalhados, orientados para determinados objetivos
      • Fraca capacidade de julgar
      • Desorganização
      • Comportamento social inadequado
    • Atraso psicomotor
    • Redução da atenção e concentração
    • Apatia
  • Urgência e/ou incontinência urinária:
    • As alterações da marcha podem prejudicar a chegada à casa de banho com urgência.
    • Fases tardias → falta de preocupação com a incontinência
  • Sintomas que não se observam na HPN, mas que estão presentes quando ocorre aumento da PIC:
    • Cefaleias
    • Náuseas e vómitos
    • Perda visual
    • Papiledema

Diagnóstico

  • História clínica e exame objetivo:
    • A presença de todas as 3 características não é necessária para o diagnóstico. Este requer alteração da marcha associada a ≥ 1 dos outros 2
    • Avaliação cognitiva com recuso ao Mini-Exame do Estado Mental (MMSE, pela sigla em inglês)
    • Excluir possíveis efeitos laterais da medicação
  • Estudo analítico—excluir causas reversíveis de demência:
    • Níveis da vitamina B12
    • Estudo da função tiroideia
  • Punção lombar (PL) com drenagem de grande volume:
    • Documentar a função da marcha antes de realizar a PL:
      • Velocidade da marcha
      • Comprimento dos passos
      • Número de passos necessários para dar uma volta de 360 graus
      • Gravar um vídeo pode ser útil para comparar com a função após a PL.
    • Na HPN observa-se uma pressão de abertura normal (6–20 cm H2O).
    • É necessário remover 30–50 mL de LCR.
    • A documentação de melhoria na função da marcha 30-60 minutos após o procedimento sugere um melhor resultado após a criação de um shunt ventriculoperitoneal (VP).
  • Imagiologia:
    • Raio-X: considerar radiografia da coluna cervical ou lombar para avaliar a presença de espondilose como causa da disfunção da marcha.
    • Ressonância Magnética (RM) cerebral:
      • Ventriculomegalia
      • Alterações características na substância branca periventricular com elevada captação de sinal
      • Aumento do espaço subaracnóideo
      • Alargamento da fissura de Sylvius
      • Um fluxo de LCR > 24,5 mL/min é 95% específico para HPN.
Ilustração de dw-mri muda de localização

Ressonância magnética de uma Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN):
Denota-se o alargamento dos ventrículos, desproporcional em relação ao grau de atrofia cerebral.

Imagem: “Illustration of DW-MRI changes location”. Licença: CC BY 4.0, adaptado por Lecturio.

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

O tratamento da HPN consiste na criação de um shunt ventricular.

  • Tipos de shunts:
    • Ventriculoperitoneal: comunicação criada cirurgicamente entre o ventrículo lateral e a cavidade peritoneal
    • Ventrículo-auricular: cateter do ventrículo lateral para o coração
  • Preditores de eficácia do shunt:
    • Aparecimento precoce de alteração da marcha
    • A alteração da marcha é o sintoma mais evidente
    • Duração dos sintomas <6 meses
    • Resposta clínica à remoção de LCR através da PL
    • Ausência de indicadores de mau prognóstico:
      • Aparecimento precoce de demência
      • Demência por > 2 anos
      • Alcoolismo
  • Complicações dos shunts:
    • Drenagem excessiva:
      • Complicação mais comum no primeiro ano
      • Pode ser assintomática ou apresentar-se com cefaleias
      • Sinais radiológicos: derrames subdurais ou hematoma subdural por rotura das veias em ponte
    • Infeção
    • Convulsões
    • Hemorragia intracerebral durante a colocação do cateter em 3%–6% dos doentes
    • Bloqueio da derivação
    • Aparecimento de arritmias durante a colocação do cateter na criação dos shunts ventrículo-auriculares

Prognóstico

  • Após a cirurgia, os doentes têm 80%–90% de probabilidade de melhoria.
  • Os piores resultados são observados com:
    • Demência grave ou demência como sintoma de apresentação
    • Doença cerebrovascular concomitante
    • Presença de atrofia cerebral e múltiplas lesões na substância branca em ressonância magnética
    • Reconhecimento tardio

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Alzheimer: doença neurodegenerativa progressiva que causa atrofia cerebral, manifestando-se com declínio da memória, cognição e capacidades sociais. Foram descritos vários defeitos genéticos e fatores de risco para a doença de Alzheimer, porém, na maioria dos casos não existe uma causa esclarecida. O diagnóstico baseia-se no exame clínico, testes neuropsiquiátricos e em exames de imagem. Não existe um tratamento curativo, mas a gestão dos sintomas com fármacos, como inibidores da colinesterase e outros, pode atrasar a progressão da doença.
  • Demência com corpos de Lewy (DCL): acredita-se que os corpos de Lewy sejam prejudiciais para as funções mentais relacionadas com o pensamento, movimento, comportamento e humor. A presença de corpos de Lewy altera o nível de neurotransmissores e neuromoduladores no cérebro, nomeadamente a dopamina. O diagnóstico baseia-se nos sintomas e na ressonância magnética. O tratamento é sintomático consoante as manifestações específicas da doença.
  • Demência frontotemporal: doença neurodegenerativa caracterizada pela perda de funções cognitivas (memória, pensamento abstrato, raciocínio e função executiva) que prejudica gravemente o funcionamento e a qualidade de vida. Os doentes apresentam-se com alterações comportamentais, como apatia. O diagnóstico é baseado em entrevistas com cuidadores/familiares e exames de imagem para excluir outra patologia. O tratamento é farmacológico e não farmacológico, e visa a redução dos sintomas.
  • Doença de Parkinson: doença neurodegenerativa progressiva e crónica. Apesar da etiologia da doença de Parkinson ser desconhecida, existem vários fatores de risco genéticos e ambientais em estudo. Os doentes apresentam tremor em repouso, bradicinesia, rigidez e instabilidade postural. O diagnóstico é clínico. O tratamento consiste em cuidados de suporte, físicos e emocionais, para além de fármacos como a levodopa/carbidopa, inibidores da monoamina oxidase tipo B e agonistas da dopamina.
  • Parkinsonismos atípicos: A paralisia supranuclear progressiva (PSP) e a degeneração corticobasal (DCB) são doenças neurodegenerativas caracterizadas por apresentarem características semelhantes às da doença de Parkinson, mas com fisiopatologia diferente. Tanto a PSP como a DCB apresentam manifestações cognitivas e sintomas motores. O diagnóstico é clínico e com ressonância magnética. O tratamento é de suporte e com levodopa/carbidopa para a PSP, sem efeito nos sintomas da DCB. O uso de outros fármacos pode ajudar nos tremores, mioclonias e na disfunção cognitiva.

Referências

  1. Das, J.M., Biagioni, M. C. (2021). Normal pressure hydrocephalus. StatPearls. Retrieved August 18, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK542247/
  2. Berkowitz, A.L. (2016). Delirium, dementia, and rapidly progressive dementia. Chapter 22 of Clinical Neurology and Neuroanatomy: A Localization-based Approach. McGraw-Hill Education. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1160205112
  3. Graff-Radford, N.R. (2020). Normal pressure hydrocephalus. UpToDate. Retrieved August 18, 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/normal-pressure-hydrocephalus
  4. Sharma, R., Singh, G. (2020). Normal pressure hydrocephalus. Retrieved August 23, 2021, from https://radiopaedia.org/articles/normal-pressure-hydrocephalus?lang=us
  5. Williams, M.A., Malm, J. (2016). Diagnosis and treatment of idiopathic normal pressure hydrocephalus. Continuum 22:579–599. DOI: 10.1212/CON.0000000000000305

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