Delirium

O delirium é uma condição médica caracterizada por uma alteração aguda da atenção e consciência. Os sintomas podem flutuar ao longo do dia e envolver défices de memória e desorientação. Existem muitas causas para o delirium. O reconhecimento precoce e o diagnóstico preciso constituem os primeiros passos para o tratamento adequado. O objetivo principal do tratamento é identificar e reverter a causa subjacente e prevenir episódios futuros. A farmacoterapia está reservada para os casos mais graves de agitação.

Última atualização: Jun 15, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

  • Delirium é definido como uma alteração aguda nos níveis de consciência e cognição.
  • Os sinais e sintomas desenvolvem-se durante um curto período (horas a dias), mas podem flutuar ao longo do dia.
  • O delirium é considerado uma emergência neurológica aguda com taxas elevadas de morbilidade e mortalidade.
  • Embora o delirium seja uma condição potencialmente fatal, é tratável e potencialmente reversível com reconhecimento e tratamento precoces.

Epidemiologia

  • Mais prevalente em doentes graves, tais como os que se encontram nas UCIs
  • A prevalência pode chegar aos 80% em doentes sob ventilação mecânica.
  • A prevalência é alta entre doentes submetidos a procedimentos cirúrgicos (até 50% após tratamento de fratura da anca ou procedimentos cardíacos).

Fisiopatologia

  • A fisiopatologia exata do delirium é desconhecida.
  • Existem várias hipóteses para explicar os potenciais mecanismos do delirium:
    • Neuroinflamação secundária a níveis elevados de cortisol e citocinas
    • Alterações na via colinérgica (como visto no uso de fármacos anticolinérgicos)
    • Desequilíbrio de neurotransmissores, especificamente o excesso de atividade dopaminérgica

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Etiologia

Fatores predisponentes e precipitantes

Predisponentes:

  • Idade > 70 anos (mais comum)
  • História de défice cognitivo, doença de Parkinson ou AVC
  • Distúrbios do sono

Precipitantes:

  • Infeções
  • Respostas adversas a fármacos
  • Distúrbios hidroeletrolíticos
  • Desidratação
  • Imobilização

Etiologia

A sigla “DELIRIUM” pode ser útil para lembrar as etiologias mais comuns da doença.

  • Drug: (Fármacos)
    • Vários fármacos (o risco aumenta à medida que o número de fármacos aumenta)
    • Intoxicação ou abstinência:
      • Fármacos prescritos
      • Drogas ilícitas
      • Álcool
    • Classes de fármacos que podem causar delirium:
      • Opiáceos/opioides
      • Benzodiazepinas
      • Barbitúricos
    • Também inclui toxinas
    • Também inclui interações medicamentosas
  • Environmental and emotional factors: (Fatores ambientais e emocionais)
    • Fatores ambientais:
      • Hospitalização
      • Imobilização (e.g., falta de dispositivos de assistência)
    • Fatores emocionais:
      • Ansiedade
      • Depressão
      • Dor
  • Low oxygen: (Baixo oxigénio)
    • Hipóxia
    • Hipercapnia
  • Infection: (Infeção)
    • Pneumonia
    • Úlceras cutâneas
    • Infeção do trato urinário
    • Sépsis
  • Retention: (Retenção)
    • Retenção urinária
    • Obstipação
    • Estados de sobrecarga de volume
  • Intracranial abnormality: (Alteração intracraniana)
    • Convulsões
    • Acidentes cerebrovasculares
    • Neoplasia
    • Trauma
  • Underhydration/undernutrition: (Desidratação/desnutrição)
    • Ingestão oral insuficiente
    • Alcoolismo crónico
  • Metabolic: (Metabólico)
    • Desequilíbrio eletrolítico
    • Enzimas hepáticas elevadas
    • Níveis elevados de amónia
    • Enzimas renais elevadas (uremia)
    • Desequilíbrio das hormonas tiroideias

Apresentação Clínica

Características chave do delirium

  • Alteração do estado de consciência
  • Desorientação
  • Alteração na função cognitiva e memória
  • Início rápido (em horas a dias)
  • Flutuação imprevisível dos sintomas num determinado dia

Classificação do delirium

Com base nos principais tipos de sintomas

  • Delirium hiperativo:
    • Hipervigilante e altamente desperto
    • Inquieto
    • Agitado
    • Pode ter alucinações
    • Distúrbios do sono
  • Delirium hipoativo:
    • Desatento, letárgico
    • Diminuição dos níveis de atividade
    • Pensamento e discurso lentos
    • Pode ter alucinações
    • Distúrbios de sono
  • Delirium misto: uma mistura de características de delirium hiper e hipoativo

Diagnóstico

História e exame

  • O delirium é, geralmente, um diagnóstico clínico baseado na apresentação com alteração do estado mental.
  • Frequentemente diagnosticado como demência ou depressão
  • Devido ao estado de confusão do doente, é imperativo obter a história dos cuidadores, sempre que possível.
  • É necessário um exame físico completo, incluindo um exame neurológico completo.
  • O exame do estado mental e os testes de rastreio cognitivo podem definir uma linha de base para documentar o curso clínico do doente: O método de avaliação de confusão (CAM, pela sigla em inglês) pode ser fornecido rapidamente a um cuidador ou enfermeiro para fazer o rastreio do delirium.

Estudos de laboratório e imagem

  • Estudos padrão:
    • Hemograma
    • Eletrólitos
    • Hormona estimuladora da tiroide (TSH, pela sigla em inglês)
    • Vitamina B12 e folato
    • Análise de urina
    • Anticorpos VIH
    • Reagina plasmática rápida
    • Radiografia torácica
    • ECG
    • EEG
  • Testes auxiliares:
    • Punção lombar e análise do LCR
    • Culturas de sangue/urina
    • TAC
    • RMN

Tratamento

Descrição Geral

  • Os pilares do tratamento incluem a redução dos fatores predisponentes e precipitantes.
  • Todas as causas subjacentes do delirium devem ser encontradas e tratadas.
  • Não existem fármacos aprovados pela FDA para o tratamento do delirium.

Intervenções não farmacológicas

  • Fornecem suporte sensorial, ambiental e físico:
    • Presença da família ou cuidador regular do doente
    • O ambiente do doente não deve ter privação ou sobrecarga sensorial.
  • Manter a hidratação e o estado nutricional adequado.
  • Prevenir lesões cutâneas e úlceras.
  • As restrições físicas devem ser usadas apenas como último recurso em caso de agitação intensa.

Farmacoterapia

  • A farmacoterapia é reservada para casos graves, quando o doente fica muito agitado, colocando em risco a sua própria segurança ou a de terceiros.
  • Tratamento da agitação de 1ª linha: antipsicóticos de 1ª geração (e.g., haloperidol)
  • Tratamento da agitação de 2ª linha: antipsicóticos de 2ª geração (e.g., quetiapina, olanzapina)
  • Os inibidores da colinesterase não têm papel na redução da incidência do delirium.
Tabela: Fármacos frequentemente prescritos para o tratamento do delirium
Classe do fármaco Indicações Efeitos adversos
Antipsicóticos de 1ª geração Pequenas doses conforme necessário para controlo da agitação severa
  • Prolongamento QTc
  • Sintomas extrapiramidais
  • Aumento do risco de síndrome neuroléptica maligna
Antipsicóticos de 2ª geração
  • Pequenas doses conforme necessário para controlo da agitação severa
  • Melhor tolerados do que os antipsicóticos de 1ª geração
  • Prolongamento QTc
  • Sintomas extrapiramidais
  • Aumento do risco de síndrome neuroléptica maligna
Benzodiazepinas
  • Em casos de delirium resultante da suspensão de sedativos ou álcool
  • Quando os antipsicóticos são contraindicados
  • Pode agravar o delirium
  • Pode causar depressão respiratória
Melatonina Pequenas doses à noite para dormir
  • Dor de estômago
  • Cefaleias
  • Sonolência diurna
  • Doses mais altas podem prolongar o delirium.
Dexmedetomidina
  • Para sedação rápida em caso de agressão
  • Quando as benzodiazepinas não podem ser usadas
  • Hipotensão
  • Sem evidência na prevenção do delirium
Gabapentina Controlo da dor sem opioides Sedação, edema periférico

Prevenção

  • Evitar fatores precipitantes e/ou predisponentes:
    • Minimizar a polifarmácia.
    • Evitar intoxicantes.
    • Hidratação/plano nutricional
  • Evitar a privação sensorial:
    • Providenciar:
      • Relógios
      • Calendários
      • Janela com vista externa
      • Acesso a pertences pessoais (e.g., fotos de família, lembranças pessoais)
  • Prevenção do declínio físico e cognitivo:
    • Oportunidades regulares para praticar exercício físico:
      • Programar tempos de lazer
      • Programar passseios no exterior
    • Oportunidades regulares para a interação social:
      • Permitir visitas de amigos/familiares
      • Refeições em grupo
    • Disponibilidade de recursos visuais (óculos) e aparelhos auditivos
    • Disponibilidade de dispositivos de assistência à mobilidade:
      • Bengala
      • Andarilho
      • Cadeira de rodas
  • Intervenções de higiene do sono e manutenção do sono:
    • Evitar fármacos sedativos/que alterem a consciência, se possível.
    • Cronograma de sono consistente
    • Fornecer tampões de ouvido.
  • Em determinadas circunstâncias, o uso de sedativos para o controlo de episódios agudos podem ser justificados.
  • Tratamento de doenças crónicas subjacentes
  • Tratamento da dor (opiáceos/opioides como último recurso)

Diagnóstico Diferencial

  • Demência: as perturbações neurocognitivas major (PNMs), também conhecidos como demência, são um grupo de doenças caracterizadas por um declínio progressivo e persistente da memória e das funções executivas de um indivíduo. A demência é a principal causa de incapacidade nos idosos, em todo o mundo. Existem várias etiologias distintas para as principais PNMs. O delirium pode ser diferenciado da demência pelo seu início rápido e alteração dos níveis de consciência.
  • Síndrome do pôr-do-sol: alteração da cognição e orientação em doentes ao fim do dia e à noite. A síndrome do pôr-do-sol é comum entre pessoas com PNMs importantes. Embora não haja uma etiologia clara, existem preditores de mau prognóstico, como a hospitalização, a aceleração do declínio cognitivo e o aumento da sobrecarga do cuidador, associados à síndrome do pôr-do-sol. A história de sintomas que agravam especificamente à noite e melhoram durante o dia distingue a síndrome do pôr-do-sol do delirium; no entanto, é necessária uma avaliação clínica para excluir o delirium.
  • Esquizofrenia: perturbação psicótica caracterizada por sintomas positivos (delírios, alucinações e fala ou comportamento desorganizado) e sintomas negativos (embotamento afetivo, avolia, anedonia, desatenção e alogia). A esquizofrenia está associada a um declínio na função após > 6 meses. Embora os períodos de agitação sejam comuns no delirium, os doentes com esquizofrenia não apresentam alterações na orientação ou estado de alerta. O início de novo da esquizofrenia no grupo demográfico típico que se enquadra no delirium é, também, extremamente improvável.

Referências

  1. Sadock, B.J., Sadock, V.A., Ruiz, P. (2014). Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry: Behavioral sciences/clinical psychiatry (11th ed.). Chapter 21, Neurocognitive disorders, pages 697–704. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins.
  2. Francis, J. (2019). Delirium and acute confusional states: Prevention, treatment, and prognosis. UpToDate. Retrieved July 9, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/delirium-and-acute-confusional-states-prevention-treatment-and-prognosis
  3. Echeverría, MdL. R., Paul, M. Delirium. [Updated 2020 Nov 18]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470399/

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